Donald Trump não inventou o racismo americano, mas é
a mais explícita encarnação do macho branco e racista a ocupar a Casa Branca.
Não é coincidência ter ocorrido em seu reinado a cena de um policial impassível
aos apelos desesperados de George
Floyd, o homem rendido e estendido no chão que vem ocupando os noticiários
há semanas.
No Brasil, tenta-se imitar o que a tradição dos Estados
Unidos tem de mais macabro. No sábado 30, um grupo encenou protesto diante do STF
trajando túnicas pretas, a cabeça coberta por máscaras brancas e as mãos a
segurar tochas acesas. A Ku Klux Klan do cerrado cavava o seu lugar (só
faltava ela) na conflagrada cena brasileira.
Trump, o machão, deixou a Casa Branca ao cair da
tarde de segunda-feira, dia 1º, e a passos decididos atravessou a Praça
Lafayette, sozinho como Gary Cooper ao encontro do bandido, em direção à
Igreja de Saint John. Piedoso, carregava uma Bíblia. E parou em frente à
igreja, silencioso, voltado para os fotógrafos e cinegrafistas, com os
objetivos de 1) desagravar o sagrado edifício, chamuscado no dia anterior pelas
fogueiras dos manifestantes e 2) mostrar que não tem medo de multidões hostis,
ao contrário do que se poderia supor do fato de, no bafafá da véspera, refugiar-se
no subterrâneo da residência presidencial. Detalhe: o gesto de macheza foi
precedido por um festival de gás lacrimogêneo e balas de borracha disparados
para dispersar os manifestantes e deixar a praça livre para o destemor
presidencial.
Macheza por macheza, nosso presidente não fica atrás. Em
mais um domingo de diversão ao ar livre, Jair Bolsonaro subiu num
helicóptero do Exército para cobrir os 4 quilômetros entre os palácios da
Alvorada e do Planalto. Ao seu lado, não bastasse o helicóptero militar, ia o
ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. (Até quando aceitar
papéis semelhantes, ó generais?).Na Praça dos Três Poderes, inebriado do sol da
manhã, do entusiasmo dos fãs e de macheza, arrebatou o cavalo de um PM e, ainda
que algo canhestro, ao modo balança mas não cai, conduziu o rocinante a uma
volta triunfal, como à sua hora amava fazer o duce Benito Mussolini,
outro histórico macho.
Bolsonaro e Trump exibem igual déficit de compaixão
pelo sofrimento alheio. Trump não passou de uma condenação pró-forma ao
assassinato de Floyd; reservou sua energia para chamar os governadores
de fracos, por não reprimirem as manifestações, e ameaçar pôr “milhares e
milhares” de militares nas ruas. Bolsonaro, convidado a se pronunciar
sobre a ultrapassagem dos 30 000
óbitos na pandemia no Brasil, respondeu: “A gente lamenta todos os mortos,
mas é o destino de todo mundo”. Evoluiu do “E daí?” para “Lamento,
mas…”.
Dos registros da história do Brasil constam três históricas
reuniões ministeriais conhecidas em detalhes. A primeira, na noite de 23 de
agosto de 1954, discutiu a renúncia ou licença de Getúlio Vargas e,
estendendo-se pela madrugada, resultou no suicídio do presidente. A segunda, a
13 de dezembro de 1968, sacramentou a edição do AI-5. A elas veio se
juntar a do dia 22 de abril de 2020. As duas primeiras resultaram em tragédias
— o sacrifício de uma vida, num caso, o das liberdades, no outro. A terceira
não produziu ainda consequência tão drástica, mas tem potencial para tanto.
Nessa expectativa nos aguentamos.
De Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia em 2008, em
sua última coluna no The New York Times: “Donald Trump, longe de
acalmar a nação, está pondo gasolina no fogo; ele parece muito perto de tentar
incitar a uma guerra civil”.
De Bolsonaro, na famosa reunião ministerial: “Por
isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se
arme! (…) Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E
não dá para segurar mais. Não é? Não dá para segurar mais”.
O Armagedom é o último refúgio dos machões de
opereta.
Com Roberto Pompeu de Toledo.