Rodrigo Maia tem usado a palavra-chave do manual do
bem-fazer política de Tancredo Neves: paciência. Personagem de um dos
diversos episódios dramáticos da história de presidentes brasileiros, Tancredo
era “capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos”, na definição do também
mineiro e adversário José Bonifácio de Andrada e Silva (um dos descendentes
do patriarca).
O presidente da Câmara recorre ao ensinamento ao falar sobre
a possibilidade de dar prosseguimento a um processo de impedimento de Jair
Bolsonaro, que já se acumulam às três dezenas no setor de protocolos da
Casa. Rodrigo de imediato calou-se e só se manifestou três dias depois
da saída-bomba de Sergio Moro do Ministério da Justiça, numa sexta-feira
frenética em que o tema do impeachment dominou a República, quando invocou a
lição da paciência como virtude política.
Falou também em “equilíbrio”, duas características que Bolsonaro
não tem e que serão imprescindíveis para atravessar os próximos meses. De um
lado o combate à crise sanitária, de outro o transcorrer das investigações que
podem resultar no enquadramento do presidente em crime de responsabilidade e os
filhos dele em uma ou mais ações penais.
A palavra da ordem, portanto, está com o Supremo, com
a PGR e a PF. Não sendo ainda a hora de o Congresso entrar
em cena, Maia deve ter feito a conta simples de que o ideal seria um recuo
tático.
Pelos seguintes motivos: para não perder a razão como juiz
da entrada do impedimento na pauta da Câmara; para recuperar terreno junto aos
deputados do Centrão que passaram a fazer interlocução direta com o Planalto;
para não dar mais munição às brigadas bolsonaristas; para não ver reduzida sua
capacidade de influência na eleição do sucessor.
Isso não significa que o jogo político tenha sido suspenso.
Apenas não se dá em campo totalmente aberto ao público. Os preparativos
prosseguem de parte a parte. O lance mais visível é feito pelo governo, na
tentativa de cooptar, com distribuição de cargos, fidelidades suficientes para
impedir que um possível pedido de abertura de processo de impeachment obtenha
os votos de dois terços dos deputados.
Outros governos em situação tão ou mais periclitante do que
a que se encontra o atual já tentaram o mesmo. Só foram bem-sucedidos aqueles
com base parlamentar sólida. Os que tentaram arranjos de última depois de terem
escolhido governar em atritos permanentes com o Congresso, acreditando
que a má imagem dos políticos lhes garantiria sustentação e desequilibraria a
balança em favor deles, se deram mal.
Presidentes adeptos dessa lógica gostam de propagandear a
quantidade de votos que tiveram na eleição. Mas aí há dois complicadores. O
primeiro, aqui recorrendo de novo a Tancredo Neves, é que “votos não se
tem, se teve”. E o segundo é que votação por votação, a do Legislativo é sempre
maior em termos absolutos. Quando quer dizer que tem legitimidade superior à do
Parlamento, Bolsonaro refere-se aos seus “57 milhões” de eleitores.
Foram exatos 57 milhões, 797 mil e 847. Contra 98 milhões, 326 mil e 378 votos
dados aos deputados eleitos em 2018. Isso é só uma ilustração.
Determinante para definir o destino do presidente será a
comprovação, ou não, da ocorrência de crime de responsabilidade. O inquérito
está nas mãos de Celso de Mello, que sai do STF em novembro e não
terá interesse em postergar a investigação, e nas provas que venha a apresentar
Sergio Moro, cuja experiência judicial não indica que faria aquelas
acusações desprovido de respaldo.
O Congresso está em compasso de espera para ver se os
fatos ganharão pernas. Quando isso acontece as pessoas correm o risco de perder
a cabeça. Fernando Collor, por exemplo, montou um “gabinete de
governabilidade”, coordenado por Jorge Bornhausen, que se desfez diante
das comprovações das denúncias de corrupção. Eduardo Cunha era o
todo-poderoso presidente da Câmara e não escapou da cassação porque as
evidências trataram de derrubar o poderio aparentemente inabalável.
Apoios de parlamentares ou até mesmo de partidos como vêm,
vão. Os ventos sopram ao sabor das circunstâncias e conveniências, cujos rumos
na atual conjuntura dependem das instâncias da legalidade, mas dependem também
da capacidade (nula) do presidente de não aumentar o grau de toxicidade do
ambiente. Políticos, como sabemos, até acompanham o enterro, mas não se deixam
enterrar na companhia do falecido.
Texto de Dora Kramer.