Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-diretor da Anvisa, e José Gomes Temporão, ministro da Saúde durante o governo Lula, estão entre os médicos, enfermeiros e profissionais de saúde que assinaram um pedido de impeachment de Bolsonaro, informa a Folha. Trata-se do primeiro (de muitos, provavelmente) na gestão do atual presidente da Câmara, que se soma aos mais de 60 que foram engavetados por Rodrigo Maia, o inerte, e herdados por Lira, o lírico.
O documento acusa Bolsonaro da prática de crimes de responsabilidade durante o enfrentamento da epidemia de Covid no Brasil, mas o deputado alagoano já avisou que não vê clima: “É uma medida extrema, é uma medida de ruptura política. Qualquer movimento de ruptura política, democrática, ele paralisa o país.”
Pelo visto, Lira lavará as mãos como fez Pilatos e, a exemplo de Nero, tocará a si mesmo enquanto Roma pega fogo, ou melhor, enquanto mais de 1000 brasileiros perdem a vida, dia sim outro também, mercê o negacionismo do chefe do Executivo e a incompetência da quintessência da logística que lhe serve de servo no Ministério da Saúde. Vale a pena ler o que escreveu Mario Sabino sobre o assunto:
O presidente da
República Jair Bolsonaro é só mais um fanfarrão. Como acabamos de
publicar, ao discorrer sobre como evitar a difusão de fake news, uma especialidade sua, ele afirmou o seguinte, no canal
de Instagram do seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, conhecido carinhosamente como Dudu Bananinha:
“O certo é tirar de circulação, não vou
fazer isso porque eu sou um democrata, Globo, Folha de S. Paulo, Estadão,
Antagonista… que são fábricas de fake news. Agora, deixa o povo se
libertar. Logicamente que, se alguém extrapolar em alguma coisa, tem a Justiça
para recorrer.”
Bolsonaro é um fanfarrão porque acha que pode “tirar de circulação” veículos de imprensa e por afirmar que só
não o faz porque é “um democrata”.
Não pode, não. A liberdade de imprensa é garantia constitucional, não
é favor de “um democrata” como Bolsonaro. Quem tira jornal de
circulação é o leitor, quando deixa de comprá-lo. O que Bolsonaro pode fazer é estimular os seus partidários a deixar de
comprar jornais que mostram as mazelas do seu governo ou criticam a
sua psicopatia, e passar a consumir, no lugar de notícias, o lixo produzido
pelos veículos chapa branca que recebem dinheiro governamental. Há quem caia no
engodo em curso diariamente.
Bolsonaro também pode intimidar anunciantes para asfixiar a imprensa,
prática da qual já é useiro e vezeiro, em lição aprendida com aquele outro ás
da democracia, o senhor Luiz Inácio Lula
da Silva. E pressionar emissoras do interior, mais suscetíveis às
chantagens do poder, a não transmitir mais a programação de quem lhe é
crítico. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a Rádio Educadora, de
Uberlândia, que transmitia os programas Papo Antagonista, Reunião
de Pauta e Boletim
A+. Os diretores da emissora afirmaram ter recebido “ordens de cima”
para tirar os programas do ar.
Acertando ou
errando, a imprensa de verdade não vive de favores de “um democrata” como Jair Bolsonaro. Vive do trabalho de
apurar informações e publicar notícias de interesse público. Ao longo do
caminho por vezes pedregoso, a imprensa costuma sofrer algumas perdas pela ação
de governantes pouco afeitos à verdade dos fatos, mas sempre sobrevive a quem
lhe tenta assassinar. Não há sociedade livre sem imprensa livre, mas as
sociedades livres sempre podem dispensar Lulas
e Bolsonaros, como mostra a
história. Eles só são essenciais nos seus delírios de grandeza.
Muita gente acredita que o maior problema de Bolsonaro é saber por onde começar a gestão da pandemia, diz Josias de Souza. Engano. O maior problema do presidente é saber onde parar. Costuma-se dizer que o chefe da nação não gosta de usar máscara. Lorota. Instalou-se no Planalto um inimigo camuflado sob a máscara de presidente. O Brasil foi transformado numa zona de guerra. O vírus não é o único adversário. Os brasileiros estão sendo violentamente atacados pelo governo. A biblioteca do Palácio da Alvorada virou trincheira. É dali que, em transmissões ao vivo, Bolsonaro faz ataques regulares. Cada frase é um míssil que atinge o país.
"Pessoal, começam a aparecer estudos aqui
— não vou entrar em detalhes, né? —sobre o uso de máscaras",
disparou o inimigo durante sua penúltima live. "Num primeiro momento aqui, uma universidade alemã fala que elas são
prejudiciais a crianças. Começam a aparecer aqui os efeitos colaterais das
máscaras..."
Bolsonaro é o efeito colateral de si mesmo. Cada gesto estapafúrdio que ele
encena sob a máscara de presidente parece ter sido planejado para confundir o
brasileiro, obrigando-o a usar a palavra "estapafúrdio" — um vocábulo quase tão esdrúxulo quanto Pazuello, outro morteiro que atinge a
nação.
