terça-feira, 24 de abril de 2018

A LAVA-JATO CHEGA AO TUCANATO ― 2ª PARTE




Tucano que honra a plumagem fica nas matas, não em cima de muro. O PSDB, que já foi o principal partido de oposição aos governos corruptos de Lula e Dilma, tornou-se tão inútil quanto um copo d’água para um afogado. 

O verbete “consenso” não consta do vernáculo dos tucanos, que tiveram seu momento de glória ao eleger presidente Fernando Henrique Cardoso, mas deixaram a esquerda criar asas. Indecisos a mais não poder, eles são capazes de mijar no corredor se a casa tiver mais de um banheiro. Depois de perderem a presidência para Lula, acharam que poderiam recuperá-la em 2010 ― e teriam conseguido se não se tornassem um cemitério de egos que brigam entre si como treinamento para lutar contra os verdadeiros adversários. 

Com a derrota de Aécio em 2014, o partido entrou em parafuso. Sua crise intramuros se aprofundou a tal ponto que ora atinge o estado de São Paulo, maior colégio eleitoral do país e tradicional reduto do tucanato. Em 2006, quando deixou o governo para disputar a presidência, Alckmin tinha com 66% de aprovação, mas foi derrotado por Lula. Agora, com apenas 36% de aprovação, a coisa tende a ficar pior devido ao tsunami da Lava-Jato.

Aécio Neves, ex-presidente da sigla e investigado em 9 inquéritos, tornou-se réu pela primeira vez na última terça-feira 17 (detalhes na postagem anterior). Também na semana passada, Paulo Preto, operador financeiro dos tucanos, teve a prisão preventiva mantida pelo STJ ― ele é suspeito de envolvimento em desvio de dinheiro público nas obras do Rodoanel, cujas investigações atingem também o senador José Serra ― outro tucano de alta plumagem e ex-presidenciável que caiu em desgraça ― e o chanceler Aloysio Nunes Ferreira ― apontado como o tucano mais íntimo de Paulo Preto. Nos próximos dias, a Justiça analisará o derradeiro recurso de Eduardo Azeredo ― que, como Aécio, também foi presidente do PSDB e governador de Minas Gerais ―, e o resultado poderá colocá-lo atrás das grades pela condenação no escândalo que ficou conhecido como “mensalão tucano”.

Alckmin, candidato natural do PSDB à presidência, quase perdeu a vez para João Doria ― seu afilhado político e ex-prefeito de Sampa, que desagradou os paulistanos por ter descumprido a promessa de cumprir integralmente o mandato ao se lançar candidato a governador (detalhes nesta postagem). Sucessor de Aécio na presidência do partido, o ex-governador paulista, ungido oficialmente candidato a presidente, não decola nas pesquisas: seus míseros 6% de intenções de voto representam o pior resultado obtido por um candidato tucano desde 1989.

Alckmin comemorou a notícia de que o inquérito que o investiga pelo recebimento de mais de R$ 10 milhões via caixa 2 da Odebrecht foi enviado à Justiça Eleitoral, mas o alívio durou pouco: na sexta-feira 20, o MP-SP abriu um inquérito civil para investigá-lo por suspeita de improbidade administrativa. Três delatores da empreiteira acusam Alckmin de ter recebido propina através de seu cunhado, Adhemar César Ribeiro, com a finalidade de custear suas campanhas ao governo de São Paulo em 2010 e 2014.

Alckmin diz que “vê a investigação de natureza civil com tranquilidade, que está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos e que tem total consciência da correção dos seus atos” ― nada muito diferente do que a gente ouve de todos os políticos investigados, denunciados e processados pela Lava-Jato e suas derivações, e que merece tanto crédito quanto conversa de camelô paraguaio. Com a movimentação do MP-SP, as acusações contra ele voltarão a ser apuradas para além da esfera eleitoral, onde as penas são baixas e os crimes são considerados de mais difícil punição. Respondendo por improbidade administrativa, ficará sujeito a sanções administrativas, como a reparação dos danos ao Erário e perda dos direitos políticos.

São múltiplas as causas da derrocada do PSDB no cenário político-partidário. Dentre outras, destaco sua demora em aderir à defesa do impeachment contra Dilma ― com a queda da anta vermelha, o partido permitiu que sua agenda reformista fosse capturada pelo governo de Michel Temer, mas nada fez para influenciar esse governo pouco confiável, sem grandeza e sem projeto. Isso refletiu na composição ministerial, gerou turbulências e explodiu com as delações da JBS, levando o Planalto a se sujeitar aos interesses escusos do Congresso e a se preocupar em esvaziar a Lava-Jato e recompor oligarquias e práticas clientelistas, trocando a grande política pela pequena política.

Mesmo diante de tantos revezes, os tucanos tiveram bom desempenho nas eleições de 2016, quando passaram a governar 24% da população tupiniquim ― marca recorde desde 2000. Mas seria esperar demais que esse cenário positivo não se revertesse com as denúncias da Lava-Jato, as divisões internas da sigla, a oposição pífia aos petistas e a pusilanimidade na hora de decidir se desembarcavam ou não do atual governo quando o vampiro do Jaburu foi flagrado com as calças na mão e manchas de batom na cueca pelas gravações de Joesley Batista.

Mesmo com a imagem seriamente comprometida pelo afastamento judicial de Aécio Neves ― cuja pose de bom moço enganou meio mundo, inclusive este que vos escreve ―, a cúpula do PSDB não teve colhões para lhe cassar o mandato. Agora, a transformação do senador mineiro em réu pelo STF pode ser vista como um divisor de águas: assim como a prisão de Lula reforçou a jurisprudência sobre a possibilidade de cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, o recebimento da denúncia contra Aécio confirmou o entendimento, iniciado no mensalão, de que não é preciso um ato “de ofício” para que se configure crime de corrupção passiva, e de que as provas obtidas através da delação da JBS continuam valendo, ainda que o acordo de colaboração e os benefícios concedidos aos delatores tenham sido suspensos.

Observação: A exigência do ato de ofício livrou o rabo de Collor em dezembro de 1994, quando, por 5 votos a 3, o STF o absolveu do crime de corrupção passiva por não haver provas concretas que o ligassem ao esquema de arrecadação ilegal de PC Farias (que posteriormente foi encontrado morto em circunstâncias que nunca ficaram bem explicadas). Esse entendimento começou a mudar em 2012, e agora pode complicar a vida de Michel Temer ― que já teve duas denúncias barradas pela Câmara ―, pois será possível atribuir-lhe “ato de ofício em potencial” por ter indicado a Joesley seu assessor Rodrigo Rocha Loures como interlocutor para tratar dos interesses da J&F em processos do CADE.   

O PSDB deu as costas para a opinião pública e perdeu a oportunidade de resgatar sua imagem de alternativa lógica para quem não suporta mais corruptos como os do PT e do PMDB. Agora é tarde, e não adianta chorar sobre o leite derramado.

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