sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

RISCAR PALAVRAS COM O EFEITO TACHADO




O tempo é inexorável, mas não devemos tomar sua passagem – e respectivas consequências – como ofensa pessoal. Afinal, ele nos atinge a todos, ainda que em menor ou maior grau conforme nossa capacidade de receber velhice filosoficamente.

Isso me faz lembrar de um texto impagável do cronista Rui Castro, que eu publiquei há pouco mais de dois anos e ora reproduzo como piadinha da vez. Antes, porém, esclareço que decidi criar este post devido a alguns probleminhas de memória que venho experimentado há alguns anos – como agorinha há pouco, quando quis riscar uma palavra aqui no Word e não consegui lembrar como fazê-lo.

Embora um não tenha a menor dificuldade para lembrar o telefone de casa em que eu morava quando criança e de alguns colegas de escola, nem sempre consigo gravar o nome de alguém que acaba de me ser apresentado. Como dizia minha avó, “vecchiaia è bruta”.

Observação: Parece que esse problema se deve – ao menos em parte – à maneira como nossa memória funciona. A 
memória sensorial motora recebe as informações codificadas pelo mecanismo de reconhecimento de padrões e as envia para memória de curto prazo, que as retém (por alguns segundos ou minutos) até o cérebro resolve se elas serão utilizadas, descartadas ou armazenadas na memória de longo prazo, que possui maior capacidade de armazenamento e mantém as lembranças por muito mais tempo.   

Voltando agora ao que eu dizia sobre o Word, para riscar uma palavra qualquer num documento você deve selecioná-la, abrir o menu Formatar, clicar na guia Fonte e marcar a caixa de seleção TACHADO (ou TACHADO DUPLO, a seu critério). Se preferir um caminho mais fácil, selecione palavra desejada e pressione CTRL+T

Passemos agora à crônica de Rui Castro:

Melhor idade é a puta que te pariu - a melhor idade é de 18 aos 40
anos... 


A voz em Congonhas anunciou: "Clientes com necessidades especiais, crianças de colo, melhor idade, gestantes e portadores do cartão tal terão preferência etc." Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo necessidades especiais nem sendo criança de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me restava a "melhor idade" - algo entre os 60 anos e a morte.

Para os que ainda não chegaram a ela, "melhor idade" é quando você pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair e, se ninguém estiver olhando, chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a rua fora da faixa, arrepende-se no meio do caminho porque o sinal abriu e agora terá de correr para salvar a vida. Ou quando o singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica.

Privilégios da "melhor idade" são o ressecamento da pele, a osteoporose, as placas de gordura no coração, a pressão subindo como placar de basquete americano, a falência dos neurônios, as baixas de visão e audição, a falta de ar, a queda de cabelo, a tendência à obesidade e as disfunções sexuais. Ou seja, nós, da "melhor idade", estamos com tudo, e os demais podem ir lamber sabão.

Outra característica da "melhor idade" é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de Rivotril, Lexotan e Frontal que seus médicos lhes receitam e depois não conseguem retirar. Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou: "Voltando da farra, Ruy?". Respondi, eufórico: "Que nada! Estou voltando da farmácia!". 
E esta é, de fato, uma grande vantagem da "melhor idade": você extrai prazer de qualquer lugar a que ainda consiga ir. 

Primeiro, a aposentadoria é pouca e você tem que continuar a trabalhar para melhorar as coisas. Depois vem a condução. Você fica exposto no ponto do ônibus com o braço levantado esperando que algum motorista de ônibus te dê uns 60 anos. A analise é rápida, leva uns 20 metros. Quando ele para, vem a discussão se você tem mais de 60 ou não.

No outro dia entrei no ônibus e fui dizendo:"Sou deficiente". O motorista me olhou de cima em baixo e perguntou: "Que deficiência você tem"? "Sou broxa"Ele deu uma gargalhada e eu entrei. Logo apareceu alguém para me indicar um remédio. Algumas mulheres curiosas ficaram me olhando e rindo... Eu disse bem baixinho para uma delas: "Uma mentirinha que me economizou R$ 3,00, não fica triste não".

Fui até o Arpoador ver o por do sol. Subi na pedra, mas velho tem mais dificuldade. E tem sempre alguém que quer ajudar a subir: "Dá a mão aqui, senhor!!!" Hum, dá a mão é o cacete, penso, mas o que sai é um risinho meio sem graça. Sento na pedra para olhar a paisagem, mas a pedra é dura e velho já perdeu a bunda; quando senta, sente os ossos em cima da pedra e tem de trocar de posição a toda hora. E para ver a paisagem não pode deixar de levar os óculos, senão nada vê. Resolvo ficar de pé para economizar os ossos da bunda e logo passa um idiota e diz: "O senhor está muito na beira pode ter uma tontura e cair." Resmungo entre dentes: "Só se cair em cima da sua mãe", mas dou um risinho e digo que esta tudo bem. 

A merda do sol esta demorando a descer, então eu é que vou descer, meus pés já estão doendo e o sol nada. Vou pensando - enquanto desço e o sol não:"Voltar de metrô é mais rápido". Já no metrô, me encaminho para a roleta dos idosos, e lá está um puto de um guarda que fez curso sabe Deus em que faculdade, mas tem olho crítico e consegue saber a idade de todo mundo. Ele olha sério para mim, segura a roleta e diz: "O senhor não tem 65 anos, precisa pagar a passagem."A esta altura do campeonato eu já me sinto com 90, mas, quando ele me reconhece mais moço, me irrompe um fio de alegria e vou todo serelepe comprar o ingresso.

Durante o trajeto, não fui suficientemente rápido para me sentar nos lugares que esvaziavam. Com os pés doendo, fico em pé, já nem lembrando se o sol baixou ou não. Só quero chegar em casa e tirar os sapatos. E aliviar a ligeira dor de barriga se prenuncia. 

Lá pelo centro da cidade, eu me segurando, dou de olhos com uma menina de uns 25 anos que me encarava... Me senti o máximo. Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no braço para o bíceps crescer e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns 3 dias mais jovem. Quando ela ameaçou falar alguma coisa, meu coração palpitou. É agora... 

Joguei um olhar 32 (aquele olhar de Zé Bonitinho), e ela pegou na minha mão e disse: "O senhor me parece tão cansado, não quer se sentar"?

Melhor Idade??? Melhor idade é a puta que te pariu!

Bom final de semana a todos.