Dono da terceira maior fortuna do planeta e de empresas como Tesla, SpaceX, Neuralink, The Boring Company, SolarCity e X (que todo mundo continua chamando de Twitter), Elon Musk ganhou as luzes da ribalta tupiniquim ao ameaçar descumprir decisões do STF e ser incluído no inquérito das fake news.
Ao se tornar campeã de audiência (em nível local e internacional) a minissérie Musk x Xandão levou água ao moinho do bolsonarismo (mesmo com seu "mito" multiencrencado e na bica de ver o Sol nascer quadrado, essa caterva não para de moer).
No início de março, uma comitiva de deputados brasileiros capitaneada pelo rebento do capetão apelidado de "Dudu Bananinha" pelo ex-vice-presidente Hamilton Mourão passou uma semana em Washington (EUA) tentando convencer parlamentares republicanos de que o Brasil não é mais uma democracia. O bloco "Free Brazão" incluiu deputados que frequentam inquéritos relatados por Moraes. Além de Zero Três, integram essa seleta confraria Alexandre Ramagem, Bia Kicis, Carla Zambelli, Carlos Jordy, André Fernandes e Zé Trovão, que dançam ao som da música executada nos bastidores pelo chefe do clã das rachadinhas, mansões milionárias e joias sauditas.
O multibilionário sul-africano — cuja trajetória você pode conferir neste artigo — imaginou que a parceria com o bolsonarismo o ajudaria a inibir incursões de Moraes pelo Planeta X. Conseguiu pulverizar o projeto de lei que regularia as plataformas digitais, mas tirou das supremas gavetas ações mediante as quais as togas farão por pressão das circunstâncias o que os parlamentares abdicaram de realizar por opção. Em outras palavras, a esgotosfera ainda não se livrou do Código Penal.
Musk chamou Moraes de "ditador do Brasil", acusou-o de aplicar multas pesadas ao "X", de ameaçar prender funcionários da plataforma e de "forçá-lo a bloquear determinadas contas populares no Brasil". Também questionou as indicações do "advogado pessoal de Lula" e de um "membro do partido comunista" para o STF e acusou "Xandão" de manter Lula na coleira — como se os Poderes não fossem independentes no Brasil e a prerrogativa de depor ministros do Supremo, exclusiva do Senado.
Como era esperado, as bravatas contribuíram para anabolizar o discurso de ódio, desinformação e manifestações antidemocráticas. Também como era esperado, as redes sociais se dividiram, mas duas manifestações contrárias ao empresário chamaram a atenção. Numa, o presidente do Senado disse que "no fundo, tudo se resume a uma busca por lucro"; na outra, que viralizou nas redes, um ilustre desconhecido acusou Musk de não criar nada, apenas comprar empresas como a Tesla ou contratar gênios, como fez na SpaceX.
Musk não é um empresário típico, e tampouco está preocupado em perder dinheiro. Sua fortuna é estimada em quase R$ 1 trilhão, o que torna inócua a aplicação das multas decretadas por Moraes. E a ameaça de prender funcionários do X no Brasil é chover no molhado, já que o próprio dono do circo disse estar pensando em levar seu trupe para outras paragens.
Observação: Durante a pandemia, contrariando todas as normas estaduais e locais de paralisação e isolamento social, Musk anunciou que reabriria a fábrica da Tesla em Alameda, no norte da Califórnia. Confrontado, ameaçou levar sua produção para outro lugar — a fábrica continua lá, mas ele abriu outra no Texas). Beligerante como poucos e ególatra como muito, o empresário já comprou com Bill Gates (que apostou na baixa das ações da Tesla e lhe pediu para investir em seus projetos sociais) e desafiou Mark Zuckerberg para um pugilato que seria transmitida pela rede X (apesar do entusiasmo do desafiante, a luta nunca aconteceu).
A manutenção de Chiquinho Brazão atrás das grades deu ao megaempresário a aparência de um extraterrestre que desceu no meio de uma colônia de bolsonaristas e, depois de informar ao Planeta X que firmou uma aliança com libertários no Brasil, foi flagrado abraçando o crime organizado. Rápido no gatilho, Moraes lustrou diante das câmeras da TV Justiça a estrela de xerife do saloon virtual. "Talvez alguns alienígenas não saibam", disse ele, "mas passarão a aprender e tiveram conhecimento da coragem e seriedade do Poder Judiciário brasileiro." Ao promover o "alienígena" a investigado no inquérito sobre milícias digitais, o magistrado lançou-o no mesmo caldeirão criminal em que ferve o alto-comando da malsucedida articulação que tentou abrir a cela de um dos acusados de encomendar o assassinato de Marielle.
Em meio a esse salseiro, Xavier Milei se encontrou com Musk no Texas e lhe ofereceu ajuda na cruzada contra "Xandão". A vassalagem chegou dias depois de a chefona da chancelaria da Argentina postar no X que suas embaixadas estão abertas à concessão de "refúgio a todos que são perseguidos por compartilhar valores de liberdade". Mas a oferta de "colaboração" do anarcocapitalista situa-se no mesmo limbo onde repousam as reformas econômicas que ele prometeu durante sua campanha à Casa Rosada. Na prática, o lero-lero é tão inócuo quanto a bazófia de Musk de descumprir decisões emanadas do Supremo.
A união Musk-Milei deve ser compreendida no contexto da recessão democrática que leva ao surgimento, expansão e diversificação de espécies de dinossauros políticos que empurram o mundo para um novo Período Jurássico — desgraça adiada na Brasil pela derrota de Bolsonaro em 2022. Por motivos que só o fanatismo atávico e a cegueira mental explicam, o bolsonaristas e seu arcaísmo ainda pululam no Brasil, e os devotos do dejeto da escória da humanidade enxergam no chilique do dono de uma das plataformas mais tóxicas das redes sociais a oportunidade para prolongar o processo de subversão que corrói a democracia por dentro, substituindo as fardas e os tanques pela industrialização do ódio e da desinformação.
A volta da política à Era Mesozóica já é realidade em países como Hungria, Rússia, Polônia, Geórgia, Filipinas, Nicarágua e Venezuela. A ultradireita que triunfou na Argentina também aterroriza a Itália e a Alemanha, avança na França e não prevaleceu em Portugal por um triz. Aos pouquinhos, os dinossauros vão formatando sua Internacional Jurássica. Ainda que o direito de se expressar livremente não inclua o direito de ser levado a sério, convém não descuidar dos ruídos.
Na avaliação do presidente do Congresso, o avanço da PL que visa regulamentar as redes sociais é inevitável, mas o imperador da Câmara já avisou que a chance de o projeto ir a plenário em meio a essa crise é "nenhuma". Assiste razão a Arthur Lira: num cenário extremamente polarizado como o atual, as chances de dar merda são consideráveis.
Resumo da ópera: Ainda que a "dolosa instrumentalização criminosa do X", que levou Alexandre de Moraes a incluir Elon Musk no inquérito das Fake News, não tenha ficado bem clara, é inegável que o quixote desabusado afrontou a soberania nacional. Como bem observou o presidente do Judiciário, "decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado", e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras.
Reza a sabedoria popular que, quanto maior o alvo, mais fácil é acertá-lo. Musk arrasta um ego tão gigantesco quanto o de Lula. Se"Xandão" levar adiante essa pendenga, poderá atingi-lo por aí, mas deixará o Supremo numa sinuca de bico: caso a Corte dobre a aposta e derrube o acesso ao X no Brasil, o custo será astronômico, mas eficácia, pífia — basta recorrer a uma VPN para burlar a proibição.
Aguardemos, pois, os novos e emocionantes capítulos que certamente virão.