Eu havia programado para hoje o terceiro capítulo da novela
sobre a mesada de Toffoli (baseada
numa reportagem publicada na revista
digital Crusoé), mas resolvi voltar rapidamente ao labrego de Garanhuns e
seus execráveis prepostos.
Ao que tudo indica (mas não custa a gente fazer figa), a “candidatura”
do criminoso condenado deve ser desmontada até o final deste mês, debalde as
chicanas programadas pela defesa. Resta saber se o TSE vai rejeitar o registro “de ofício”
ou se terá de ser provocado por um pedido de impugnação apresentado por outro
candidato, partido, coligação, ou pelo próprio Ministério Público.
Há quem entenda que o registro não
pode ser aceito porque Lula foi condenado por um juízo colegiado e, portanto, não cumpre os requisitos necessários para se candidatar, mas há quem ache que se deva dar a
ele o direito de defesa — nesse caso, o TSE aceitaria o pedido e analisaria os
recursos. O ministro Luiz Fux, atual
presidente da corte, já disse com todas as letras que a inelegibilidade de Lula é “chapada”, mas caberá à ministra Rosa Weber, que assume a presidência no próximo dia 15, conduzir os trabalhos para garantir a normalidade das
eleições de outubro. Reservada, ela não dá entrevistas, mas já disse reconhecer “a enorme
responsabilidade que a aguarda neste ano de 2018, em que o país se encontra em
meio a uma disputa tão acirrada, com tantas divisões”.
Os ministros Luís
Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin
também integrarão o colegiado que julgará o pedido de registro do petralha. O
ministro Og Fernandes, do STJ,
assumirá a vaga de Napoleão Nunes Maia,
que encerra seu mandato na corte (e era o único nome contabilizado pela defesa
como favorável aos pleitos do molusco). Fernandes,
considerado “punitivista”, será o segundo representante do STJ no tribunal, ao lado de Jorge Mussi — que, ao rejeitar um
pedido de liberdade de Marcelo Odebrecht, disse que “os brasileiros não aguentam mais ser
apunhalados pelas costas de maneira sórdida”. Completam a composição dois
advogados indicados ao posto de ministro: Admar
Gonzaga que já defendeu publicamente a possibilidade de o tribunal rejeitar de pronto o pedido de registro de fichas-sujas e recentemente pôs em discussão se convinha à democracia que um candidato “sabidamente inelegível” pudesse fazer campanha política, e Tarcísio Vieira de
Carvalho, que considera que o julgamento da
elegibilidade de Lula é um caso
juridicamente simples: condenado em segunda instância é ficha-suja e, portanto,
não pode disputar eleição.
Por uma série de razões que eu
me escuso de repetir — até porque já as detalhei
ad nauseam ao longo das últimas semanas (para mais detalhes, clique
aqui,
aqui
e
aqui)
— o
PT anunciou o nome de seu eterno
presidente de honra como candidato do partido à Presidência da República, tendo o
ex-prefeito de São Paulo
Fernando
Haddad como vice e
Manuela d’Ávila como “trice”. A decisão,
que representa um desafio à lei, visa impedir a dispersão do
eleitorado cativo do
chorume de Garanhuns e sua migração para outros candidatos,
o que dificultaria a transferência de votos para
Haddad. Pode-se até ver nisso uma ousada e legítima
estratégia eleitoral, mas não é bem o caso.
Líder nas pesquisas — como eu costumo dizer, a cada segundo nasce um idiota neste mundo,
e os que nascem no Brasil já vêm com o título eleitoral enfiado no rabo —, Lula pretende se valer de chicanas jurídicas para arrastar a decretação
definitiva de sua inelegibilidade até 17 de
setembro, apostando que a Justiça Eleitoral não terá tempo de substituir
sua foto, pela de Haddad nas urnas eletrônicas. Com a foto de Lula, mesmo
ele não sendo candidato, o PT
acredita que conseguirá captar os votos dos incautos, dos informados e dos
incorrigíveis apaixonados pela figura do ex-presidente, que não hesitariam em
confirmar o voto ao se depararem com imagem dele, mas sem saber que
estariam elegendo um “fantasma”. É este o plano extraordinário de Lula e do PT:
esticar a corda e, com sorte, ludibriar os eleitores.
Para levar adiante essa estratégia mirabolante, é
preciso fazer com que os trouxas acreditem que Lula é realmente “candidato”, e para lograr êxito, manter a fotografia de Lula na urna
eletrônica. Desde o domingo 5, a
partir da convenção do PT,
“candidato” e partido passaram a seguir um guia criado para impulsionar a
candidatura do molusco, que, de acordo com a revista Veja, pode ser resumido da seguinte maneira:
Chapa-fantasma: na data-limite prevista na
legislação, 5 de agosto, o PT
anunciou que Lula será o candidato
do partido à Presidência da República, tendo Haddad como vice. Na prática, os petistas sabem que Haddad será o cabeça da chapa, com
Manuela d’Ávila no posto de vice. Com o jogo de cena, tenta-se facilitar a
transferência de votos de Lula para
o seu substituto.
