O Teorema do Macaco Infinito, descrito pelo matemático Émile Borel em 1913, afirma que um macaco, digitando aleatoriamente em um teclado por um intervalo de tempo infinito, quase certamente escreverá a obra completa de Shakespeare — “quase certamente” é um termo matemático com um significado preciso, enquanto o macaco é apenas uma metáfora para um dispositivo abstrato que produza uma sequência aleatória de letras ad infinitum.
Aceitar essa premissa nos autorizaria a dizer que o governo de Jair Messias Bolsonaro, se mantido por um intervalo de tempo infinito, quase certamente produziria ao menos um resultado positivo. A questão é que o país não dispõe de um intervalo de tempo infinito para pôr à prova a teoria.
Por outro lado, antecipar a troca de comando a 18 meses da próxima eleição presidencial é virtualmente impossível, pelo menos se a ideia for seguir o que reza a Constituição. Pôr para andar um dos mais de 70 pedidos de impeachment que dormitam nos escaninhos da Câmara (ora sob o comando do réu Artur Lira) era algo que deveria ter sido feito em algum momento do biênio 2019/20, quando Rodrigo Maia, cantava de galo no terreiro. Mas Botafogo perdeu o bonde da história.
Levar adiante o pedido de abertura de CPI para investigar as atrocidades havidas na Saúde durante a gestão do vassalo do capitão-cloroquina — que, se houver empenho dos senadores, trará a lume indícios de crimes de responsabilidade suficientes para embasar mais uma dúzia de pedidos de impeachment contra o suserano do general-interventor Eduardo Pesadelo — também demanda tempo e vontade política. Pelo visto, a permanência (ou não) do general da banda no coreto até o final do ano que vem vai depender do Sars-CoV-2 e a prorrogação de seu mandato, da récua de muares descrebrados (que atendem por "elitorado") que sobreviver à pandemia.
Vale lembrar que o primeiro caso de Covid no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020 e a primeira morte, 20 dias depois. Março contabilizou 5.717 novas infecções e 201 vítimas fatais. Em junho, o número de casos passou de 1 milhão; julho terminou com 2,7 milhões de infecções e 90 mil mortos e 2020, com 7,7 milhões e 195 mil. Hoje, enquanto as águas de março fecham o verão tupiniquim, o braço verde e amarelo da pandemia bate firme e forte: somadas aos 3.368 óbitos ocorridos somente no último sábado, a pilha de cadáveres ultrapassou 310 mil, e a média móvel de mortes nos últimos 7 dias chegou a 2.548 (um aumento de 39% em relação a duas semanas atrás).
Seria injusto culpar apenas a péssima gestão do capitão-negação no enfrentamento da pandemia por tamanho descalabro, embora não seja possível eximi-lo da responsabilidade. O gerenciamento da crise sanitária foi inepto (para não dizer trágico) desde o início. Uma combinação de negacionismo, gritaria em torno de pautas irrelevantes, silêncio sobre assuntos relevantes e estímulo à discórdia levou a esse descalabro.
Na gestão Mandetta houve mais acertos do que erros; da passagem de Teich pelo ministério — que durou menos de um mês, porque o oncologista se recusou a recomendar oficialmente um protocolo para uso da cloroquina no tratamento da Covid — restaram a valiosa lição de que “a vida é feita de escolhas”. Promovido pelo morubixaba da aldeia a pajé interino em 16 de maio e efetivado no cargo quatro meses depois, o autodeclarado luminar da logística, fiel seguidor do mandamento militar segundo o qual “um manda e o outro obedece”, transformou em cabide de farda a pasta sob seu comando e numa calamidade maior do que a própria pandemia sua desditosa gestão.
Observação: Em entrevista ao Estadão, Ricardo Lacerda, presidente do banco de investimentos BR
Partners, assim se pronunciou: “O despreparo de
Jair Bolsonaro está levando ao colapso da saúde e da economia. Seus erros
estão fartamente documentados. Chegou a hora de dar um basta a tudo
isso. O presidente precisa assumir um compromisso com a ciência e com pessoas
que trabalhem e deixem a ideologia de lado. Se for incapaz disso, melhor
deixar o cargo.”
Em novembro, o jornal O
Estado de S. Paulo revelou que 7 milhões de testes PT-PCR próximos do fim da validade haviam sido “esquecidos” num depósito
federal em Guarulhos. O ministério culpou os estados e municípios pela
situação, dizendo que se limita a repassar os testes a pedido dos entes federativos.
Secretários estaduais e municipais de Saúde acusaram a pasta de ter enviado
testes incompletos, com número reduzido de reagentes, tubos e cotonetes para
coletar amostras.
