A expressão “complexo
de vira-lata” foi cunhada por Nelson
Rodrigues durante a Copa de 1950, quando a seleção uruguaia derrotou a
brasileira no Maracanã. A conquista da taça na Suécia, oito anos depois, e as
vitórias em 1962, 1970, 1994 e 2002 elevaram o moral
tupiniquim (até o fiasco de 7 a 1 na partida contra a Alemanha, em 2014), mas, fora
do campo futebolístico, o “país do futuro” continua “deitado eternamente em
berço esplêndido”.
Não haverá perspectiva de mudança enquanto os “vira-latas”
não se conscientizarem de que é preciso eleger políticos sérios, que coloquem
os interesses da nação à frente de suas próprias conveniências. Até lá, o país continuará
“patinando”, sobretudo por conta da ignorância da população em geral, mas também devido ao inchaço da máquina pública e à vastíssima gama de regalias do funcionalismo
― como o execrável foro privilegiado,
que torna quase 60 mil cidadãos “mais iguais que os outros”.
Infelizmente, não é só: Juízes, promotores, desembargadores e até
ministros das nossas Cortes superiores agem como se leis só valessem quando vão
ao encontro de suas crenças ou laboram em favor de seus apaniguados. Existe
toda uma discussão sobre o Judiciário dever ou não
ser um instrumento cego de aplicação da lei, mas nada se decide, e as decisões
monocráticas dos ministros da nossa mais alta Corte, que deveriam contribuir
para segurança jurídica, produzem resultados diametralmente opostos.
Vivemos numa democracia capenga, mas, mesmo assim, regida
por leis. As leis podem ser boas ou ruins, necessárias ou inúteis, razoáveis ou
estúpidas. Se causam mais mal do que bem, elas podem ― e devem ― ser revogadas
e substituídas por outras que as corrijam. Mas é fundamental que sejam cumpridas por todos e aplicadas a todos da mesma forma e com os mesmos critérios ― pouco
importando se o cidadão é ex-presidente
da República ou punguista de feira,
megaempresário ou ladrão de galinhas, médico-estuprador ou corretor zoológico ― e que as decisões tomadas hoje para este ou aquele tipo
de caso ou circunstância sejam iguais às que serão tomadas amanhã em casos e/ou situações análogas.
Qualquer pessoa com o Q.I. de um pé de alface é capaz de entender a lógica de um sistema assim, mas
nossos homens públicos preferem a morte a se sujeitarem à previsibilidade da
lei. E ninguém trabalha tanto para manter a insegurança jurídica no Brasil do
que o próprio Poder Judiciário. Como
esperar, então, coerência, lógica ou respeito às leis se procuradores, promotores,
juízes, desembargadores e ministros são os primeiros a rasgar essas leis quando
se trata de aplicá-las a si mesmos ou a seus “bandidos preferidos”?
No Rio, Piccianis
são presos, soltos e presos de novo; Garotinhos
entram e saem da cadeia como de um hotel; Sérgio
Cabral dá ordem aos carcereiros, e por aí vai. No meio de todo esse caos, a
presidente do Supremo balbucia
decisões incompreensíveis, enquanto a personificação de Zeus que habita não o
Olimpo, mas o STF, e nas horas vagas preside o TSE concede um Natal
mais feliz a (mais) oito políticos e empresários acusados ou suspeitos de
corrupção. Apenas para citar um exemplo, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral e condenada a 18 anos de prisão por lavagem de
dinheiro e por ter desfrutado de joias, viagens e diversos luxos do esquema de
corrupção comandado pelo marido, trocou a cadeia de Benfica pelo conforto do
cinematográfico apartamento do casal no Leblon. Segundo José Simão, durante o
traslado a dondoca chegou a pedir ao agente da PF que desse uma paradinha no Shopping
Leblon, pois ela queria passar na H.
Stern (é gozação, naturalmente, mas só rindo para não chorar).
Por essas e por outras, o abaixo assinado que pede a cabeça de Gilmar Mendes, o cada vez mais
impopular comandante da tropa de toga ― que transformou em espetáculo circense o “julgamento do século” no TSE, absolveu a chapa Dilma-Temer e nos ensinou que “a contundência das provas varia conforme o
grau de amizade entre o presidente da Corte e o acusado” ― já contabiliza 1,6 milhão de assinaturas. Pelo
visto, a popularidade de sua insolência é quase tão rasteira quando a de Michel Temer, e depois que a revista Veja dedicou mais de 10 páginas
à relação obscura do magistrado com certo moedor de carne bilionário ― antes
frequentador eventual dos porões do Palácio
do Jaburu, hoje hóspede do fabuloso sistema penitenciário tupiniquim ―, a virulência
das decisões estapafúrdias do ministro aumentou consideravelmente.
Na semana passada, esse laxante
togado soltou réus e investigados da Lava-Jato
a torto e a direito ― como Anthony Garotinho, Antonio Carlos Rodrigues,
Miguel Schin e Gustavo Estellita ―, empenhou-se em retirar da alçada
do juiz Moro processos contra réus
do Quadrilhão do PMDB ― como Geddel, Cunha, Loures e
companhia ―, investiu contra a condução coercitiva de testemunhas, enfim,
pintou e bordou (mais detalhes nesta postagem).
A julgar pelo que se tem visto, diversos membros do Supremo, que
deveriam agir como guardiões da Constituição, atuam como advogados de defesa de criminosos. Parecem não ter noção de que não
foram eleitos para coisa alguma, apenas passaram num concurso público e/ou
foram nomeados para os cargos que ocupam (a propósito, Lewandowski e Toffoli
eram meros advogados quando foram indicados para o STF por Lula).
Observação: A atual composição do Supremo é a pior da nossa história recente. À exceção do decano Celso de Mello, nomeado por Sarney, de Gilmar Mendes, herança maldita de FHC, de Marco Aurélio Mello,
indicado pelo primo Fernando Collor,
e de Alexandre de Moraes, escolhido
por Michel Temer, todos os demais
foram guindados ao cargo por indicação de Lula
ou de Dilma.
Igualmente preocupante é a polarização do Supremo. De uns
tempos a esta parte, intermináveis debates em linguagem rebuscada, quase
pernóstica, denota uma batalha de egos que não interessa à nação, como tampouco
decisões tomadas por 6 votos a 5. Na 2ª Turma, responsável pelos processos da Lava-Jato, a situação é ainda pior: o trio-calafrio (Mendes, Toffoli e Lewandowski) parece empenhado em
derrotar o relator Edson Fachin, que
fica isolado ou, quando muito, é acompanhado pelo voto do ministro Celso de Mello.
Visões diametralmente opostas são um problema sério para
o país. O debate é saudável e a troca de opiniões pavimenta o caminho para uma
democracia consolidada, mas, ultimamente, a impressão que se tem é de que,
mais do que lei ou a jurisprudência, vale mesmo é a posição pessoal de cada
ministro, não raro expressa na base do grito ou em bate-bocas que nos dão a
impressão de estarmos assistindo a uma guerra de egos. Tudo isso produz insegurança
e depõe contra a sobriedade que se espera de um colegiado como o STF, ainda mais quando as sessões são
televisionadas e transmitidas ao vivo para todo o Brasil.
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