terça-feira, 28 de abril de 2020

NA FALTA DE BACHIANAS, VAMOS DE COVID-19 E BOLSONARIANAS. E VIVA O POVO BRASILEIRO.



Dizia eu no post anterior que estou por conta do Bonifácio com a Covid-19, a imprensa alarmista e as politicagens, sendo estas últimas inevitáveis devido ao baixíssimo nível do eleitor brasileiro um problema que remonta à pré-história da política tupiniquim e que dificilmente será solucionado no médio prazo; basta acompanhar a sequência que eu venho publicando desde o último dia 15, sobre a renúncia de Jânio, que tive de interromper devido ao surgimento de questões mais relevantes.

Relembro: dada a atração inata dos brasileiros pelo canto da sereia dos populistas, Jânio foi eleito presidente em 1960, tomou posse em janeiro do ano seguinte e renunciou em agosto, pavimentando, ainda que involuntariamente, o caminho para o golpe de 64 e os subsequentes 21 anos de ditadura. Aos anos de chumbo (iniciados pelo AI-5), seguiu-se um processo de reabertura lento e gradual, que desaguou na eleição indireta do primeiro presidente civil desde os tempos de antanho.

Quis o destino que Tancredo morresse 12 horas antes de ser empossado, dando azo à posse do oligarca maranhense José Sarney, cujo nome dispensa apresentação e durante cujo mandato foi promulgada a quimérica Constituição Cidadã de 1988, que reinstituiu eleições diretas para presidente já a partir do ano seguinte. E assim, no apagar das luzes de 1989, depois que dezenas postulantes foram eliminados no primeiro turno, deu-se o embate final entre um ex-sindicalista de esquerda, semianalfabeto, demagogo e maroto; e um grande filho da, digo, um nobre representante da oligarquia nordestina, tão demagogo e populista quanto o oponente, mas embrulhado em papel lustroso de bom moço, bem falante, político promissor, autodeclarado caçador de marajás e — agora a cereja do bolo — promitente combatedor da corrupção e exterminador da inflação... Qualquer semelhança o que ocorreu recentemente, tirando a parte do bom moço e bem falante...

Enfim, deu Collor na cabeça, o que nos deu muita dor de cabeça. A começar pelas medidas econômicas estapafúrdias (com direito ao confisco da poupança e demais ativos financeiros a pretexto de "enxugar" a liquidez da economia). Sua gestão foi encerrada antes de completar dois anos, quando, acusado de corrupção, o chefe do Executivo renunciou para não perder os direitos políticos juntamente com o cargo, mas perdeu-os mesmo assim. Dura lex sed lex.

Rei morto, rei posto, o vice Itamar Franco assumiu a presidência, nomeou FHC ministro da Fazenda, e com ele vieram o Plano Real, a eleição do próprio FHC, a PEC da reeleição e a reeleição do tucano, seguida de dois mandatos de Lula e da pseudo gerentona, que logo despiu a fantasia de competente e exibiu-se como era realmente, uma mulher rude, despreparada, pedante, arrogante, ignorante e tão desprepara da para o cargo quanto certo capitão que hoje preside a nação. Em breve devo retomar essa sequência sobre a renúncia de Jânio do ponto onde a interrompi, até porque falta detalhar as gestões pós-impeachment e entregar o que prometi inicialmente — a versão que Jânio Quadros Neto ouviu da boca do avô, pouco antes de o ex-presidente bater a cachuleta.

Mudando de um ponto a outro, a saída de Sérgio Moro do governo uma semana depois de Bolsonaro trocar o comando da pasta da Saúde em meio à pandemia da Covid-19 me motivaram a reproduzir um artigo da lavra de Roberto Pompeu de Toledo, que discorre com maestria sobre as estultices bolsonarianas e a tolerância das forças armadas a toda essa palhaçada.  Mas aí eu veio o pronunciamento do presidente na coletiva de ontem de manhã, e lá foi eu mudar a pauta outra vez. Ultimamente, escrever sobre política é como fazer experiências culinárias em busca de uma nova receita: 90% do trabalho e dos ingredientes vão para a lata do lixo até que se consiga um resultado aceitável (que terá de ser descartado se não for servido quente e imediatamente).