Recuo no STF: a pedido da defesa de Lula, o ministro Fachin arquivou a
análise de um recurso que, apresentado para garantir a liberdade do
ex-presidente, poderia resultar na declaração imediata de sua inelegibilidade —
tudo o que o PT busca evitar no
momento.
Candidato-fantasma: Lula pediu à Justiça autorização para participar de entrevistas,
sabatinas e debates. Como o pedido foi recusado, solicitou às emissoras de TV
que montem um púlpito com o seu nome no cenário dos programas. O objetivo é
mantê-lo vivo no imaginário do eleitorado.
Esgotamento de prazo: para ganhar tempo, o PT só formalizará a chapa com a
candidatura de Lula junto no dia 15
de agosto, que é a data-limite prevista em lei. Depois disso, os partidos e o
Ministério Público terão cinco dias para pedir a impugnação de seu nome.
Uso das datas-limite: com a mesma estratégia de
empurrar os prazos, o PT pretende
lidar com o processo de impugnação da chapa de Lula sempre nas datas-limite. Para apresentar sua defesa contra o
provável pedido de impugnação da candidatura, usará o prazo de sete dias.
Depois, caso saia uma decisão desfavorável, só apresentará um recurso depois de
três dias.
Politizar o processo: Lula escalou uma equipe de advogados eleitorais para reunir
jurisprudência favorável a ele em todas as etapas de recursos no TSE. Cada movimento processual deve ser
transformado em fato político para reforçar a ideia de que o ex-presidente é
perseguido pela Justiça. A palavra de ordem é manter pressão permanente sobre
os juízes.
Chicanas no STF: sacramentada a inelegibilidade
de Lula pelo plenário do TSE, sua defesa vai recorrer ao
Supremo. O STF, no entanto, já tem
posição consolidada em favor da Lei da
Ficha-Limpa e tende a referendar a inelegibilidade.
Pedidos de liberdade: a defesa de Lula apresentará recursos ao STF e ao STJ pedindo a suspensão de sua condenação em segunda instância, o
que o retiraria do âmbito da Lei da Ficha-Limpa e lhe garantiria a liberdade e
o direito de concorrer.
Com esse elenco de chicanas, Lula e o PT pretendem fazer o máximo para manter o nome do ex-presidente
vivo no imaginário do eleitor, preservando sua nada desprezível capacidade de transferência de
votos e reforçando a ideia da perseguição. Cogitou-se até de apresentar um holograma
de Lula na convenção partidária, mas a ideia foi abandonas, embora o partido deva continua exibindo, sempre que possível, vídeos onde o "salvador da pátria" aparece fazendo o que faz de melhor, ou seja engabelando os trouxas.
Pela lei e pela jurisprudência, não há dúvida de que Lula será proibido de concorrer. Até mesmo o PT já sabe disso, tanto que
anunciou Haddad como substituto na
cabeça de chapa. Na convenção do partido, petistas falavam abertamente no “candidato do Lula”, e não mais em “Lula candidato”.
Observação: Formalizado dois minutos antes do fim do prazo legal, o acordo entre PT e PCdoB foi embalado num misto de chiste e provocação. Nas redes
sociais, Lula, Haddad e Manoela foram
festejados pelos apoiadores como “o verdadeiro tríplex” — em referência ao
notório tríplex no Guarujá, que rendeu ao ex-presidente a condenação à cadeia.
Economista, advogado e professor, Haddad é considerado um político com potencial para disputar a
Presidência desde a sua passagem pelo Ministério da Educação. Lula, então no Palácio do Planalto, fez dele o poste que empalou os paulistanos de 2012 a
2016. Apesar de ter o padrinho mais forte dentro do partido, o ex-prefeito de
um só mandato (Haddad foi derrotado
por Doria logo no primeiro turno das
últimas eleições municipais, algo inédito na prefeitura de Sampa desde a redemocratização
do país) enfrenta resistência dentro do próprio PT, em parte por não seguir fielmente a cartilha partidária, não
apostar na radicalização e transitar bem entre grupos que estão rompidos com a
sigla.
