terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O SUCESSO TEM MUITOS PAIS. O FRACASSO É ÓRFÃO


"É... Acho que eu exagerei..." (comentário de Sergio Cabral ao retornar à cela após ser condenado pela enésima vez). Bolsonaro também exagerou na dose de mentiras, agressões e crimes contra a vida dos brasileiros, como evidenciou o panelaço da sexta, 15, comparável às “homenagens” prestadas à nefelibata da mandioca nas semanas que antecederam seu afastamento, só que com requintes de gritos de "Assassino!", "Genocida!", "Fora Bolsonaro!"...

O jornalista Ricardo Kotscho publicou em sua coluna que "genocida não é só Bolsonaro, mas toda a sua equipe de ineptos e cretinos que desmoralizam as Forças Armadas, produzem o desemprego e a queimada das florestas e pantanais, a destruição do ensino público, da cultura, da ciência e da soberania nacional e promovem a desindustrialização de um país condenado a morrer, de Covid ou de fome, enquanto mais de 35 milhões de pessoas já foram vacinadas mundo afora".

Diante deste cenário fúnebre, o professor de história, escritor e compositor Luiz Antonio Simas desabafou nas redes sociais: "Apoio qualquer coisa contra esse governo: passeata, guerrilha, panelaço, greve, jantar beneficente, sujeito gritando sozinho no banheiro, desabafo em analista, despacho na encruza, novena, frente ampla, mandinga do livro de capa de aço de São Cipriano, ciranda, bingo e bazar".

Segundo o sempre bem informado Ricardo Noblat, é crescente o número de deputados e senadores de todos os partidos que "passaram a levar a sério a abertura de um processo de impeachment, porque o desgoverno chegou a um ponto insustentável, colocando em risco a vida da população". E com efeito.

O empenho do capitão-cloroquina em menosprezar a Covid e ignorar os protocolos de segurança renderam-lhe o título de pior líder global no enfrentamento da pandemia, e suas convicções negacionistas levaram-no a boicotar o quanto pôde e enquanto pôde a campanha de vacinação. Porém, depois que manauaras começaram a morrer feito moscas e o Airbus A330-900neo da Azul — que deveria trazer da Índia 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca/Oxford — não recebeu sinal verde do governo indiano, o capitão-inveja percebeu que não seria ele, mas sim o governador João Doria, quem sairia na foto ao lado do primeiro brasileiro vacinado contra a Covid (que na verdade foi uma brasileira).

A exemplo do aleijado que culpa a muleta por claudicar, o ministro insalubre da Saúde atribuiu a tragédia amazônica à falta de tratamento precoce — embora não exista tratamento precoce contra a Covid — e, no melhor estilo “pajé Bolsonaro“, pressionou a secretaria municipal da Saúde de Manaus a administrar fármacos sem eficácia comprovada no combate ao Sars-CoV-2, ignorou o pedido de discrição feito pelo governo indiano e trombeteou aos quatro ventos a compra do imunizante, além de mandar colar uma faixa de 64 metros de comprimento (vide imagem) na fuselagem do Airbus.

A despeito do contrato firmado com o Brasil, o governo indiano queria evitar a divulgação da venda de vacinas num momento em que a imunização de sua população não havia sequer começado. Graças à indiscrição "do um que manda e do outro que obedece", o assunto chegou ao conhecimento da imprensa indiana. Agora já não se sabe quando — nem se — os 2 milhões de doses da vacina produzida naquele país chegarão até nós. 

Diante desse cenário, o general que recebe ordens do capitão determinou o confisco da CoronaVac no paiol do inimigo. Na sexta-feira 15, o ministro mandou um ofício ao Butantan exigindo a entrega imediata de 6 milhões de doses da vacina. O instituto respondeu que só disponibilizaria o estoque depois que a pasta esclarecesse quanto do contingente já ficaria em São Paulo e o governador tucano aguardava apenas a aprovação da Anvisa para recorrer ao STF. 

