segunda-feira, 22 de abril de 2024

LULA E A MELHOR IDADE

 

Todo ser vivo nasce, cresce e morre. O nascimento dá início a uma viagem pelo tempo rumo a um futuro que nunca chega (o hoje é o amanhã de ontem e o ontem de amanhã). Não se saiba ao certo se o tempo existe ou se é apenas uma invenção criada para facilitar nossa compreensão do mundo, mas sabe-se que a morte é inexorável e constitui a única certeza que temos na vida. 
 
Viver para sempre é um sonho antigo. Os antigos gregos acreditavam a água de um rio que nascia no Monte Olimpo tornava os homens imortais. Em 1513, Ponce de León partiu de Porto Rico em busca da lendária Fonte da Juventude e descobriu a Flórida, mas morreu em 1521 sem jamais ter encontrado a tal fonte.
 
Em 1932, quando a expectativa de vida dos norte-americanos era de 59,7 anos, Walter B. Pitkin publicou seu livro de autoajuda "Life begins at forty" ("A vida começa aos 40"). Entre 1960 e 2014, a expectativa de vida no Brasil aumentou de 48 para 74,6 anos. Aubrey de Grey — co-fundador e CSO da SENS — acredita que é possível viver por séculos sem sofrer os transtornos da velhice, mas nossa conterrânea mais longeva completou 119 anos no dia 10 do mês passado (e está num osso danado).
 
A experiência segue as pegadas da maturidade, mas isso não significa que 
a "reta de chegada" seja a melhor parte da "viagem". Chamar a "terceira idade"  fase da vida que começa aos 60 e termina quando as luzes da ribalta se apagam — de "melhor idade" é ignorar pérolas de sabedoria como "la vecchiaia è bruta". Em resposta à nova expressão, que foi cunhada por um "influencer" infectado pelo vírus da positividade tóxica, borrifada nas redes sociais por seus seguidores "idioters" e replicada pelos meios de comunicação, o jornalista e escritor mineiro Rui Castro publicou a crônica "Melhor idade é a puta que te pariu". 

Atribui-se a Pascal a máxima: "quanto mais conheço o homem, mais gosto do meu cachorro". Trata-se de uma crítica mordas à natureza humana combinada  com uma louvação à lealdade e o amor incondicional dos cães. O filósofo francês sabia das coisas: o ser humano sempre foi um merda, e continuará sendo um merda per omnia saecula saeculorum, até porque quem nasceu pra vintém não chega a tostão. Menos mal se o desinfeliz é capaz de reconhecer as próprias limitações; embora essa "virtude" não o exclua da seleta confraria dos merdas, ao menos passa a impressão de que alguns merdas "são menos merda que os outros". 

Falando em merda, em 2018, visando impedir que país do futuro que nunca chega porque tem um imenso passado pela frente fosse governado pelo bonifrate do então presidiário mas famoso da história desta banânia, o mui esclarecido eleitor tupiniquim despachou para o Planalto um subproduto da escória da humanidade que ressuscitou a extrema-direita radical, que julgávamos sepultada com o fim da ditadura e a volta dos milicos aos quartéis. Como há males que vêm para pior, além de não empurrar o bolsonarismo boçal de volta para armário da História, a derrota do "mito" em 2022 ensejou o retorno do egum mal despachado que julgávamos exorcizado pelo impeachment de Dilma.
 
Lula foi catapultado à política liderando greves históricas que desafiaram a ditadura militar nos anos 1970. Em 2022, ele articulou a falaciosa "frente democrática" que o ajudou a se eleger pela terceira vez com a promessa de pendurar as chuteiras ao final desse mandato. Assim que tomou posse, criou dezenas de novos ministérios para acomodar os aliados de ocasião e nomeou para as pastas já existentes antigos aliados sepultados no julgamento do Mensalão ou quando a saudosa Lava-Jato expôs as entranhas pútridas do Petrolão. E como desgraça pouca é bobagem, voltou a acalentar o sonho de concorrer ao quarto mandato.

Observação: Comenta-se que o imperador da Câmara reclamou da desarticulação do governo e sugeriu a Lula que anunciasse sua candidatura à reeleição em 2026 a fim de acabar com a rivalidade entre seus ministros — principalmente Alexandre Padilha, Rui Costa e Fernando Haddad. O presidente não se fez de rogado, mas, ao contrário do que esperava Lira, essa iniciativa não inibiu as brigas e as sabotagens dentro governo, num sinal claro de que, se a orquestra oficial continua desafinando, a culpa é do regente, e de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro.
 
Lula recebeu com pompa e circunstância o ditador venezuelano, presenteou Dilma com a presidência do Banco do Brics e indicou para o STF um amigo e advogado particular e um ministro socialista, comunista e marxistas. Em 15 meses de governo, passou quase 70 dias num périplo turístico por 30 países, demorou a afastar auxiliares envolvidos com corrupção, acusou o presidente do BC de travar o crescimento do país, sabotou a meta de déficit zero de seu ministro da Fazenda e tentou interferir na Petrobras e enfiar Guido Mantega na presidência da Vale. 
 
