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sábado, 20 de abril de 2019

O JULGAMENTO DE LULA NO STJ E O STF E A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA.



Alan Garcia, que governou o Peru entre 1985 e 1990 e novamente de 2006 a 2011, ao saber que seria preso temporariamente por conta de investigação sobre propinas recebidas Odebrecht, preferiu antecipar sua entrevista com o diabo dando um tiro na própria cabeça. Garcia era um dos quatro ex-presidentes peruanos investigados por relações espúrias com a empreiteira-corruptora brasileira — que, dentre outros inestimáveis serviços prestados ao Brasil, incluiu a corrupção no portfólio de itens exportados por nosso país.  É lamentável que próceres da política tupiniquim, igualmente enrolados com a Justiça — sobretudo aqueles que foram diretamente responsáveis pelo empoderamento do cartel de empresa capitaneado pela Odebrecht —, não se espelhem no político peruano e continuem insistindo ad nauseam no seu pseudo vitimismo e soterrando os tribunais com suas chicanas jurídicas.

Falando na Justiça brasileira, nosso país é o 105º colocado no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. O resultado anunciado na última quinta-feira 18 é pior do que o de 2018, quando esta banânia ocupava a 102ª colocação. E ainda sobre o “cala boca já morreu, mas ressuscitou por obra e graça de dois ministros supremos”, Marco Aurélio Mello classificou de “mordaça" a decisão do colega Alexandre de Moraes, que determinou a retirada do ar de reportagens publicadas pela revista Crusoé e pelo site O Antagonista, que fazia referência a uma citação ao nome do presidente do STF em delação da Odebrecht. Confesso que não sou fã incondicional de Marco Aurélio, mas concordo com ele quando diz que “vivemos tempos estranhos”.

Mudando de um ponto a outro, pelo evangelho segundo Cármen Lucia, rediscutir o cumprimento da pena após condenação em segunda instância à luz da prisão de Lula seria “apequenar o Supremo”. Fiel a suas convicções, a ministra deixou a presidência da Corte, em setembro do ano passado, sem ter pautado o julgamento das furibundas ADC 43, do PENADC 44 , da OAB, e ADC 54, do PCdoB. Seu sucessor no cargo, ministro Dias Toffoli, incluiu, em dezembro, as tais ações na pauta do dia 10 de abril de 2019, acreditando que até lá o STJ teria julgado o REsp de Lula no caso do tríplex e, portanto, a polêmica do cumprimento da pena após condenação em segunda instância ficaria menos explosiva, facilitando o acolhimento de sua "proposta conciliatória" — de autorizar a prisão somente após o STJ (terceira instância) ratificar a condenação. Com isso, o STF evoluiria para uma posição mais “garantista”, como reclama a nata dos criminalistas, e Lula, com punição confirmada pelo STJ, continuaria preso. Mas faltou "combinar com os russos".

ObservaçãoReza a lenda que na copa de 58, o técnico Feola bolou um esquema infalível contra a seleção soviética: Nilton Santos lançaria a bola pela esquerda para Garrincha, que driblaria 3 russos e cruzaria para Mazzola marcar de cabeça. Depois de ouvir tudo atentamente Garrincha perguntou: "tá legal, seu Feola, mas o senhor combinou com os russos?".

Mesmo depois que as ADCs foram pautadas, seu relator surpreendeu a todos com uma liminar funambulesca publicada minutos após o início do recesso de final de ano do Judiciário — liminar essa que, se Toffoli não tivesse cassado prontamente, resultaria na libertação de Lula e de outros 169 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos pelas instâncias superiores. Enfim, o ano virou, janeiro terminou, março sucedeu a fevereiro e o STJ ainda não julgou o REsp de Lula.

Para evitar que seu plano fosse a pique, Toffoli, “atendendo a uma solicitação da OAB”, retirou de pauta as ADCs e adiou sine die seu julgamento — que só deve acontecer no segundo semestre, a não ser que Marco Aurélio leve o tema em mesa (ou seja, coloque a questão em discussão durante uma sessão plenária, ainda que ela não tenha sido incluída na pauta). Se o presidente supremo empurrou a discussão com a barriga por receio de que a jurisprudência fosse mantida — contrariando os interesses da ala garantista e os advogados criminalistas —, ou se o fez por achar que uma eventual mudança pudesse inflamar as ruas, essa é uma questão que divide opiniões. Mas é consenso que, sem uma definição sobre a polêmica, os ministros garantistas seguirão forçando a rediscussão da antecipação da pena com decisões monocráticas que colidem com a jurisprudência colegiada (e o mesmo se aplica à segunda turma, com Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso de Mello emparedando os colegas Edson Fachin e Cármen Lúcia).