"Aqui o Ministério da Saúde não manda nem intimida ninguém. Neste jogo pela vida, quem errou e perdeu até agora foi o Ministério da Saúde e seu déspota Jair Bolsonaro", ouvia-se pelos corredores do Palácio dos Bandeirantes.

No domingo 17, tanto a CoronaVac quando a vacina da AstraZeneca/Oxford tiveram o uso emergencial aprovado pela Anvisa. O Butantan já tem 10,8 milhões de doses disponíveis para aplicação, enquanto a Fiocruz aguarda chegada do imunizante vindo da Índia, ainda sem data prevista.

A Anvisa devolveu os documentos apresentados pelo laboratório União Química, responsável pela vacina Sputnik V, por não apresentar condições mínimas para submissão e análise pela agência. Por causa disso, o Fundo Russo de Investimento Direto anunciou que em até uma semana irá entregar todas as informações adicionais para o pedido de uso emergencial no Brasil. Isso inclui a permissão para iniciar os ensaios clínicos de fase 3 no país. Esse tipo de estudo é uma das exigências da Anvisa para liberar a utilização emergencial de um antígeno contra a Covid. Nove países já registraram o imunizante desenvolvido pelo Instituto Gamaleya.

O governo federal se comprometeu a distribuir as vacinas para todos os estados e municípios "de maneira exclusiva e simultânea". No entanto, considerando que o ministro intendente da Saúde já se mostrou capaz — dentre outros prodígios — de “esquecer” quase 7 milhões de testes RT-PCR num depósito federal em Guarulhos... sei não.

O furdunço está longe de acabar. Em recado ao governador de São Paulo, o residente da República afirmou que a vacina produzida pelo Butantan "não é de nenhum governador, é do Brasil— o que não deixa de ser um progresso considerável para quem até pouco tempo atrás se referia ao imunizante como “vacina chinesa do Dória”. 

No domingo, o governador paulista protagonizou na capital do estado um evento que marcou o início simbólico da vacinação no país. Irritado, Pazuello o acusou de deslealdade e de promover uma "jogada de marketing" em desacordo com a lei. Disse ainda essa sumidade: 

"Senhores governadores, não permitam movimentos político-eleitoreiros se aproveitando da vacinação em seus estados. O nosso único objetivo neste momento tem de ser o de salvar mais vidas, e não o de fazer propaganda própria". 

Doria rebateu: "A vacina é uma lição para vocês, autoritários que desprezam a vida, que não têm compaixão, que desprezam a atenção, a dedicação e a necessidade de proteger os brasileiros. Vocês não fizeram isso".

Integrantes do Palácio do Planalto admitem em caráter reservado que Doria venceu a batalha neste momento, mas o governo federal vai trabalhar para reverter a situação e capitanear, para o presidente da República, os méritos de uma vacinação em massa a partir de agora. Conforme um assessor palaciano, “perdemos a batalha, mas não a guerra”. Outro trunfo esperado pelo Planalto é o nível de eficácia da vacina de Oxford, que demonstrou eficácia de 70% após a aplicação da primeira dose. Dessa forma, integrantes do governo federal acreditam que, apesar de ela chegar mais tarde, sua efetividade será maior que a da CoronaVac. E isso tende a ser capitalizado por Bolsonaro.

A PGR abriu uma apuração preliminar para analisar a conduta do ministro da Saúde ante a notícia de que ele teria sido previamente avisado “sobre a escassez crítica de oxigênio em Manaus por integrantes do governo do Amazonas, pela empresa que fornece o produto e até mesmo por uma cunhada [...] mas não agiu”. 

Na semana passada Pazuello reconheceu publicamente a crise do oxigênio: “Quando cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada. O irmão não tinha oxigênio nem para passar o dia. 'Ah, acho que chega amanhã. O que você vai fazer?' Nada. Você e todo mundo vai esperar chegar o oxigênio para ser distribuído”.

Pazuello ainda não é formalmente investigado, mas Aras pode pedir ao STF a abertura de inquérito, como já pediu ao STJ que investigue o governador do Amazonas e a prefeitura de Manaus pelo colapso no sistema de saúde. Bolsonaro, porém, foi poupado pelo PGR.

A conferir.