domingo, 22 de março de 2020

ENQUANTO A PANDEMIA AVANÇA, A LOCOMOTIVA DO BRASIL PUXA O FREIO DE MÃO E BOLSONARO BALANÇA O BARCO


Nos anos em que dividi meu tempo entre o Rio e São Paulo, eu abria a janela pela manhã, na cidade maravilhosa e, ao ver o sol nascente tingindo de ouro o mar, emoldurado por um céu imaculadamente azul, dizia a mim mesmo que um dia que começava assim não poderia ser de todo ruim.

Hoje, vendo pela varanda uma São Paulo cinzenta por natureza e poluída por definição — fenômeno que, paradoxalmente, contribui para que o entardecer fique especialmente bonito —, mas anormalmente vazia, como que em animação suspensa, lembrando as cidades-fantasmas dos velhos westerns, ou a New York de Will Smith em EU SOU A LENDA, é impossível não sentir um aperto no peito, um misto de revolta, impotência e desalento.

Sobretudo porque tudo isso é causado por um reles vírus mutante, mas com poder destrutivo suficiente para se disseminar em velocidade meteórica, infectar milhares e milhares de seres humanos mundo afora, matar 10.000 deles em menos de três meses — metade dos quais na Itália, que chegou a registrar mais de 700 óbitos em um único dia —, abalar a economia mundial e provocar pânico generalizado, com  fechamento de fronteiras e paralisação de tudo que não seja considerado essencial, de restaurantes a parques públicos, de botecos a  igrejas, passando por cinemas, academias, salões de beleza, lojas, shopping centers e o escambau. Se não é o fim do mundo, pelo menos parece.

Isso nos leva à pergunta de um bilhão de dólares: de que vale toda a tecnologia que desenvolvemos nos últimos dois séculos, ao longo dos quais, diz-se, o mundo evoluiu mais que da pré-história ao século XVIII? Se conseguimos ir à Lua e estamos prestes a fundar uma colônia em Marte, como diabos não conseguimos impedir que uma mísera disseminação viral se transforme numa pandemia dessa magnitude?

Olha, eu já nem sei mais o que dizer, o que pensar e o que esperar. Informações sobre o avanço da doença, o aumento dos casos de infecção e o número de mortes, por exemplo, podem até ser importantes, mas chega uma hora que ninguém aguenta mais.

E o mesmo vale para as batidas recomendações de evitar aglomerações, ou, no mínimo, manter-se a um metro de distância das demais pessoas (vá fazer isso no elevador, ou tente usar a escada quem mora no 20.º andar). Lave as mãos com frequência, recomendam os especialistas. Na falta de água e sabão, use álcool em gel. Só falta dizer onde encontrar o produto.

Nos mercados, não tem álcool em gel nem pra remédio (se me perdoam o trocadilho) e as farmácias que ainda têm o produto cobram por ele os olhos da cara. E não pense você que aquelas embalagens sem rótulo nem procedência que os marreteiros vendem nos vagões do Metrô e da CPTM por R$ 5 são a solução, pois elas não contêm álcool em gel, mas gel de cabelo misturado com álcool líquido 46,2.º.

Aliás, esse álcool líquido vendido nos supermercados não serve nem para acender churrasqueira (coloque algumas gotas num pires, aproxime um fósforo aceso e veja o que acontece). Se quiser álcool de verdade, vá a uma farmácia de manipulação e peça por álcool isopropílico, que não contém água e, por não acelerar a oxidação dos componentes metálicos, é usado também na manutenção de computadores. E é melhor que o gel para higienizar smartphones, tanto a tela quanto a carcaça dos aparelhos.

Ainda não se sabe quando surgirá uma vacina ou um remédio eficaz contra o coronavírus, mas sabe-se que o governo está adquirindo 10 milhões de testes que exibem o resultado em questão de minutos, como aqueles aparelhinhos que os diabéticos usam para medir a glicose. Demais disso, a farmacêutica suíça Roche criou um teste automatizado com capacidade de detecção de casos de coronavírus dez vezes maior que a do teste mais comum. Ele já foi aprovado de forma emergencial pela FDA (é a terceira aprovação de emergência dada pela agência americana a testes de coronavírus, mas somente a primeira com possibilidade de aplicação comercial), e está sendo produzido em duas versões. Ambas analisam amostras de saliva e muco, mas uma é capaz de testar até 4.128 pacientes por dia (dez vezes a capacidade de um teste comum), e a outra, até 1.440. Em breve, a empresa deve distribuí-lo também na Europa, e, segundo a revista EXAME, “está envidando todos os esforços para disponibilizá-lo também no Brasil, dentro das conformidades locais”.

Idoso ou não, auto-exilado ou não, você tem de continuar comendo e, ao contrário do vírus, as coisas não vêm sozinhas a seu encontro. É preciso ir ao supermercado, à padaria, à farmácia, e isso pode ser um problema grave para idosos que moram sozinhos, sobretudo se forem obesos, hipertensos, asmáticos e diabéticos. As contas também não param de chegar, de modo que você precisa ir ao banco. Pode pagar pela Internet, dirá alguém, mas nem todo mundo confia nessa opção (e com razão, a julgar pelo número crescente de fraudes) e mais: dinheiro em espécie, só no caixa do banco ou nas máquinas de autoatendimento. O que fazer, então? Enforcar-se num pé de cebola?

Hoping for the best but expecting the worst, como dizem os gringos. É bem por aí. Reze que tem fé e torça quem ainda consegue manter acesa a chama da esperança diante desse cenário desolador, sobretudo quando o capitão, ao invés vez de assumir o timão e manter a nau dos insensatos firme no curso, resolve balançar o barco e potencializar a borrasca, fomentando picuinhas com a Câmara e o Senado — cujos membros são farinha do mesmo saco e, portanto, preocupam-se mais com essas questiúnculas do que em estimular a união de todos em prol do bem comum, deixando de lado, ainda que momentaneamente, diferenças políticas, ideológicas e de visões do mundo.

Encerro esta postagem com um vídeo que quase me levou às lágrimas, mas, mesmo assim, eu recomendo assistir:  


Tenham todos um ótimo domingo (na medida do possível, naturalmente), e que a semana que vem seja melhor que a passada, e assim sucessivamente.