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terça-feira, 13 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 8)


PRIMEIRO É PRECISO APRENDER A REMAR, PARA DEPOIS ASSUMIR O LEME.

Não confunda gasolina aditivada com premium (tipo “Grid”, “Podium”, etc.), pois sua octanagem é a mesma da gasolina comum — a diferença fica por conta dos aditivos (detergentes, em sua maioria) que previnem a carbonização das válvulas e dos pistões. Nas gasolinas premium, a octanagem maior permite comprimir a mistura de 12 a 14 vezes (taxas de compressão entre 12:1 e 14:1) sem que ocorra a indesejável “batida de pino” (detonação), que prejudica o rendimento e pode danificar o motor.

Observação: Usar gasolina aditivada não “aumenta a potência”, a despeito do que afirmam certas propagandas veiculadas na TV. O que ela faz e manter válvulas e pistões livres da indesejável carbonização, ajudando a preservar o desempenho original por mais tempo. Mas abastecer com gasolina premium só vale a pena em veículos com motores de capacidade cúbica superior a 2.000cc e taxa de compressão de, no mínimo, 12:1 — a exceção fica por conta dos importados “não tropicalizados”, que sofrem com água suja comercializada no Brasil como “gasolina comum”. Portanto, use gasolina premium somente no reservatório da partida a frio, caso seu veículo Flex ainda utilize esse sistema (detalhes nesta postagem).

O álcool vendido nas bombas é o hidratado, que contém entre 4% e 5% de água. O álcool anidro, que é misturado à gasolina para barateá-la, aumentar sua octanagem e reduzir a emissão de poluentes, passa por um processo de destilação forçada para eliminar a água é por evaporação, e seu teor alcoólico é de, no mínimo, 99,6%.

Ao contrário do que se costuma imaginar, etanol e gasolina se misturam de maneira homogênea e, portanto, queimam juntos. O que se separa (e desce para o fundo do tanque) é o excesso de água presente no combustíveis adulterados. Ainda que abastecer em postos que praticam preços mais elevados não garanta a qualidade do produto, a prudência recomenda fugir de postos onde o preço praticado fica muito abaixo da média da região.

Habitue-se a aferir regularmente o consumo do seu carro, pois alterações significativas são indícios de combustível de má qualidade. Mas vale lembrar que o consumo será sempre maior com etanol do que com gasolina (por razões amplamente discutidas nas postagens anteriores), como também no uso urbano (a não ser que você pegue a estrada engarrafada ou percorra longas distâncias sob um temporal daqueles).

Observação: Zerar o hodômetro parcial ao encher o tanque e dividir a distância percorrida pelo número de litros que couberem da próxima vez pode até dar uma ideia aproximada do consumo, mas desde que você abasteça na mesma bomba e não deixe o frentista “arredondar” o valor a ser pago — aliás, é fundamental interromper o abastecimento no primeiro desarme do bico, sob pena de danificar o cânister (voltarei a esse assunto mais adiante).

Calibre os pneus semanalmente (com a pressão recomendada pelo fabricante) e evite levar carga inútil no porta-malas. Tanto o atrito de rolamento, que aumenta com os pneus murchos, quando o excesso de peso com a mala apinhada de tranqueiras demandam maior esforço do motor e, consequentemente, impactam no consumo de combustível.

Note que é normal veículo gastar mais combustível no inverno, já que a densidade do ar frio faz com que o módulo de injeção enriqueça a mistura para otimizar a combustão. Dias frios também levam o motor a gastar mais energia para atingir a temperatura normal de trabalho, além de aumentar o arrasto aerodinâmico em razão da maior densidade do ar.   

Amanhã a gente continua.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 6)


QUANDO ESTAMOS MENTALMENTE LIVRES, NADA MAIS IMPORTA.

Nossos primeiros veículos movidos a álcool eram pródigos em problemas. Componentes que entravam em contato direto com o combustível — como o tanque e respectiva boia — sofriam muito com a corrosão. No carburador, o revestimento aplicado como proteção descamava e entupia os gargulantes. Além disso, a boia da cuba “encharcava”, o combustível percolava, o consumo aumentava e a marcha-lenta oscilava.

Rodar no anda-e-para do trânsito era uma verdadeira agonia, superada somente pela provação que era ligar o motor pela manhã, sobretudo no inverno. O sistema de partida a frio (formado por um pequeno reservatório com gasolina e uma bombinha elétrica) até ajudava, mas muita gente não se lembrava de abastecê-lo ou deixava a gasolina ficava velha (ela não é exatamente perecível, mas perde suas características originais por conta da oxidação dos componentes orgânicos e da evaporação das frações leves, mais voláteis).