Além de reeditar erros cometidos nas gestões anteriores, o Sun Tzu de Atibaia abrilhantou sua interminável lista de asnices louvando o Nicolás Maduro, comparando Gaza ao Holocausto, defendendo a ideia de que democracia é um conceito relativo e dizendo que se orgulha de ser chamado de comunista. Seus auxiliares estão preocupados com seus "lapsos de memória", como quando ele acusou Israel de matar 12,3 milhões de crianças — um dado flagrantemente irreal.
 
Lula sempre foi entusiasta da ideia — simplista e errada — de que gasto é vida. Rui Costa, seu mais poderoso assessor no Planalto, vive a argumentar que o ajuste fiscal proposto por Haddad pode prejudicar o novo PAC, assim como o pagamento de dividendos extras pela Petrobras — rejeitado por Costa e defendido por Haddad — poderia, segundo o chefe da Casa Civil, inviabilizar o plano de investimentos da companhia, e desde então a rixa vem ganhando ritmo e temperatura. 
 
Em seu primeiro mandato, Lula assistiu a uma disputa de poder entre José Dirceu e Antonio Palocci. Tanto o então chefe da Casa Civil quanto o então ministro da Fazenda almejavam suceder ao chefe na Presidência, mas ambos foram atingidos por escândalos de corrupção e ficaram pelo caminho. A exemplo de seus antecessores, Costa e Haddad nutrem o desejo de disputar o Planalto em 2026. Lula, como de costume, prefere assistir de camarote à cizânia entre aliados e subordinados. Quando intervém, é para colocar mais lenha na fogueira — como fez quando o plenário da Câmara manteve a prisão do deputado Chiquinho Brazão. 
 
Lira chamou Padilha de "incompetente" e "desafeto pessoal", e o ministro reagiu dizendo que não desceria ao nível de Lira. Lula resolveu participar do tiroteio verbal tomando partido de seu auxiliar: "Só de teimosia, Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério". A ideia era mostrar quem manda — o que não é necessário nem condiz com a liturgia do cargo —, mas só conseguiu agravar a situação. O ainda imperador da Câmara tem o poder de atrasar ou destravar projetos, instalar CPIs e até fazer avançar pedidos de impeachment, e deixou a impressão de que retaliará o governo, que até hoje não conseguiu formar maioria na Casa porque depende — e muito — da ajuda dele.
 
Lula demora a perceber, mas seu grande desafio não está fora, mas dentro de sua gestão. Mesmo com a melhora do nível de emprego e a inflação "sob controle", a avaliação positiva de seu governo vem caindo, e o pessimismo da população com a economia, aumentando na mesma medida. Sem falar que o petista ora segue a cartilha ideológica de seu assessor especial, Celso Amorim, ora se baliza pelo profissionalismo da chancelaria comandada pelo ministro Mauro Vieira, afinado com a tradição nacional de conciliação e moderação. 

Esse descompasso levou o governo (entre outras coisas) a demorar para chamar de terroristas os terroristas do Hamas e para cobrar de Nicolás Maduro explicações para o veto a oposicionistas nas eleições presidenciais, marcadas para julho deste ano — vale destacar que a guinada no caso venezuelano não foi motivada por convicção, mas por pressão da opinião pública e pelo desejo de estancar a sangria nas pesquisas.
 
Desde os tempos em que liderava a oposição, Lula é tido e havido como um "animal político", um expert na arte de atrair aliados e superar adversidades. Sua desforra contra a Lava-Jato comprova isso, mas sua atuação no terceiro mandato coloca essa fama em xeque. 
Distante dos problemas da população e dos desafios da máquina pública, o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto) comanda um governo descoordenado, emite sinais contraditórios e permite que seus principais auxiliares sabotem uns aos outros. 

Para fazer jus à imagem do craque que imagina ser, Lula precisa entrar em campo, colocar a bola embaixo do braço e ditar o rumo da partida — que ainda tem resultado indefinido, mas, segundo os próprios petistas, pode ser perdida se juiz não tomar conta do jogo. Mas quanto mais Lula fala, mais claro fica que já passou da hora de ele encerrar seu ciclo na política. Às vésperas de completar 79 anos, o macróbio é uma usina de ideias retrógradas, ou ruins, ou retrógradas e ruins. Diante da impossibilidade de arejar uma mentalidade como essa, urge arejar o ambiente.

Há décadas que o Brasil é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. E o que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, aberta pelas eleições, e a de saída, na troca de comando, a merda muda de aparência e de nome, recebe nova embalagem... mas continua sendo merda.