Segundo Veja, um emissário de Toffoli procurou a OAB no final de março para sondar se a entidade concordaria em adiar a análise das ADCs. A OAB concordou, e assim foi feito. Na avaliação do ministro supremo Luís Roberto Barroso — que também integra o TSE —, o STF pode perder sua legitimidade e provocar “uma crise institucional” caso não consiga “corresponder aos sentimentos da sociedade”. Na sua avaliação, não faz o menor sentido mudar a jurisprudência se o Supremo reforma apenas 0,4% das decisões dos tribunais inferiores e o STJ, 1,2% dos casos.

Observação: Para Barroso, existe um certo ressentimento da elite do País contra a Lava-Jato, pois todo mundo tem algum conhecido envolvido. "Ninguém se arrepende de coisa alguma, todos dizem que estão sendo perseguidos, que são vítimas de uma conspiração, mesmo quando são fotografados ou  filmados." Luiz Fux, que acumula a função de ministro supremo e vice-presidente do TSE, não só segue a mesma cartilha como vai mais além, defendendo um mandato de 10 anos para os membros da nossa mais alta corte, e afirmando que “os juízes eleitorais não têm a menor condição de apurar esses crimes comuns, como corrupção etc." (confira a entrevista que o ministro concedeu a Andreia Sadi no “Em Foco” do último dia 10).
  
Além de questionar a prisão em segunda instância, a defesa de Lula quer que o STJ mande o caso do triplex para a Justiça Eleitoral. O recurso já foi negado monocraticamente pelo relator, ministro do STJ Felix Fisher, uma vez que o reexame de matéria fática (provas) se encerra na segunda instância. Nos bastidores, os advogados do petista buscam convencer o STJ a derrubar a punição por lavagem de dinheiro. Caso isso aconteça, mesmo que a condenação por corrupção passiva seja mantida, a pena seria reduzida para cerca de oito anos, e em breve o paciente poderia passar a cumpri-la no regime semiaberto ou em prisão domiciliar. Nos corredores do tribunal, a proposta é considerada uma solução salomônica entre as pressões feitas por defensores e opositores do ex-presidente — que, em tese, não deveriam interferir no processo, mas, na prática, têm guiado as decisões, dentro e fora dos autos.

Também como eu mencionei anteriormente, a ausência do ministro Marcelo Ribeiro Dantas na sessão da última quinta-feira no STJ fez com que o julgamento do REsp de Lula pela 5ª Turma ficasse para depois da Páscoa (mais detalhes nesta postagem). No último dia 12, o MPF em Brasília reforçou a denúncia por corrupção passiva apresentada no ano passado pela PGR contra Lula e os ex-ministros Paulo Bernardo e Antônio Palocci. O inquérito foi aberto inicialmente no STF porque, além dos três, a então senadora e ora deputada e presidente nacional do PTGleisi Hoffmann, também foi denunciada. O ministro Fachin decidiu fatiar o inquérito e enviar à primeira instância as menções a pessoas sem direito ao foro nefasto foro privilegiado, e se a denúncia for aceita, o ex-presidente corrupto se tornará réu mais uma vez.

Deu no Antagonista: A crise atual nem começou direito e a próxima estação desse funesto trem fantasma já está à vista: a discussão sobre a libertação de Lula pela 2ª Turma do STF. Segundo o site, está em formação uma maioria em favor do ex-presidente, o que alteraria todo o entendimento das coisas até aqui. A turma deve se reunir presencialmente em breve, a pedido de Gilmar Mendes, que não esconde o desconforto com a prisão do petista. Dois governadores contam que receberam a mesma avaliação de membros da cúpula das Forças Armadas: a exemplo do já histórico tuíte do general Villas Bôas em 2018, os militares não estão dispostos a bancar sem alertas antecipados o controle da balbúrdia social que creem ser inevitável no caso de soltura de Lula que tenha cheiro de casuísmo. A conferir.   

Em tempo: Os advogados de Lula afirmam que, desde o bloqueio das contas e dos bens do ex-presidente, decretado pelo ex-juiz Sérgio Moro no início de 2018, falta dinheiro para custear deslocamentos e até para contratar pareceristas. A página na internet que o escritório mantinha para divulgar as posições da defesa sobre os andamentos da Lava-Jato também saiu do ar, pois, sem verba, o contrato com a equipe que cuidava do site foi rescindido. Segundo Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, o petista já gastou cerca de R$ 5 milhões em sua defesa. E vai passar a Páscoa na cadeia.