A boa notícia é que a tecnologia evoluiu um bocado desde o final da década de 1970, quando os primeiros veículos a álcool pipocaram no Brasil e o slogan “Carro a álcool, você ainda vai ter um”, que deveria estimular o consumidor, passou a ser visto como uma espécie de praga ou maldição. Hoje em dia, no entanto, quem tem um carro Flex só nota a diferença quando abastece, seja pelo preço, seja pela frequência com que precisa parar no posto. Mesmo assim, alguns modelos continuam trazendo o famigerado tanquinho — e ainda tem gente que não se lembra de abastecê-lo, sobretudo se roda com gasolina durante a maior parte do tempo. 

O sistema auxiliar de partida só atua quando há mais de 90% de etanol no tanque e a temperatura está abaixo de 16ºC. Daí ser comum a gasolina do tanquinho a “envelhecer” e o motor, a não “pegar” em temperaturas abaixo de 15°C. O recomendável é substituir a gasolina remanescente a cada 60 dias, de preferência por gasolina Podium — ela custa mais caro, mas como a capacidade dos tanquinhos mal chega a um litro, sua durabilidade compensa o investimento.

Observação: Alguns sistemas injetam gasolina mesmo quando não há necessidade para evitar que a gasolina fique velha (com temperatura abaixo de 20°C, no caso dos Honda, ou em alguns momentos, mesmo nos dias mais quentes, como nos modelos Fiat). 

Outra consequência de deixar o tanquinho seco por muito tempo (o que é comum nas regiões onde o calor predomina durante a maior parte do ano) é o ressecamento do anel de borracha que veda a conexão da bomba elétrica. Portanto, ao menor sinal de vazamento, providencie a substituição do anel.

Quando (e se) você comprar um veículo Flex, dê preferência a um modelo que dispense o tanquinho auxiliar. Fabricantes de sistemas de injeção como Bosch e Magneti Marelli, entre outros, utilizam uma espécie de resistência elétrica (como as de chuveiro) para aquecer o etanol em poucos segundos e injetá-lo na câmara a uma temperatura entre 20°C e 30°C. Mas há soluções ainda mais modernas, como a usada pela Ford no Focus 2.0 — primeiro veículo Flex com injeção direta de combustível. Nesse caso, a pressão com a qual o combustível entra na câmara de combustão é aumentada em 50 vezes, fazendo com que o etanol seja atomizado. Paralelamente, o motor gira dois ciclos sem injeção de combustível, provocando o aquecimento dos cilindros. Assim, o carro pega facilmente, mesmo com álcool, em temperaturas de até -10°C (frio que a gente dificilmente enferentará no Brasil). 

Por hoje é só. Continuamos na próxima postagem.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 5)


SEMPRE QUE VOCÊ CHEGAR PONTUALMENTE A UM ENCONTRO, NÃO HAVERÁ NINGUÉM PARA TESTEMUNHAR, MAS SE ATRASAR, A OUTRA PESSOA CERTAMENTE TERÁ CHEGADO ANTES DE VOCÊ.

À luz do que vimos nas postagens anteriores sobre ciclo de compressão e taxa de compressão, tomemos como exemplo um hipotético motor 1.6 de 4 cilindros cuja capacidade de cada cilindro seja de 400 cm3 (medida com o pistão em seu ponto morto inferior, isto é, na posição mais baixa) e de 40 cm3 no ponto morto superior (posição mais alta). Essa diferença se traduz numa razão de compressão de 10:1, ou seja, a mistura pulverizada na câmara é comprimida 10 vezes pelo movimento ascendente do pistão, no ciclo de compressão, até ser inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição. 

O que a Nissan fez foi encontrar uma forma de variar essa relação, não para otimizar os motores bicombustível fabricados no Brasil, naturalmente, mas com vistas aos propulsores turbinados de sua marca (voltaremos a esse assunto numa próxima oportunidade). Todavia, dada a diferença entre as taxas de compressão dos motores a gasolina e a álcool, essa tecnologia pode melhorar significativamente o desempenho de nossos veículos Flex.

