sexta-feira, 26 de abril de 2024

COISAS DO BRASIL

 

O laudo da Polícia divulgado no último dia 23 atestou que a Porsche dirigida pelo Fernando (de)Sastre de Andrade Filho colidiu com o Renault do motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Santana a mais de 100 km/h  velocidade muito superior à permitida na avenida Salim Farah Maluf, que é de 50 km/h. Em outras palavras, os peritos levaram três semanas para concluir o que ficou evidente no vídeo exibido pelos telejornais com a notícia do acidente. E provável que em mais um mês eles descubram que merda fede. 
 
Mudando de um ponto a outro, hoje é sexta-feira, e sexta-feira é de pizza. Não há nada como o aroma de uma pizza no forno para nos deixar com água na boca 
— a não ser, evidentemente, quando se trata dos metafóricos fornos do Legislativo e do Judiciário, onde as redondas fedem como esgoto a céu aberto. A expressão "tudo acaba em pizza" com o sentido de impunidade surgiu nos anos 1960, ganhou popularidade durante o impeachment de Fernando Collor e é usada até hoje para aludir ao vício nacional de manter impunes políticos corruptos e/ou que praticam outros tipos de crime. 

Observação: Falando em pizza e no Rei-Sol, em maio do ano passado o STF sentenciou o dito-cujo a 8 anos e 10 meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas sua alteza continua livre, leve e solto porque um pedido de vista de Dias Toffoli suspendeu o julgamento dos embargos declaratórios-protelatórios interpostos pela defesa do condenado.  
 
No mês passado, a PF concluiu o relatório sobre o caso da "fraude em certificado vacinal", e indiciou Jair Bolsonaro, Mauro Cid e outros 15 investigados pelos crimes de inserção de dados falsos em sistemas de informação, falsidade ideológica e associação criminosa. A pretexto de "não deixar nenhuma 'porta aberta' para a defesa técnica do ex-presidente", o procurador-geral Paulo Gonet determinou o aprofundamento da investigação. É como a anedota do sujeito que estava viajando com a esposa quando foi notificado da morte da sogra e, perguntado se ela seria sepultada ou cremada, respondeu: "primeiro crema e depois enterra, que com 
essa velha não se brinca".
 
Como nada é impossível, existe a possibilidade de Bolsonaro sacar sua caneta Compactor "made in Nova Iguaçu" (que substituiu a velha Bic, de origem francesa, depois da troca de farpas entre o então presidente e Emmanuel Macron), redigir e assinar confissão. Eu, particularmente, acho isso bastante improvável, sobretudo porque, segundo se comenta à boca pequena, o ex-presidente e seus asseclas acham que "Xandão amarelou" diante das manifestações do último domingo em Copacabana.
 
Ao mandar arquivar o
 caso dos pernoites na embaixada da Hungria sem impor novas sanções cautelares ao ex-mandatário, Alexandre de Moraes levou água ao moinho do bolsonarismo. Josias de Souza anotou em sua coluna no UOL que, na avaliação de um deputado bolsonarista, o encerramento do caso foi uma "autocontenção" produzida pelo "fator rua", e que encarcerar Mauro Cid é uma coisa, outra coisa bem diferente é prender Bolsonaro sem uma sentença, pois o barulho seria grande".

ObservaçãoEm janeiro de 2018, quando o TRF-4 se preparava para julgar o recurso de Lula contra a condenação imposta por Sergio Moro no caso do célebre tríplex do Guarujá — que culminaria com a prisão do petista em abril — a então senadora Gleisi Hoffmann deu uma verdadeira aula de selvageria durante uma entrevista ao site Poder 360, do companheiro Fernando Rodrigues: "Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente". Lula gozou 580 dias de férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba e não houve qualquer "comoção social" — afora o grupelho autodenominado "Vigília Lula Livre", que montou acampamento nas imediações para desejar "bom dia, boa tarde e boa noite" ao então presidiário mais famoso desta banânia. 
 
Escorando sua decisão nos mesmos argumentos técnicos expostos em parecer da PGR, Moraes anotou em seu despacho que não há "elementos concretos" que indiquem "efetivamente" que Bolsonaro buscou asilo político na embaixada da Hungria em fevereiro, e, portanto, ele não violou a medida cautelar que o proíbe de se ausentar do país. Na interpretação do ministro, 
art. 22 da Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário, deixa claro que, embora contem com proteção especial, os locais das missões diplomáticas não são considerados extensão de território estrangeiro, de modo que não houve violação à medida cautelar de proibição de se ausentar do País. Então tá.

