segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

SOBRE A REFORMA DA PREVIDÊNCIA


Defender a reforma da Previdência passou a ser coisa de coxinha. Militantes de esquerda que honram a camiseta vermelha ― com a qual deveriam se enforcar num pé de couve ― são contra, pouco lhes importando se dos 80 para cá o número de filhos por casal caiu pela metade e a sobrevida de quem chega aos 60 anos aumentou de 15 para 22 anos.

Essa caterva de raciocínio estreito, no afã de culpar o atual governo por todas as mazelas do universo, é incapaz de perceber que, com menos trabalhadores ativos contribuindo para sustentar um número cada vez maior de inativos cada vez mais longevos, a Previdência está fadada ao colapso ― até porque, daqui a 40 anos, 1/3 da população brasileira será de idosos.

O rombo da Previdência não vem de hoje, mas se agravou com a “Constituição Cidadã”, que registra a palavra “direito” 76 vezes, enquanto “dever” aparece em apenas quatro oportunidades. Promulgada na “ressaca” da ditadura, nossa Carta Magna incorporou uma cachoeira de benefícios, represados durante os anos de chumbo, mas não estabeleceu as necessárias contrapartidas. O próprio Ulysses Guimarães reconheceu suas imperfeições, que contribuíram para elevar a carga tributária (dos 22,4% do PIB, em 1988, para os atuais 36%) como forma de sustentar as novas obrigações do Estado com direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade e infância.

Em 1992, havia um beneficiário da Previdência para cada 12 brasileiros. Já em 2015, a proporção era de um aposentado ou pensionista para cada sete brasileiros. Nesse período, a fatia dos inativos que recebem algum tipo de benefício passou de 8,2% para 14,2% e, pelo andar da carruagem, bastam mais três décadas para esse índice se aproximar perigosamente dos 100%, deixando duas alternativas ao governante da vez: ou ele canaliza cada centavo arrecadado para pagar aposentados, ou usa parte do dinheiro para manter a máquina pública funcionando, ainda que claudicante, em detrimento dos milhões de velhinhos que ficarão a ver navios.

Pode-se não gostar de Michel Temer, mas não se pode deixar de reconhecer que ele foi quem mais se empenhou nessa reforma. Infelizmente, ela não será votada neste ano, e as chances de ser aprovada em 2018 são ainda menores ― em anos eleitorais, como se sabe, os políticos lambem a bunda dos eleitores para não ser punidos nas urnas. Mas o problema não é só esse. Uma miríade de concessões negociadas com o Congresso desfigurou a proposta de reforma a tal ponto que, do jeito que está, dificilmente produzirá algum resultado positivo no orçamento, mesmo nos médio e longo prazos.

ObservaçãoTemer ― ah, o Temer ― disse na última sexta-feira, durante a posse de Marun, que é “ótimo” que a votação da reforma da Previdência tenha sido adiada para 19 fevereiro, embora a mudança representou uma derrota do governo, que não conseguiu reunir os 308 votos necessários à aprovação das medidas ainda em 2017. Segundo o peemedebosta, o governo conta hoje com “270, 280 votos”, mas que há “uma campanha muito grande, uma compreensão muito grande” e que “os parlamentares vão para suas bases e vão verificar que não há uma oposição feroz em relação à da Previdência e, portanto, voltarão muito mais animados para votar a reforma da Previdência em fevereiro”. Disse ainda sua insolência que “boa parte, senão a maior parte da população apoia a reforma da Previdência e que até mesmo líderes da oposição no Congresso têm compreensão, ainda que oculta às medidas". E completou:“Nós temos apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, temos apoio do Eunício Oliveira [presidente do Senado], temos apoio dos líderes todos da base do governo. E naturalmente, devo dizer, que acho que temos a compreensão, ainda que oculta, dos líderes da oposição, porque não é uma questão de governo, é uma questão de Estado”. Se isso fosse um concurso para vem quem mente mais,Temer e Lula estariam disputando focinho a focinho o primeiro lugar focinho.