Devido à diferenças de poder calorífico, a gasolina produz melhores resultados com taxas de compressão em torno de 10:1, ao passo que o etanol requer taxas mais elevadas, entre 11,5:1 e 14:1. Atualmente, o que os fabricantes fazem é estabelecer uma relação que atenda às exigências dos dois combustíveis — uma solução “meia-boca” que, de quebra, aumenta o consumo dos veículos Flex em relação a modelos projetados para usar apenas gasolina, mesmo quando abastecidos com gasolina (com álcool o consumo será sempre maior, já que seu poder calorífico é inferior ao da gasolina e, portanto, requer uma mistura mais “rica”).

Uma taxa de compressão variável permitiria aproveitar o melhor de cada combustível — tendo em vista não só o consumo, mas também o desempenho e a emissão de poluentes. Enquanto essa tecnologia não chega às nossas “carroças”, fica valendo a velha regrinha dos 70% — ou seja, o uso do álcool é mais vantajoso quando seu preço é igual ou inferior a 70% do preço da gasolina. Para facilitar, multiplique o preço do litro da gasolina por 0,7. Se o resultado for superior ao preço do etanol, vale a pena usar esse combustível. 

Mas é bom lembrar que outros aspectos além do preço fazem do álcool uma opção mais vantajosa, como veremos nos próximos capítulos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 4)


SÓ APAGUE O FÓSFORO QUANDO TIVER CERTEZA QUE A VELA ESTÁ ACESA.

Vimos nos capítulos anteriores que não há problema algum em abastecer veículos flex com gasolina, etanol ou a mistura de ambos em qualquer proporção. Vimos também o que são taxas estequiométrica e de compressão, que a primeira pode ser ajustada em tempo real pela injeção eletrônica e que a segunda é imutável, pois corresponde ao número de vezes a mistura ar-combustível é comprimida pelo movimento ascendente do pistão antes de ser inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição uma fração de segundo antes de o êmbolo atingir o PMS (ponto morto superior). Como isso tende a ser nebuloso para quem não tem noção de como funciona um motor de combustão interna, passemos a um breve resumo.

Os principais componentes de um motor de quatro tempos atual (ciclo Otto) são, basicamente, os mesmos do início do século passado: cilindros, cabeçote, cárter (uma espécie de “depósito” de óleo lubrificante), pistões (ou êmbolos), bielas, virabrequim (ou árvore de manivelas) e válvulas (e respectivo mecanismo de acionamento).

Os cilindros ficam no bloco, entre o cabeçote e o cárter. Sobre cada um deles, duas ou mais válvulas acionadas pelo “eixo-comando” abrem e fecham a comunicação entre a câmara de explosão e os dutos de admissão e escapamento. Abaixo dos cilindros, os mancais (apoios) suportam o virabrequim, que é ligado aos pistões por meio de bielas e acoplado a um “volante” metálico cuidadosamente balanceado. No interior de cada cilindro, um pistão faz movimentos de vai-e-vem (vertical nos motores “em linha”, em ângulo nos modelos “em V” e horizontal nos propulsores “boxer”, como os do velho fusquinha, cujos pistões são contrapostos e trabalham horizontalmente).

O “espaço” entre o cabeçote e a parte superior do pistão corresponde à câmara de explosão, cujo volume varia conforme a posição do êmbolo. A relação entre os volumes medidos antes e depois da compressão define a taxa de compressão do motor, enquanto sua capacidade cúbica (ou cilindrada) é obtida pela multiplicação do volume da câmara (com o pistão no ponto morto inferior) pelo número de cilindros: nos motorzinhos “1.0” que equipam nossos carros “populares”, ela corresponde a aproximadamente um litro (nos saudosos V8 da década de ’70, chegava a mais de 7 litros).

Motores de combustão interna transformam a energia calorífica produzida pela queima da mistura ar/combustível na energia mecânica que faz o carro se movimentar. Para isso, o combustível líquido precisa ser vaporizado e combinado com certa quantidade de ar. Antigamente — conforme, aliás, a gente já mencionou nos capítulos anteriores — essa tarefa cabia ao carburador; hoje, ela fica a cargo de um sofisticado sistema conhecido como “injeção eletrônica”.

Observação: A alimentação dos cilindros determina o regime do motor: quanto maior a quantidade de mistura introduzida nas câmaras, maior a força produzida. No entanto, como o volume aspirado é sempre inferior à cilindrada — já que os gases sofrem uma perda de carga e não enchem completamente as câmaras —, propulsores mais sofisticados se valem de compressores para otimizar a alimentação e produzir mais potência. Mas isso já é outra conversa.

