O governador que decretou “calamidade financeira” em Minas Gerais e parcelou o salário do funcionalismo se arroga o direito de usar helicóptero oficial para buscar filho em uma festa de réveillon ― e ainda autoriza a compra de duas novas aeronaves.
Sem embargo do resumo lapidar consubstanciado na frase acima, vale lembrar que o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, é alvo de duas denúncias no âmbito da Operação Acrônimo e vem se equilibrando no cargo por uma conjunção de maioria na Assembleia Legislativa mineira e impasses jurídicos em Brasília (seus advogados recorreram com base no artigo 86 da Constituição Federal, que prevê a necessidade de aprovação de dois terços do Legislativo para a abertura de processo contra o chefe do Executivo, e o ministro Celso de Mello paralisou o trâmite da ação até que o plenário do STJ decida se aceita ou não a denúncia).
Pimentel é amigo de Dilma desde a militância estudantil. Quando ela caiu, as redes sociais reverberaram a campanha “Agora é Pimentel”. Para os investigadores, ele teria transformado o ministério em “agência de negócios”, alterando portarias para atender pleitos de segmentos empresariais em troca de doações para sua campanha e para ele próprio; para seus opositores, ele não tem condição moral de governar, notadamente depois que o empresário Benedito de Oliveira ― o Bené, como era chamado por Dilma quando era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em seu governo ― informou, em sua delação premiada, que a propina recebida do grupo CAOA não foi de “apenas” R$ 2 milhões, mas de R$ 20 milhões (sete dos quais teriam sido pagos no exterior, e o restante, usado em sua campanha).
Como já dizia Eça de Queiroz, políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, e pelos mesmos motivos. Pimentel parece ter especial vocação para fazer na vida pública o que faz na privada. Detalhando melhor o episódio resumido no parágrafo de abertura, sua insolência foi flagrada por “câmeras indiscretas” no primeiro dia do ano, ao utilizar o helicóptero de prefixo PP-EPO, do governo estadual, para ir buscar o filho em Escarpas do Lago ― luxuoso condomínio a 300 quilômetros da capital mineira. O vídeo viralizou na Internet e causou protestos, notadamente entre os funcionários públicos, que há meses vêm amargando um escalonamento no pagamento dos salários.
Em sua defesa, o governador petralha afirmou que “o deslocamento do governador em aeronave está previsto em lei, e o uso é regulado por um decreto de Aécio Neves, de 2005, e que os ataques contra sua proba senhoria fazem parte de uma campanha insidiosa, de um ‘pequeno setor da oposição’ que conhece perfeitamente a lei e o decreto em questão, mas tenta atrapalhar e prejudicar o Estado em vez de ajudar a unir os mineiros no enfrentamento da crise”. A desculpa não colou, naturalmente, e servidores protestaram no dia seguinte, exibindo cartazes com helicópteros diante de um hospital público infantil onde os funcionários estão com os salários atrasados. Aliás, o que a nota da assessoria de Pimentel não mencionou é o que consta no artigo 2º do mesmo decreto: “A utilização de aeronaves oficiais será feita, exclusivamente, no âmbito da administração pública estadual, direta e indireta, para desempenho de atividades próprias dos serviços públicos” ― o que, evidentemente, não contempla a situação em tela. E ainda que não fosse ilegal, a coisa seria no mínimo imoral, na medida em que denota total descaso com a situação econômica do Estado, cuja dívida líquida atingiu, em agosto, 184% da receita.
Observação. Ironicamente, em outubro passado, o próprio Pimentel assinou um decreto restringindo o uso de aeronaves oficiais como parte do esforço para controlar os gastos públicos. Agora, a despeito de ter decretado “calamidade financeira” no Estado que hoje disputa com o RJ e o RS o epíteto de “Grécia Brasileira”, o petista autorizou o reforço da frota mineira de aeronaves com a compra de mais dois helicópteros AS350 B3, ao custo de R$ 21,8 milhões. Também ironicamente, as caudalosas denúncias de corrupção contra ele começaram precisamente em virtude de um avião: a Operação Acrônimo teve início em 2014, quando a PF apreendeu um jatinho que pousou em Brasília com uma soma significativa em dinheiro vivo e farto material de campanha de Pimentel.
Caso prevaleça o entendimento de que a Assembleia Legislativa não precisa autorizar qualquer investigação, a vida do petista ficará mais difícil. Seu destino dependerá apenas da Justiça, e não de aliados políticos. Se sobreviver às acusações, ele terá ainda de enfrentar um estado em crise e, agora, sem a ajuda dos antigos companheiros do Palácio do Planalto.
Como dizia minha finada avó, um dia a casa cai. Por mais que pegue carona em aeronaves oficiais, em algum momento esse imprestável vai cair.
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