Enfim, a peroração do capitão das trevas durou bem menos que a da última sexta-feira, mas contou com a presença de diversos ministros de outros puxa-sacos (talvez para passar a impressão de união inabalável do núcleo do Executivo). O discurso teve como objetivo pôr fim às especulações sobre quem seria o próximo a deixar a Esplanada, se Guedes (Fazenda) ou Tereza Cristina (Agricultura). Urgia, portanto, desfazer o clima de incerteza e insegurança que perdurou por todo o último final de semana — veja neste vídeo as considerações dos especialistas, comentaristas e palpiteiros de plantão.

Bolsonaro fez questão de enfatizar que quem dá o tom na Economia é seu Posto Ipiranga, cuja permanência no cargo é tão certa quanto a Terra é plana, digo, é redonda. "Acabei mais uma reunião aqui tratando de economia. E o homem que decide a economia no Brasil é um só: chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o norte, nos dá recomendações e o que nós realmente devemos seguir", disse o capitão.

Por seu turno, Guedes afirmou que o governo segue firme em sua política econômica de responsabilidade fiscal. Explicou ainda que os gastos feitos para combater o novo coronavírus são uma “exceção” na condução da política econômica. "Queremos reafirmar a todos que acreditam na política econômica que ela segue e a mesma política econômica", ressaltou o (por enquanto) superministro.

A opera bufa pode ter soado convincente para os discípulos da finada Velinha de Taubaté (personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo do General Figueiredo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares durante a ditadura) e quem mais acredita no Coelho da Páscoa e na Fada do Dente. Eu, particularmente, acho que a aparente trégua pode ser a calmaria que precede a próxima tormenta. E quando se trata de Bolsonaro, toda nova crise é sempre a penúltima, porque outras certamente virão.

Uma curiosidade que me cruzou a mente foi o sumiço de Regina Duarte. Para quem não se lembra, a eterna namoradinha do Brasil se divorciou da Rede Globo depois de 50 anos de união estável, teve um namoro relâmpago com a caverna das trevas do capitão e, depois de um igualmente breve e conturbado noivado, assumiu a secretaria especial da Cultura. Nesse entretempo, os nubentes ficaram sob as luzes da ribalta, digo, sob os holofotes da imprensa, e não faltaram postagens sobre o affair nas redes sociais. Desde a posse, no entanto, Regina submergiu, aprisionada pelo medo no governo.

Mantida na rédea curta por Bolsonaro, a ex-global não pode nomear seu pessoal, nem — muito menos — penabundar os olavetes que lhe infernizam a vida. Para não piorar o que já está ruim o bastante, ela tem ignorado a classe artística, evitado defender em público uma agenda na crise, trazer a lume as sabotagens de que é vítima e comentar a demissão de Moro, a quem fez vários elogios públicos desde o ápice da operação Lava-Jato. Numa resposta escondida a um seguidor, na madrugada de ontem, Regina declarou apoio ao presidente ("SIM! #tamosjuntos pelo #Brasil" — vide reprodução que ilustra esta postagem), mas não foi vista entre as autoridades que marcaram presença no pronunciamento em que Bolsonaro deu sua versão sobre o desligamento de Sergio Moro.

Ninguém merece ouvir o presidente despejar, durante longos 45 minutos, um volumoso amontoado de besteiras desconexas — numa tentativa tão patética quanto inglória de defender o indefensável acusando o acusador. Mas aturar esse tipo de coisa é dever de ministros e demais puxa-sacos palacianos. Afinal, respeito é bom e conserva os dentes — e o cargo.   

Regina tem 73 anos, de modo que integra o grupo de risco da Covid-19. Além do mais, estava em São Paulo no dia do pronunciamento, e nos tempos que correm não é fácil conseguir lugar em um voo de uma hora para outra. Mas ela jura de mãos postas e pés juntos que acompanhou o pronunciamento do chefe pela TV. Afinal, manda quem pode e obedece quem tem juízo.

Conforme adiantei no início da postagem, vou deixar para repercutir a coluna de Pompeu no post de amanhã, sob pena de encompridar demais este texto. Enquanto isso, torçamos pelo melhor, ou pelo menos para que Bolsonaro siga a sábia orientação de FHC, poupando o Brasil de mais um processo de impeachment. Como se costuma dizer, “a porta da rua é serventia da casa”.