Um ciclo de força simples num motor de quatro tempos requer quatro cursos sucessivos do pistão. Durante a admissão, a depressão criada no interior do cilindro pelo movimento descendente do êmbolo enche a câmara de explosão com a mistura. Na etapa seguinte (compressão), enquanto ambas as válvulas no cabeçote (correspondentes àquele cilindro, naturalmente) permanecem fechadas, o pistão retorna a seu ponto morto superior (PMS), comprimindo a mistura. Em seguida (explosão) uma centelha produzida pela vela de ignição inflama os gases e empurra o embolo para baixo, produzindo o chamado “trabalho útil”. Finalmente, dá-se o curso de descarga, quando o pistão torna a subir, expulsando os gases do cilindro através da(s) válvula(s) de escapamento.

Observação: As válvulas não abrem nem fecham no exato instante em que os pistões atingem os pontos extremos de seu curso, pois uma pequena antecipação na abertura e um breve retardo no fechamento facilitam tanto a admissão da mistura quanto a expulsão dos gases.

O vai-e-vem retilíneo dos pistões, transmitido pelas bielas ao eixo de manivelas (ou virabrequim) produz um movimento circular no volante do motor, que, com o auxílio da embreagem e do sistema de transmissão (câmbio/diferencial), transfere o movimento para as rodas motrizes, fazendo o veículo se movimentar. O processo se repete milhares de vezes por minuto — conforme as características do motor e seu regime de rotação, cada pistão pode realizar centenas de ciclos por segundo!

À luz dessas informações, releia os capítulos anteriores e veja como os conceitos lá expendidos lhe parecerão bem mais palatáveis. 

Amanhã a gente continua. 

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 3)


ENGOLIMOS DE UMA VEZ A MENTIRA QUE NOS ADULA E BEBEMOS GOTA A GOTA A VERDADE QUE NOS AMARGA.

Veículos flex (equipados com motor bicombustível) podem ser abastecidos com gasolina, etanol ou uma mistura de ambos em qualquer proporção. Insisto neste ponto porque muita gente ainda acha que é preciso gastar toda a gasolina do tanque antes de abastecer com álcool (e vice-versa), o que não faz o menor sentido. Mas sempre haverá um frentista de posto (ou outro “entendido” de plantão) sempre pronto a convencê-lo do contrário.

Observação: Se você der ouvidos a frentista de posto, trocará as palhetas do limpador de para-brisa toda vez que abastecer o carro. Além de completar o óleo do motor, naturalmente. Meça o nível do óleo você mesmo, semanalmente, num local plano, de preferência pela manhã, antes de ligar o motor. Na impossibilidade, faça-o somente depois de deixar o motor esfriar por uns 15 minutos (tempo necessário para o óleo desça das partes altas e se acumule no cárter). Se o nível estiver entre as marcas de mínimo e máximo da vareta, não é preciso adicionar óleo. Lembre-se de que os frentistas costumam receber comissão pela venda de palhetas, aditivos e outros badulaques, daí seu empenho em nos empurrar essas coisas.

Voltando à vaca fria: Quando a mistura ar-combustível era formada nos jurássicos carburadores, a relação estequiométrica (proporção entre o ar e combustível) era obtida através dos gargulantes (ou giclês). No caso da gasolina, a proporção ideal é de 14,6:1, ou seja, a quantidade de ar na mistura é 14,6 vezes maior que a do combustível (ainda bem que não pagamos pelo ar). No caso do etanol, que tem poder calorífico inferior ao da gasolina, a proporção é de 8,4:1, o que se traduz numa mistura “mais rica”.

Em face do exposto, fica fácil concluir que, sem o concurso da injeção eletrônica, seria inviável alternar entre álcool e gasolina (ou usar uma mistura dos dois) e, portanto, não teríamos carros flex. Ao contrário dos carburadores, onde a relação estequiométrica não varia, a injeção conta com sensores estrategicamente posicionados, que monitoram as necessidades do propulsor em tempo real, permitindo à central estabelecer quantidades e proporções adequadas a cada momento específico, o que assegura melhor desempenho com menor consumo de combustível.

À exemplo da relação estequiométrica, a taxa de compressão — que corresponde ao número de vezes que a mistura ar-combustível é comprimida pelo movimento ascendente do pistão, no interior do cilindro, antes que a centelha produzida pela vela de ignição provoque sua queima — varia conforme o combustível para o qual o motor é projetado. No caso da gasolina, ela é de 10:1 e no do álcool, de 12:1. Todavia, ao contrário da relação estequiométrica, a taxa de compressão não pode ser alterada pelo sistema de injeção eletrônica (isso ficará mais claro ao longo dos próximos capítulos).

