quinta-feira, 13 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA - UNDÉCIMA PARTE

Prosseguindo com a nossa abordagem relâmpago sobre os presidentes que deixaram de sê-lo antes do final do mandato, Washington Luiz, o último chefe do Executivo da República Velha, derrotou Getúlio Dorneles Vargas em 1926, numa disputa acirrada e marcada por denúncias de fraude e rachas entre as oligarquias. 
 
A despeito da crise internacional de 1929 e da resistência dos militares de ideias nacionalistas, Vargas conseguiu eleger seu sucessor no pleito de 1930 — o então governador de São Paulo, Júlio Prestes. Mas o resultado não foi aceito nem pelo partido Republicano Mineiro, nem pelos grupos mais radicais da Aliança.
 
O estopim do que viria a ser a Revolução de 1930 foi o assassinato do vice de GetúlioJoão Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, em uma confeitaria no Recife. Em outubro daquele ano, com o apoio militar dos tenentes, as oligarquias dissidentes de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul protagonizaram um movimento de revolta em várias regiões do país, e Washington Luiz foi levado preso do Palácio do Catete para o Forte de Copacabana. Sua deposição ocorreu um mês antes da data em que se deveria dar a posse de Prestes, que, por óbvio, nem chegou a assumir: uma junta militar transmitiu a presidência para Getúlio — líder máximo da Revolução —, que governou de 1930 a 1945 (Washington e Prestes se auto-exilaram).

Depois da fase provisória de seu governo, que se estendeu até 1934, Vargas foi eleito indiretamente para um mandato que deveria terminar após as eleições presidenciais de 1938. Um ano antes, porém, ele instituiu o Estado Novo e se manteve no poder até 1945, quando, pressionado por forte oposição, permitiu a volta dos partidos políticos e convocou eleições para aquele ano. 

Receando um novo golpe, os militares depuseram o tiranete, mas não cassaram seus direitos políticos. Resultado: Vargas se elegeu senador e voltou à presidência em 1951, dessa vez pelo voto popular, em mais um exemplo da acachapante incompetência do eleitorado tupiniquim, que, lamentavelmente, persiste até os tempos atuais.

Em meio a denúncias de corrupção envolvendo seu governo, Vargas enfrentou — e superou — um processo de impeachment em junho de 1954. Todavia, o Atentado da Rua Tonelero, supostamente orquestrado por integrantes da segurança do presidente e que mirava Carlos Lacerda, mas vitimou o major da Aeronáutica Rubens Vaz, agravou a situação. Acuado por políticos e militares, o mandatário se recusou a renunciar e foi suicidado, digo, suicidou-se com um tiro no peito no Palácio do Catete, então sede do governo federal, no dia 24 de agosto. Sobre sua mesa, foi encontrada a mensagem de despedida que ficaria conhecida como “carta testamento”. Segue a transcrição:

"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculizada até o desespero.

Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. 

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Getúlio Vargas

Continua no próximo capítulo.