Quem sabe ler nas entrelinhas percebe que o arquivamento do caso indica que "Xandão" só determinará a prisão do capetão quando houver elementos suficientes para condená-lo com base nas investigações, e não por descumprimento de medidas cautelares. Haja vista a decisão não indiciar Bolsonaro na investigação sobre suposta importunação a uma baleia jubarte em 2023. Ao conter sua poderosa Montblanc, o magistrado sinaliza a intenção de customizar seus embates conforme as especificações do cliente, estimulando nos devotos a ilusão de que o "mito" realizará em algum momento a grande façanha de desfritar todos os ovos que a PF levou à frigideira dos inquéritos, e na defesa do encrencado, a intenção de apresentar mais um pedido de liberação de seu passaporte.

Observação: Rápido no gatilho, Mauro Cid pediu a revogação da sua prisão preventiva. O ex-ajudante de ordens voltou para a cadeia após criticar em áudios o modo como sua delação premiada foi conduzida pela PF. Na ocasião, Moraes entendeu que o investigado teria descumprido as medidas cautelares e agiu para obstruir as investigações ao não preservar o sigilo de sua colaboração (ele havia sido preso pela primeira vez em maio do ano passado e deixou a cadeira seis meses depois, arrastando medidas cautelares como uso de tornozeleira eletrônica, apreensão de passaporte, proibição de se comunicar com outros investigados e ter de se apresentar semanalmente à Justiça.

O bolsonarismo elevou ao estado de arte o que o PT de Lula fazia — e voltou a fazer — quando no poder. Se Bolsonaro é um democrata, eu sou o Coelho da Páscoa, mas bolsonaristas e petistas têm em comum a noção de que liberdade de expressão só vale para quem os apoia. Como escreveu Mario Sabino em O Antagonista, o brasileiro não gosta de liberdade de expressão porque, em sua ignorância abissal, não entende do que se trata. 

Nossa gente é ignorante no mais básico, inculta no mais alto e abominável de todos os lados porque não está disposta a aprender com os próprio erros — e nem com os acertos, que, embora sejam incomuns, às vezes acontecem. Por mais defeitos que tivesse — e ele os tinha aos montes — , FHC, que era constantemente alvejado em reportagens e artigos, nunca pediu a cabeça de um jornalista, nunca cortou verbas publicitárias de revista nem fez ameaças contra o dono. Se ligava quando era desagradado, era para conversar e argumentar. Infelizmente, hoje temos o exato oposto em todas as esferas de poder.

Segundo os organizadores da manifestação do último domingo a baixa adesão (cerca 18% do público que foi à Avenida Paulista em fevereiro) deveu-se ao feriado de segunda-feira e ao calor infernal que fazia em Copacabana às dez da manhã. Frustrações à parte, a ordem foi minimizar publicamente o fiasco. Vale destacar que a preocupação com o número de participantes foi levada a Bolsonaro dias antes do ato, mas ele estava seguro de sua capacidade de "mover multidões".

O fato de a extrema-direita retirada do armário por Bolsonaro ser arcaica nos modos mas violenta nos métodos contribuiu para tirar da garrafa o gênio de Alexandre de Moraes ao longo da disputa presidencial de 2022, mas certas excepcionalidades deixaram de ser vistas como coisas excepcionais depois que os riscos iminentes à democracia se dissiparam. Cresce nos bastidores do próprio STF a percepção de que a instrumentalização do direito em busca de resultados efetivos prática associada a Moraes é uma exceção que não pode virar regra, sob pena de transformar as críticas ao xerife-geral da República num processo de questionamento da própria Corte.


Tirar gênios da garrafa é mais fácil do que convencê-los a entrar de volta. Moraes sinaliza a intenção de refinar procedimentos, selecionar brigas e encaminhar processos para a fase de encerramento. Provou isso ao avalizar a decisão da PGR que, em vez de denunciar Bolsonaro no caso da falsificação de cartões de vacina, pediu diligencias complementares à PF, ao não impor sanções cautelares ao encrencado pelos excessos na manifestação do último domingo, e ao mandar arquivar a investigação dos pernoites na embaixada da Hungria. 


Tudo leva a crer que o semideus togado percebeu que até ele está sujeito à condição humana, e que, portando-se como uma espécie de "ex-Xandão", resguarda-se para o julgamento que grudará sentenças condenatórias nas biografias de Bolsonaro e dos integrantes do alto-comando do golpe.