A título de curiosidade, a Nissan vem desenvolvendo um motor com taxa de compressão variável, que pode tornar os veículos flex mais eficientes (embora o objetivo da montadora japonesa seja otimizar o funcionamento dos motores turboalimentados). Explicando em rápidas pinceladas, a variação da taxa de compressão é obtida pela alteração do curso dos pistões diretamente no eixo de manivelas (onde as bielas se conectam). Uma engrenagem harmônica comanda um braço, esse braço gira um eixo, e esse eixo ajusta a inclinação do virabrequim, comprimindo a mistura mais ou menos vezes, de acordo com uma série de variáveis.

Não ficou claro? Então releia o parágrafo acima depois de ler os próximos capítulos desta sequência e você certamente entenderá melhor o que essa inovação significa.

Por hoje é só. Continuamos depois do final de semana prolongado pelo feriado de finados. Até lá.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

VEÍCULOS FLEX: É MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL? (Parte 2)


NADA INSPIRA MAIS CORAGEM AO MEDROSO DO QUE O MEDO ALHEIO.

Se ter um carro movido a álcool nos anos 80 e 90 era uma provação (a ponto de o slogan do governo “Carro a Álcool — Você ainda Vai Ter Um — soar como “praga de madrinha”), ter um veículo flexível (ou bicombustível) de hoje em dia é tudo de bom, sobretudo porque a maior parte dos problemas verificados nas primeiras safras das versões a álcool já foi sanada há tempos. Assim, a liberdade de escolher entre os dois combustíveis na hora de abastecer vem conquistando os motoristas e estimulando os fabricantes a aumentar a produção dos veículos “flex” e a “tropicalizar” alguns modelos importados, de modo a lhes garantir a mesma prerrogativa.

Como eu disse na postagem anterior, esse “prodígio” só foi possível depois que a indústria finalmente aposentou o pré-histórico carburador, que dosava a mistura queimada nas câmaras de combustão do motor através de gargulantes (também chamados de “giclês), resultando numa proporção estequiométrica invariável — em torno de 14,6:1 nos modelos à gasolina e 8,4:1 nos modelos a álcool. Já na injeção eletrônica, sensores estrategicamente posicionados realizam diversas medições em tempo real e enviam os dados a um módulo que realiza ajustes na mistura, no ponto de ignição, etc., de maneira a otimizar a queima. Daí por que os veículos “flexíveis” podem ser abastecidos com gasolina, álcool ou a mistura de ambos em qualquer proporção.

Por proporção estequiométrica, entenda-se a relação entre a quantidade de ar e combustível que chega até a câmara de combustão, é comprimida pelo movimento ascendente do pistão e inflamada pela centelha produzida pela vela de ignição. A “explosão” resultante gera o movimento descendente do êmbolo, cuja biela faz girar o eixo de manivelas responsável por transmitir essa “força” para as rodas motrizes, mas não sem o concurso do sistema de embreagem, das engrenagem da caixa de câmbio, do diferencial, etc. (A quem interessar possa, tudo isso foi detalhado numa matéria iniciada nesta postagem).

Uma proporção estequiométrica de 14,6:1 — como a que é usada nos motores à gasolina — indica que a mistura é composta de 14,6 vezes mais ar do que combustível (ainda bem que não pagamos pelo ar). No álcool, a proporção é de 8,4:1, e a razão de essa mistura ser mais “rica” é o menor poder calorífico do etanol.

Observação: Não confunda proporção estequiométrica com taxa de compressão, pois esta última indica quantas vezes a mistura ar-combustível é comprimida pelo pistão. Uma taxa de compressão em torno de 10:1 (como a que é utilizada nos motores à gasolina) significa que a mistura é comprimida 10 vezes antes de a centelha produzida pela vela de ignição provocar sua queima. Nos veículos a álcool, essa taxa aumenta para 12:1. Tenha em mente que a taxa de compressão reflete diretamente no rendimento térmico do motor, mas é limitada pela capacidade de detonação do combustível (voltarei a esse assunto oportunamente).

Via de regra, um carro flex “roda menos quilômetros por litro” com álcool do que com gasolina, mas isso não significa necessariamente maior custo por quilômetro — embora exija abastecimentos mais frequentes, o que pode ser um problema em viagens longas por estradas nas quais os postos ficam muito espaçados entre si. Se a diferença de preço entre os dois combustíveis for de 30%, o custo empata; se for maior, será mais vantajoso abastecer com etanol, como reza a tal regrinha dos 70% que que eu mencionei no início do capítulo anterior.