Num instante em que
os mortos da Covid ultrapassam a
marca macabra de 250 mil, o capitão do Planalto invade a Petrobras. E o general
da Saúde envia para o Amapá as doses de vacina destinadas ao Amazonas.
Aguarda-se a explicação que o general Joaquim
Silva e Luna, novo chefe da estatal petroleira, dará sobre as artimanhas
logísticas que levam o colega Pazuello
a tomar decisões como uma dona de casa cega que guarda sal numa lata de açúcar,
na qual está escrito café.
Num bombardeio de
dezembro, Bolsonaro soltou sobre o
campo de batalha a previsão de que o Brasil vive "um finalzinho de pandemia". Hoje, decorridos dois meses, o
país vive a pior fase da pandemia — um caos crescente, com viés de colapso
nacional.
Segundo Pazuello, o esdrúxulo, há na praça uma
mutação viral que multiplica por três o poder de contágio. O que não impede o
presidente mascarado de realizar ataques frontais à inteligência alheia. "Quem quer auxílio emergencial e a cidade
está fechada... Vão cobrar do prefeito, vão cobrar do governador, já que ele
quer que você fique em casa eternamente e quer mandar a conta para nós pagarmos."
O presidente
mascarado revela-se capaz de tudo, exceto de se enxergar como um corresponsável
pela devastação sanitária. O estapafúrdio não se reconhece no reflexo do
espelho. Citado em sua live, o "estudo" sobre o uso de máscara por
crianças é, na verdade, uma enquete mambembe. Coisa imprestável. Nesta sexta,
de passagem pelo Ceará, disse ele, sobre o isolamento social: "O povo não aguenta mais ficar dentro de
casa. Esses que fecham tudo e destroem empregos estão na contramão daquilo que
seu povo quer." Como se vê, Bolsonaro
não sofre de insanidade. Ele aproveita cada segundo dela.
Antes, o Brasil era
mundialmente conhecido como o “país do jeitinho”.
Sob Bolsonaro, tornou-se um país que
não tem jeito.
O Brasil
equilibrou-se por tanto tempo na beirada do vácuo que acreditou que o abismo, a
exemplo do inferno da escatologia cristã, era mais uma ficção admonitória do
que a realidade de uma crise terminal. A ficção tornou-se real. Sumiu a ideia
de que o Brasil está à beira do abismo. O país experimenta a vivência do
abismo. No buraco, contabiliza há 37 dias uma média de mais de mil cadáveres a
cada 24 horas. Chora os mais de 250 mil mortos em um ano de pandemia.
Absorvido pela
celebração ou execração do bicampeonato do Flamengo,
o brasileiro demora a notar que o Brasil morre junto com as vítimas do vírus.
E, suprema desgraça, o país ainda não foi para o céu. Bolsonaro se autoimpôs a missão revolucionária de revelar ao Brasil
que o inferno existe. Ele não dispõe de um plano de ação. Tem apenas um
versículo do Evangelho de João:
"Conhecereis a verdade, e a
verdade vos libertará."
A verdade que
interessa a Bolsonaro, presidente
"imbrochável", é a mais profunda. Mesmo que as profundezas
enlouqueçam o Brasil. Na sua busca por uma verdade sem limites, comanda o
governo do não planejamento. É a síntese do erro total. Ele faz o pior o melhor
que pode. Nas últimas 48 horas, criticou o uso de máscaras e o isolamento
social. Recusa-se a cometer erros novos. É como se quisesse provar que é
errando que se aprende... a errar.
Contra as máscaras, Bolsonaro esgrimiu uma enquete
mequetrefe como se fosse o estudo de uma universidade alemã. Contra o
isolamento, disse que uma nova rodada de auxílio emergencial deveria ser
bancada não pela União, mas por governadores e prefeitos malvados que pregam o
lema do "fiquem em casa".
Uma morte é uma
fatalidade. Meia dúzia, uma tragédia. Mais de 250 mil, para Bolsonaro, é apenas mais uma
estatística. Quando havia mil mortos, ele falou em "gripezinha". Aos
5 mil, queixou-se da "histeria". Quando lhe perguntaram sobre os 10
mil corpos, disse "não sou coveiro".
Na marca de 20 mil, perguntou: "E
daí?". Aos 30 mil mortos, declarou que "todo mundo morre um dia". No recorde de 40 mil, fez um
convite: "Invadam hospitais e
filmem leitos vazios". Com 50 mil mortos, continuava assegurando que
"a hidroxicloroquina salva".
Na ultrapassagem dos 100 mil cadáveres, declarou "vamos tocar a vida". Agora, às voltas com mais de 250 mil
mortos, continua soando como Bolsonaro.
Depois de tantas
frases perversas, de Pazuello, de
conspiração antivacina... depois de tantas barbaridades, não resta ao
brasileiro senão enfrentar a tragédia. Bolsonaro
não é o problema do Brasil. O país é que é o problema dele. É possível enxergar
um lado positivo na crise que presidente potencializa, mesmo que seja
necessário procurar um pouco. Devagarinho, o caos transforma o Brasil num lugar
perfeito para a construção de algo infernalmente novo.