Em audiência pública no Congresso nesta terça-feira, Paulo Guedes afirmou que a extensão do auxílio emergencial dará mais tempo para que o Renda Brasil — que está sendo gestado para reunir programas sociais numa só iniciativa — seja melhor analisado. Segundo o ministro, da maneira como a proposta está colocada, seria como pegar dinheiro do abono salarial, que é pago à parcela da população que recebe entre um e dois salários-mínimos, e transferi-lo para os mais pobres.
A prorrogação até o final do ano, com parcelas de R$ 300 mensais,
deve custar mais R$ 100 bilhões, resultando num rombo inédito de R$ 1 trilhão
nas contas públicas. O valor total do programa deve ficar próximo a R$ 360
bilhões, o maior gasto do governo na pandemia.
Pelo terceiro ano consecutivo, o Executivo vai depender do
Congresso para pagar aposentadorias, salários e Bolsa Família sem ferir
a Regra de Ouro (que impede o governo de se endividar para pagar
despesas correntes, como salários, Previdência e benefícios assistenciais). Em
2019, Guedes pediu ao Congresso que R$ 248 bilhões fossem obtidos com
títulos. Recursos para o Renda Brasil não estão previstos no projeto de Orçamento.
Os números divulgados pelo IBGE para o PIB do
segundo trimestre de 2020 mostram a maior queda da série histórica iniciada
desde 1996: uma
retração de 9,7% em comparação com o primeiro trimestre do ano — cujo crescimento
também revisado para baixo; ao invés de uma queda de 1,5% contra o último
trimestre de 2019, os
dados do IBGE apontam para uma queda de 2,5%.
Também nesta terça foi anunciado que o texto da reforma
administrativa será enviado ao Congresso na próxima quinta, depois de
sucessivos adiamentos e muita resistência por parte do próprio Bolsonaro
— que fez questão de ressaltar que projeto só se aplicará aos futuros
servidores concursados.
O mercado reagiu mal a falas recentes do presidente em
relação ao compromisso do governo com o ajuste das contas. Na semana passada,
em um evento em Minas Gerais, o capitão expressou publicamente sua insatisfação
com a proposta do Renda Brasil nos moldes propostos pela equipe econômica
(com o corte de outros programas sociais, como o abono salarial, para aumentar
o valor do benefício).
As sugestões para que o governo possa flexibilizar o teto de
gastos também desagradam o mercado, ao que o líder do governo fez questão de
responder em sua fala no Alvorada na manhã desta terça: "Queremos
manter o teto de gastos, precisamos manter, então precisamos conter o gasto
porque o teto não pode subir e não pode ser furado. O recado que queremos dar é
responsabilidade fiscal, rigor nas contas públicas e cumprimento do compromisso
de manter o teto", afirmou. A questão é que anos-luz separam o que se
diz do que se faz nesta republiqueta de bananas.
A racionalidade econômica foi chutada para escanteio, e
junto com ela seu zelador, diz Ricardo Noblat. O novo valor do auxílio
emergencial é o “triunfo da vontade sobre o que pareceria possível ou o mais
adequado”. O ex-Posto Ipiranga, que acreditou nas potocas do capitão e se achava
dono da última palavra no âmbito da política econômica, vê agora que não tem
mais chances de celebrar o título de o ministro mais bem-sucedido do governo, e
que uma derrota a mais (ou duas, ou três) não fará grande diferença.
Em março, Guedes avisou Bolsonaro de que um
auxílio acima de R$ 200 criaria sérios problemas para o Tesouro. Como o
Congresso sinalizou que tencionava aprovar R$ 500, a capitão, que não queria
ficar atrás, fixou o valor do coronavoucher em R$ 600. Agora, entusiasmado com o
impacto positivo que essa irresponsabilidade causou em sua popularidade — e de
olho na reeleição, que é só o que lhe interessa — o morubixaba, antecipando-se
ao Congresso e ao próprio Guedes, decidiu prorrogar o pagamento do
auxílio até dezembro e afirmou que não aceitaria nada inferior a R$ 300.
De casamento marcado com o Centrão, o presidente que antes
desprezava o apoio de partidos foi bem mais além: aumentou de R$ 5 bilhões para
R$ 6,5 bilhões a verba do Orçamento da União para execução de obras em redutos
eleitorais de deputados federais e senadores. Para alguém que se elegeu prometendo
que jamais se renderia à política do que é dando (dinheiro) que em troca se
recebe (votos), foi um avanço (ou recuo) e tanto, festejado pelos beneficiados
como a prova definitiva de que o governo e o presidente se normalizaram. Leda
pretensão: populistas como Bolsonaro, Trump e Maduro são o
que são e jamais deixarão de ser.
Resta a Guedes engolir o sapo e tocar o barco, obediente às ordens temerárias do capitão. Quando não der certo, no médio prazo, ele levará a culpa e sairá como se importância alguma tivesse tido em algum momento. Se ainda se presta a esse papel, é porque os exemplos de Mandetta e Sergio Moro foram educativos. Ambos saíram antes que a popularidade fosse afetada, mas viraram alvo e foram impiedosamente enxovalhados.
Por essas
e outras o Posto Ipiranga chegou à conclusão de que pode salvar a própria
reputação se ficar no governo e tentar amenizar os golpes. Até quando, só Deus
sabe.