segunda-feira, 14 de setembro de 2020

ÓI NÓIS AQUI TRAVEIS!

 


SE OCÊS PENSA QUE NÓIS FOMOS EMBORA / NÓIS ENGANEMOS OCÊS / FINGIMOS QUE FOMOS E VORTEMOS / ÓI NÓIS AQUI TRAVEIS

Com a prorrogação da licença médica do ministro Celso de Melo, a quem falta pouco mais de um mês para se aposentar, achava-se que o inquérito que investiga a interferência política de Bolsonaro na PF ficaria para as calendas. Só que não. Respaldado na Lei Orgânica da Magistratura, o decano assinou na última sexta-feira (11) o ato que, no dia 18 de agosto (véspera do início de sua licença) rejeitou o parecer da AGU e determinou que o mandatário deponha presencialmente.

José Celso de Mello Filho nasceu em Tatuí (SP), graduou-se em Direito em 1969 e ingressou no Ministério Público do estado no ano seguinte. Foi procurador de Justiça e consultor-geral da República interino entre 1986 e 1989, quando então seu nome foi sugerido ao presidente de turno (Sarney) pelo então ministro da Justiça (Saulo Ramos, que não guardou do indicado boas recordações) para a vaga do ministro Luís Rafael Mayer. Tornou-se decano em 2007, com a aposentadoria do ministro Sepúlveda Pertence, e deixará a Corte no final do mês que vem (a aposentadoria dos ministros dos Tribunais superiores é compulsória aos 75 anos).

Sobre a “rusga” com o ex-ministro da Justiça, relembro que o oligarca da política de cabresto nordestina encerrou sua melancólica passagem pela Presidência com a popularidade abaixo do c* do cachorro e, ciente de que não se elegeria nem para síndico de prédio em seu estado natal, mudou de domicílio eleitoral e se candidatou a senador peço recém-criado estado do Amapá. A maracutaia foi contestada, mas acabou avalizada pelo STF por 7 votos a 3 (ausente o ministro Moreira Alves). Um dos votos contrários ao eterno donatário da capitania do Maranhão foi justamente de Celso de Mello, que, por não ter beneficiado Sarney, seu benfeitor foi chamado de "juiz de merda" por Saulo Ramos.   

Voltando ao presente, a notícia sobre o despacho do decano na última sexta-feira pegou o Planalto de surpresa, embora não devesse: dada a enxurrada de estultices bolsonarianas, seria muita inocência esperar que bastaria adotar uma postura mais comedida — que o capitão trevoso adotou após a prisão de Queiroz na casa de seu ex-advogado — e prestigiar a derradeira sessão presidida por Toffoli no STF e a posse de seu sucessor para entrar magicamente no modo “lua-de-mel” com a turma da toga.

Em junho, Bolsonaro roncou prosa: "A PF vai me ouvir, estão decidindo se vai ser presencial ou por escrito, para mim tanto faz", disse o parlapatão. “Por escrito, eu sei que ele [o depoimento] tem segurança enorme na resposta porque não vai titubear. Ao vivo pode titubear, mas eu não estou preocupado com isso. Posso conversar presencialmente com a Polícia Federal sem problema nenhum”, completou.

Uma coisa é responder um questionário por escrito e e outra bem diferente é submeter-se à réplica dos investigadores e dos advogados de seu acusador. Se realmente enjeitar a prerrogativa legal de se manter em silêncio, o “mito” mitômano terá de ser muito bem ensaiado para não se descair nem deixar levar pelo temperamento intempestivo que lhe é peculiar.

Voltando à posse de Luiz Fux, parte substantiva de seu discurso embutiu nas entrelinhas claro recado a Bolsonaro. Cito a defesa enfática da Lava-Jato e de temas ligados ao meio-ambiente e aos direitos humanos e o momento em que o ministro pontua que “o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”. Para completar a carraspana, o vice-decano Marco Aurélio repreendeu o cacique da aldeia por falar exclusivamente a sua claque de muares amestrados: “vossa excelência é presidente de todos os brasileiros”, disse.

Para restabelecer uma relativa harmonia com os togados, Bolsonaro terá de ir bem além de simplesmente indicar um ministro alinhado às suas posições — que, segundo o próprio presidente, será alguém “terrivelmente evangélico“. Se conhecesse História, ele saberia que misturar religião com política costuma produzir o mesmo resultado que se obtém ao jogar merda no ventilador. Aliás, dizem que Deus, em sua imensa sabedoria, criou o amor e a fé, e o diabo, invejoso, o casamento e as religiões.

Observação: David Émile Durkheim, principal arquiteto da ciência social moderna e considerado pai da sociologia, ensina que “(...) pouco a pouco, as funções políticas, econômicas e científicas se emanciparam da função religiosa e adquiriram um caráter temporal cada vez mais acentuado. Deus, se é que podemos nos exprimir assim, que antes estava presente em todas as relações humanas, retirou-se progressivamente delas e abandonou o mundo aos homens e a suas disputas”.

Continua...