terça-feira, 3 de novembro de 2020

ELEIÇÕES AMERICANAS E PAPAI NOEL

No início dos anos 1960, quando comecei a me entender por gente, as crianças acreditavam em Papai Noel até perder os dentes-de-leite. O “Espírito do Natal” dava o ar da graça no início de dezembro — a princípio timidamente, depois num crescendo, até baixar firme e forte — e só cantava pra subir no Dia de Reis. Enfeitar a árvore de Natal, armar o presépio, pendurar a guirlanda na porta e trocar votos de boas festas (que então soavam sinceros) fazia parte da festa. Bons tempos, aqueles.

De uns anos para cá, o Natal vem "chegando" cada vez mais cedo — nos shoppings, enquanto tiram com uma mão as tradicionais abóboras, vassouras e chapéus de ponta do Halloween, os lojistas dependuram com a outra a tradicional decoração natalina, que, prematura, cria um clima artificial, forçado, tão sem-graça quanto sexo com hora marcada. 

Embora as pessoas continuem montando árvores de Natal na sala de casa e enfeitando as varandas e janelas com lampadinhas pisca-pisca, a impressão que se tem é de que as festas perderam o calor humano e os votos de feliz Natal se tornaram meramente protocolares. É como se o Natal continuasse existindo como um corpo sem alma, sem a essência do verdadeiro “Espírito Natalino”.

Nos anos 1920, quando a Coca-Cola passou a vincular sua beberagem às festas natalinas, o publicitário Archie Lee, responsável pela conta da empresa, queria um Noel saudável, tanto realista como simbólico. Assim, encarregou o ilustrador Haddon Sundblom de desenvolver imagens “do próprio Noel”, e não de um homem vestido como Papai Noel (a figura que ilustra esta postagem reproduz a propaganda publicada em “The Saturday Evening Post” nos anos 1930). No entanto, apesar de muitas vezes termos ouvido dizer que o bom velhinho veste casaco vermelho por ser a cor da Coca-Cola, essa indumentária vem de muito antes de LeeSundblom

O Noel que Thomas Nast desenhou para revista Harper's Weekly nos anos 1860, em meio à guerra civil americana (1861-1865), lembrava um duende defendendo a União. Mas Nast continuou a desenhá-lo por mais 30 anos, ao longo dos quais, entre outros aprimoramentos, introduziu o barrigão, a barba branca e os inevitáveis casaco vermelho de gola e punhos brancos, cinto largo e botas pretas — que o bom velhinho preserva até hoje.

Entre 1931 e 1964, Sundblom pintou cenas encantadoras da casa de Papai Noel para a Coca-Cola, e Norman Rockwell o retratou como um velhote bonachão. As pessoas gostaram tanto dos anúncios — e prestavam tanta atenção neles — que The Coca-Cola Company recebeu uma enxurrada de cartas quando o cinto preto de Noel foi exibido de cabeça para baixo (provavelmente porque Sundblom fez a pintura olhando-se em um espelho). E quando a personagem apareceu sem a aliança de casamento, milhares de fãs escreveram para perguntar o que havia acontecido com a Senhora Noel.

O burro e o elefante “vestidos” com a bandeira americana (confira na ilustração do post de ontem, caso não o tenha lido) também foram popularizadas por Thomas Nast, embora o cartunista não tenha criado as imagens nem sido o responsável por associar os bichos aos partidos Democrata e Republicano, respectivamente. Os próprios democratas escolheram o burro como símbolo de resistência, arrojo e teimosia, e os republicanos, o elefante como exemplo de força e dignidade. 

Na mão oposta dessa via de mão dupla, os membros dos dois maiores e mais importantes partidos americanos se valem das características menos nobres do asno e do elefante para espezinhar os adversários — que retribuem na mesma moeda: republicanos atacam democratas atribuindo-lhes a falta de inteligência do burro, e estes retribuem associando aos adversários a soberba e a empáfia do grande paquiderme.  

Consta que o burro foi usado pela primeira vez como símbolo na campanha presidencial de 1928, quando o advogado democrata sulista Andrew Jackson, chamado de burro pelos adversários, ironizou os ataques e incorporou a figura asinina em seus cartazes. E venceu a eleição. 

O elefante teria surgido durante a guerra civil, como símbolo de bravura e experiência em combate. Diz-se que Abraham Lincoln, primeiro presidente republicano a ser eleito, foi pioneiro no uso da imagem do grande paquiderme.

O partido Republicano mantém até hoje o elefante como mascote, mas o burro deixou uma unanimidade entre os democratas. Ainda assim, a simbologia permanece, seja para ofender os adversários, seja para enaltecer os partidos. Em alguns estados, os nomes dos partidos sequer aparecem, mas os bichos têm presença garantida, inclusive na cédula de votação.