A falácia esquerdista d’ “O Povo Feliz de Novo”, cantada em prosa e verso pelo coral de
militontos que veem Lula como preso
político e acreditam na alegoria da “alma
viva mais honesta do Brasil” não torna menos difícil a missão da seita do
inferno de convencer o segmento menos ideologizado de seus seguidores de que Andrade, ops, Haddad é uma edição revista e sem barba do Pai dos Pobres, Exterminador do Plural, Parteiro do Brasil Maravilha, Redentor dos Miseráveis e
Picareta dos Picaretas.
Lula é Haddad
e Haddad é Lula. Essa é a mensagem que o PT tenta passar no horário político obrigatório, não raro
descumprindo a decisão do TSE, tanto
assim que vários ministros já suspenderam as inserções em que Lula aparece como candidato. No último
domingo, o vice-presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, determinou que a coligação “O Povo Feliz de Novo” deixe de divulgar
a candidatura de Lula “em qualquer meio ou peça de propaganda eleitoral”, sob pena de suspensão da
propaganda eleitoral do PT/PCdoB/Pros,
além de proibir Haddad de se
apresentar como vice do Lula,
Lula-Haddad, estamos com Lula, vamos com
Lula ou qualquer outro jogo de palavras
publicitariamente voltados a alimentar a ideia de continuidade da candidatura.
Lula é Lula e Haddad é Haddad. O fato
de o primeiro ser semianalfabeto e o segundo, bacharel em Direito, mestre em
Economia e doutor em Filosofia é uma das inúmeras diferenças entre criador e
criatura. Mas a maior de todas talvez seja o carisma: a despeito do mensalão, Lula se reelegeu e deixou o Planalto
nos píncaros da popularidade. Haddad,
depois de uma gestão medíocre, foi fragorosamente derrotado pelo novato João Doria logo no primeiro turno —
algo inédito desde a redemocratização, quando as eleições majoritárias
municipais passaram a ter dois turnos. Outra diferença digna de nota é
capacidade de comunicação: Lula fala
a língua do povão — tanto pela origem humilde quanto pela inescondível falta de
instrução de que ele tanto se orgulha. Já Haddad
abre comícios dizendo para a militância que sua campanha “representa a antítese do status quo”.
Não surpreende, portanto, que Haddad seja considerado pelo próprio PT como o mais tucano dos petistas, tanto por sua pouca afinidade com
movimentos sociais quanto pela declarada admiração por FHC. Mas isso está mudando, diz uma matéria publicada recentemente
em Veja.com. Desde que abraçou a
ideia de substituir Lula na disputa
presidencial, o ex-prefeito vem passando por uma metamorfose — o que também não
chega a surpreender, na medida em que, se eleito, precisará do apoio da bancada
petista para governar, e a mensagem do partido é clara: na condição de segunda opção
de Lula (a primeira era Jaques Wagner, que sabiamente declinou
da oferta), o “poste” precisa ter a humildade de se deixar instruir — em outras
palavras, qualquer sinal de empenho em um projeto pessoal será visto como
traição.
Observação: Por se ter referido a Michel Temer como “golpista” em seus discursos de campanha “a vice”
— aliás, eu nunca entendi por que a Justiça
Eleitoral permitiu essa estapafúrdia chapa
tríplex —, o Haddad levou uma
carraspana do presidente: “Quero recomendar a você, quando você e seus
companheiros me chamam de golpista e de alguém que fez uma reforma trabalhista
que recupera a modernidade do nosso país, eu quero que você leia a
Constituição, Haddad. Primeiro, para
verificar que na Constituição está escrito que quando um presidente é impedido,
o vice constitucionalmente assume”. O emedebista também rebateu as críticas
sobre a reforma política — Haddad
disse que “Temer destrói o
país, corta direitos e conquistas históricas do nosso povo, vende nossas
riquezas e entrega nossa soberania” e o presidente, que “não adianta você [Haddad] dizer que nós tiramos direitos
dos trabalhadores, porque está na lei maior, ele está na Constituição, ninguém
pode tirar direitos dos trabalhadores, como não tirei ao fazer a reforma
trabalhista”. Gostemos ou não de Temer,
nesse ponto temos de concordar com ele.
Desde o mês passado que
Haddad deixou a cargo do PT a
elaboração do seu plano de governo, e assim engoliu calado a regulamentação da
mídia e do sistema judiciário (com a revisão da lei anticorrupção e da delação
premiada) e a revogação da reforma trabalhista aprovada por Temer. Outra mudança visível na postura
do quase candidato é a dicção acadêmica, que está sumindo aos poucos. Frases
que eram recorrentes no início da eleição começam a vir traduzidas — aquela em
que prometia ser a “antítese” do “status quo” virou que ele é “contra o projeto
de Temer, que ameaça o Bolsa Família e afeta os mais pobres”).
No começo do mês, em visita à Garanhuns, Haddad
vestiu chapéu de cangaceiro e andou a cavalo (ou de jegue, não tenho bem
certeza); na semana passada, madrugou na porta de montadoras em São Bernardo do
Campo, rememorando o roteiro da campanha salarial liderada por Lula em 1978, e de lá seguiu para
Diadema (também no ABC paulista), onde discorreu sobre seus feitos como
ministro da Educação no governo Lula.
Enquanto Haddad
se dedica a esse processo de metamorfose, a defesa de Lula joga as últimas cartadas na tentativa de reverter a
inelegibilidade do egun mal despachado. Até porque, antes de ser declarado
inelegível, Lula aparecia nas
pesquisas com quase 40% das intenções de voto, ao passo que Haddad mal chegava aos 4%. Na primeira
pesquisa sem Lula, feita pelo Ibope nos três primeiros dias do
horário eleitoral na TV, o “vice” mal chegou a 6%, sinalizando que falta muito
para ele herdar o legado do molusco, embora não lhe falte disposição.
Haddad comemorou
a fato de Alckmin não ter conseguido
angariar votos do PT, mesmo dispondo
de mais tempo na propaganda política obrigatória e de uma estratégia
direcionada a desconstruir Bolsonaro,
que é o maior antagonista do partido. Ainda que o tucano esteja em quarto lugar
nas intenções de voto, os petralhas querem minar suas chances de crescimento,
pois preferem enfrentar o PSL no
segundo turno — Bolsonaro é campeão
em rejeição, com 44% na pesquisa Ibope
divulgada no último dia 5; em seguida vem Marina
(26%), Haddad (23%), Alckmin (22%) e Ciro Gomes (20%).
O fato é que a resistência do PT ao ex-prefeito de São Paulo ainda é considerável. Prova disso é a defesa de Lula ter pedido ao STF que conceda para a troca do candidato e que
analise a recomendação do comitê da ONU, dando sinais de que o presidiário quer ir até o final.
Ontem, dizia-se que Lula havia escrito uma carta para ser lida a militantes petistas, na
qual diz que não anunciaria, naquele momento, nenhuma decisão sobre a candidatura do PT ao Planalto. Isso depois de a
ministra Rosa Weber ter negado o pedido de efeito suspensivo à decisão do TSE. Segundo O Globo, o
núcleo da campanha do PT à
Presidência não espera sucesso nos recursos, mesmo com uma nova recomendação do
Comitê de Direitos Humanos da ONU
dizendo que o Brasil tem o dever de garantir os direitos políticos do
ex-presidente. Mas parece que o sevandija de Garanhuns pensou melhor e, a poucos minutos do apito final, acabou autorizando a oficialização da
candidatura de Haddad. Mais detalhes amanhã — ou a qualquer momento, em edição extraordinária.
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