Parte do PT torce o nariz
para o ex-prefeito porque ele preserva certa luz própria — quando estava na
prefeitura, Haddad chegou a tecer
elogios a FHC, “um intelectual que teve bons livros que li e que ajudaram na minha
formação”. Em 2016, em entrevista ao Estado,
disse que “golpe era uma palavra um pouco
dura” para definir o impeachment da nefelibata da mandioca. No entanto, aquilo que certos petistas consideram defeito, Lula, que não dá ponto sem nó, acha que
são qualidades eleitorais de Haddad, e aposta que seu prestígio pessoal levará seu “vice” ao segundo
turno. Na reta final, por sua biografia e pelos bons relacionamentos além das
fronteiras petistas, o ex-prefeito conseguirá dar credibilidade a um discurso
mais moderado, rumo ao centro, de construção de pontes.
Na convenção partidária, ciente das restrições ao seu nome, Haddad discursou ao gosto da plateia.
Afirmou que Lula era vítima de uma
perseguição judicial e bateu duro no PSDB
e, claro, no governo de Michel Temer.
Um dos pilares da estratégia do PT é comparar os dados econômicos dos anos Lula com os da gestão de Temer. O contraste falará por si — e o PT, obviamente, vai pular o desastre
econômico das duas gestões do “poste” chamado Dilma Vana Rousseff.
Como dito no início deste texto, a tentativa do PT de prolongar a candidatura-fantasma de Lula enfrentará forte resistência na Justiça Eleitoral. A partir do dia 15,
o TSE será presidido pela ministra Rosa
Weber, defensora da Lei da Ficha-Limpa, e terá uma composição mais
punitivista. Os ministros querem evitar que a foto de Lula esteja na urna no dia da votação, o que representaria a
desmoralização da lei e do próprio tribunal. O debate promete ser renhido.
Contratado pelo PT, o advogado Luiz Fernando Pereira garimpou os casos
de mais de 140 políticos considerados fichas-sujas que conseguiram disputar as
eleições municipais de 2016 (salvo engano, ao contrário de Lula, nenhum deles estava cumprindo pena), visando ilustrar a tese
de que há precedentes a permitir a candidatura do petralha, embora sejam
processos completamente diferentes entre si.
Para decretar a inelegibilidade do ex-presidente o quanto
antes, gesta-se o seguinte plano: a apresentação de uma consulta ao TSE sobre a
legitimidade de um réu denunciado ou condenado concorrer à Presidência. Ao
analisá-la, os ministros poderiam rejeitar o pedido de registro
da candidatura de Lula. Após a rejeição
do registro, haveria a apresentação de um pedido cautelar para bani-lo da
campanha — o argumento é que a Lei das Eleições deve preservar expectativas
legítimas do eleitor, como a de votar em políticos que podem efetivamente ser
eleitos, e mitigar o ônus social causado por um processo que não vai dar em
nada. Ou seja: a cautelar acabaria com tumultos desnecessários. “A tutela de evidência pode ser aplicada
porque é evidente que Lula não pode
ser candidato”, disse um ministro do TSE sob a condição de manter sua
identidade sob reserva.
A Lei da Ficha-Limpa
tem uma história irônica. Lula e o PT, que hoje querem contorná-la, foram
entusiastas da medida na época de sua aprovação. Já o ministro Gilmar Mendes se revoltou contra o
texto e afirmou, na época, que fora concebido sob medida para beneficiar o PT e eliminar seus adversários do
processo eleitoral. Sua denúncia — estapafúrdia como suas recentes decisões de
soltar sistematicamente réus da Lava-Jato
— baseava-se no caso concreto do ex-governador Joaquim Roriz, então do PSC,
que era adversário figadal do PT e
disputava com o petista Agnelo Queiroz
o governo do Distrito Federal.
Como Roriz
já tinha condenação em segunda instância, os partidos de esquerda pediram a
impugnação de sua candidatura com base na então novata Lei da Ficha-Limpa. Roriz recorreu ao STF, e Gilmar, ao analisar o caso, viu
ali o espectro de um fantasma. Disse que a Lei
da Ficha-Limpa era um instrumento do PT
para aniquilar adversários. Mas há mais uma ironia. Roriz, antecipando sua derrota no STF, declinou da candidatura e
colocou em seu lugar a mulher, Weslian.
Só que a Justiça Eleitoral não teve
tempo de trocar a foto na urna eletrônica — ou seja, a foto era de Roriz, mas a candidata de verdade era Weslian.
Agora, oito anos depois, os
papéis estão invertidos. Gilmar Mendes deve ter descoberto que a Lei da Ficha-Limpa não existe só para adversários do PT, e Lula quer dar uma de Joaquim Roriz e manter sua foto na urna eletrônica. Detalhe: apesar
da artimanha, Roriz perdeu a eleição.
Com Veja, em reportagem de Eduardo Gonçalves.