Mas vantagens de usar álcool não param por aí, como veremos na postagem da próxima segunda-feira. Até lá.

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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

VEÍCULOS FLEX: É MELHOR USAR GASOLINA OU ÁLCOOL?


DIGA A UM ADOLESCENTE PARA NÃO FAZER, E ELE FARÁ. DIGA PARA FAZER, E ELE NÃO FARÁ. TENTE ENGANÁ-LO DIZENDO-LHE PARA FAZER O QUE VOCÊ NÃO QUER QUE ELE FAÇA, E ELE OBEDECERÁ E FARÁ. NÃO ENTENDEU? LEIA DE NOVO.

Os veículos “Flex” já representam 80% da frota nacional, mas muitos motoristas ainda têm dúvidas sobre qual combustível utilizar. De modo geral, a regra é abastecer com álcool sempre que seu preço for pelo menos 30% inferior ao da gasolina, mas isso me parece uma visão muito simplista. Então, para responder a pergunta que intitula esta postagem, comecemos voltando no tempo até a década de 70.

A possibilidade de usar o álcool da cana-de-açúcar como combustível automotivo remonta ao início do século passado, mas só passou a ser considerada mais seriamente no brasil no anos 70, já que até então o preço do barril de petróleo no mercado internacional favorecia o uso da gasolina. Mas esse cenário mudou em outubro de 1973, quando a assim chamada “crise do petróleo” reacendeu o interesse mundial por fontes alternativas de energia. O álcool, que sempre fora considerado subproduto do açúcar, passou a desempenhar papel estratégico na economia brasileira e, diante do sucesso do Programa Nacional do Álcool, deixou de ser encarado apenas como resposta a uma crise temporária. 

Em 1975, o governo brasileiro passou a intensificar a produção etanol para substituir a gasolina. Durante algum tempo, os resultados foram alvissareiros, e as montadoras passaram a priorizar a fabricação de carros a álcool (em 1991, aproximadamente 60% da frota nacional eram movidos por essa fonte energética). Mais adiante, porém, uma nova redução no preço do petróleo fez com que a diferença de preço entre os combustíveis desestimulasse o uso do etanol, devido, sobretudo, ao consumo elevado apresentado pelos veículos e a necessidade de manutenção constante (componentes como tanque de combustível, carburador e outros apresentavam sérios problemas de corrosão devido ao contato direto com o produto). Isso sem mencionar que, nos dias mais frios, trafegar com um carro a álcool era uma verdadeira provação, a começar pela dificuldade de fazer o motor “pegar” pela manhã. 

Em 2003, porém, uma nova crise do petróleo voltou a impulsionar o uso do etanol como combustível, mas aí a bola da vez eram os motores flexíveis, capazes de queimar tanto álcool quanto gasolina. O resto é história recente, mas não custa lembrar que o fim da reserva de mercado e a liberação das importações, durante o governo Collor, se não transformaram nossas jurássicas “carroças” em veículos de primeiro mundo, ao menos constituíram um avanço importante, que mais adiante nos traria airbag, freios ABS, controles de estabilidade e tração, transmissão automatizada, piloto automático e a injeção eletrônica de combustível (sem a qual não haveria como produzir motores flexíveis).

Observação: De meados da década de 70, quando os militares proibiram as importações, até o governo do caçador de marajás de araque, que reverteu a proibição, somente uns poucos automóveis de de topo de linha e preços estratosféricos dispunham de ar condicionado, direção hidráulica, transmissão automática e, em raríssimos casos, acionamento elétrico dos vidros das portas — recursos atualmente comuns até mesmo nos assim chamados “carros populares”.

Até o final dos anos 1980, quando a injeção eletrônica era largamente utilizada nos países desenvolvidos, o Brasil insistia no obsoleto carburador. O primeiro veículo nacional a aposentar esse anacronismo foi o VW Gol GTI — uma série esportiva limitada (e cara) daquele que se tornou o carro nacional mais popular depois que o Fusca deixou de ser fabricado. Já o primeiro veículo nacional movido a etanol foi o Fiat 147, e o primeiro “bicombustível” foi o GolTotal Flex”, que a Volkswagen apresentou em 2003, durante a comemoração de seus 50 anos de operação no Brasil.

Continuamos na próxima postagem.

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