Qualquer que seja o governante que venha a se debruçar sobre esse assunto ― e alguém precisará fazê-lo mais cedo ou mais tarde, e seria bom que esse alguém contasse com a legitimidade do voto popular ―, é importante começar a revisão pela aposentadoria dos servidores públicos, cuja única semelhança com a dos trabalhadores da iniciativa privada é ser deficitária. Enquanto são gastos R$ 150 bilhões/ano para atender quase 30 milhões de trabalhadores aposentados pelo INSS, gasta-se mais da metade desse valor para atender apenas de 1 milhão de aposentados do serviço público. Os aposentados e pensionistas da “vala comum” custam, em média, R$ 5 mil por ano, ao passo que seus pares do serviço público consomem R$ 77 mil por ano. No INSS, o teto do benefício mal passa dos R$ 5 mil mensais, enquanto que, para os servidores aposentados, o limite vai além dos R$ 30 mil, e não são poucos os que recebem acima desse valor.

Se ceder à pressão do funcionalismo, o governo vai beneficiar 380 mil servidores federais que ainda estão em atividade e que se aposentarão com o último salário da carreira e reajustes iguais aos dos funcionários da ativa ― privilégios que precisam ser eliminados, mas que as categorias pressionam para manter. Se se fosse pagar hoje todos os benefícios futuros para esses servidores, o desembolso seria de R$ 507,6 bilhões ― e a previsão é que haverá concessão desses benefícios por mais 30 a 40 anos, com os pagamentos se estendendo por cerca de 80 anos.

A proposta em tramitação na Câmara ― que precisa de pelo menos 308 votos para ser aprovada ― visa reduzir o peso da fatura impondo aos servidores as idades mínimas de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Mas a pressão crescente das categorias leva o governo a considerar uma alternativa mais leve para esse grupo. O próprio Rodrigo Maia pretende propor uma regra intermediária para tentar votar a reforma em fevereiro. Se vai conseguir, isso já é outra conversa.

Para tentar diminuir a resistência dos parlamentares, o governo concordou com a exclusão de trechos da proposta que mudavam regras de aposentadoria rural, benefícios assistenciais para a baixa renda e o tempo mínimo de contribuição para o INSS (que permanecerá em 15 anos). Isso excluiria os mais humildes do alcance da reforma. Mesmo assim, a militância esquerdista acéfala ― para quem o dobro de nada parece melhor que a metade de pouco ― pinta o projeto com as cores do mapa do inferno, a despeito de seus amados ex-presidentes (o ladrão e a incompetenta) terem cogitado propor algo parecido quando nadavam de braçada nas pesquisas de opinião pública. No entanto, como ambos governaram de olho na reeleição, nenhum deles teve colhões para levar o projeto adiante.

Resumo da ópera: A reforma da Previdência é inevitável e inadiável. Se nada for feito, a geração futura pagará a conta do processo natural de envelhecimento e aumento da participação dos aposentados na população. O texto que estava previsto para ser votado nesta semana pela Câmara, e que foi desfigurado por dezenas de concessões “negociadas” entre o governo e os parlamentares fisiologistas, fixa idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher), mas inclui uma regra de transição que dura 20 anos para quem está no mercado de trabalho: no INSS, a idade começaria com 55 anos (homem) e 53 anos (mulher) a partir de 2020, e subiria gradativamente.

Os militares ficaram deixados de fora da reforma ― aliás, Temer tem paúra de contrariar o povo das casernas; depois que ele assumiu, o Brasil passou a viver sob um regime presidencialista de direito, mas parlamentarista de fato, e não o melhor desses dois mundos, mas a combinação do que cada um deles tem de pior. Urge por um ponto final nisso, mas com esses políticos imprestáveis e o eleitorado de péssima qualidade que temos nesta Banânia, só com Jesus na causa (como dizem os evangélicos).