Pazuello só
apresentou o Plano Nacional de Vacinação
após exigência do STF. Pressionado,
chegou a dizer que disse que a população começaria a ser imunizada no
dia D e na hora H, e a questionar, irritado, o porquê de “tanta ansiedade, tanta angústia” ,
como se a morte de mais de 1.000 brasileiros todos os dias fosse a coisa mais
natural deste mundo. Depois que o governador João Doria ameaçou começar a vacinar os paulistas no dia 17 de
janeiro, Pazunaro — ou Bolzuello — despertou de sua letargia,
mas os primeiros meses de execução do plano foram marcados por atrasos e
revisões de prazo. Só neste mês, em apenas oito dias, o general vassalo do
capitão suserano reduziu cinco vezes a previsão de entrega de vacinas (no final
de fevereiro, a pasta falava em entregar quase 49 milhões de doses para estados
e municípios; em 10 de março, a projeção era de entre 22 milhões e 25 milhões
de doses).
Mas não é só. Durante o ápice do colapso sanitário em Manaus,
enquanto pacientes morriam nos hospitais por falta de oxigênio, o mestre em
logística distribuía kits-covid para
um tal “tratamento precoce” que recomendava a ingestão de cloroquina, hidroxicloroquina,
ivermectina, azitromicina e doxiciclina
a quem apresentasse os primeiros sintomas da doença. Em janeiro, o general
esteve em Manaus para lançar um aplicativo (de uso restrito médico) que
indicava os mesmos remédios ineficazes, inclusive para crianças. Dias depois, quando
a cidade passou a registrar mortes de pacientes por falta de oxigênio, o app
foi tirado do ar.
Sob pressão, Pazuello
tentou mudar o discurso: “Falamos de
atendimento precoce. Não de tratamento precoce”, disse o militar, tornando
a emenda ainda pior que o soneto — além de não conter o avanço da doença, a obstinação
pelo tratamento inócuo custou rios de dinheiro que poderiam ter sido
canalizados para outras ações, como logística de distribuição de vacinas e
suprimento de oxigênio para hospitais. Ainda em janeiro, criticado pela compra
frustrada de seringas para a campanha de vacinação o logístico de araque
argumentou que o fiasco ocorreu porque o preço cobrado pelas empresas ficou
acima do valor estimado pelo governo, quando na verdade faltou planejamento
para adquirir os insumos com a devida antecedência.
A despeito disso tudo e mais um pouco, ao anunciar a substituição
da incompetência em forma de gente pelo cardiologista Marcelo Queiroga, Bolsonaro
assim se pronunciou: “Quero
cumprimentar o Pazuello, que está nos deixando amanhã (sexta-feira) e fez
um brilhante trabalho no Ministério da Saúde. Quando ele assumiu, lá tinha um problema seríssimo de gestão, muitos
ralos, muita coisa esquisita e quase nada informatizado. Ele teve fazer uma
assepsia no Ministério da Saúde. E fez um trabalho excepcional”.
Errar é humano, persistir no erro é burrice e repeti-lo
incontáveis vezes, esperando produzir um acerto, é uma das melhores definições
de cretinice que conheço. Em março do ano passado, a pretexto de aumentar a
adesão ao isolamento social, o prefeito Bruno
Covas bloqueou ruas e avenidas da capital
paulista. A medida só não foi inócua porque serviu para produzir
engarrafamentos monstruosos. Em maio, com o mesmo propósito, o tucano achou de endurecer
as regras do rodízio municipal — mas voltou atrás 5 dias depois, já que
a sandice resultou na superlotação no transporte público. Mais adiante, também a
pretexto de estimular a adesão ao isolamento social, Covas e o governador João Doria
anteciparam uma penca de feriados para produzir um "megaferiadão".
Como era esperado, o tiro saiu pela culatra.
Passado um ano, nosso alcaide se inspirou no inusitado “toque de recolher” que
foi incluído pelo governo do Estado na fase mais restritiva de combate à pandemia
para alterar o horário do rodízio
municipal de veículos, que passou a ser
das
8h da noite às 5h da manhã, inclusive nos finais de semana. E como se dois
erros tivessem o condão de produzir um acerto, Covas requentou
a ideia do “megaferiadão” — desta
vez à revelia de Doria, que criticou
a “falta de bom senso” do correligionário. Assiste razão ao governador.
Pelo que se viu até agora, para além de gerar atritos com prefeitos de municípios
da Baixada Santista — que enfrentam o pior momento da pandemia — a ideia
asinina do prefeito causou engarrafamentos quilométricos nas rodovias que levam
ao litoral. Nem mesmo as barreiras sanitárias feitas pelas prefeituras foram
suficientes para barrar a entrada dos viajantes.
Doria governa o
maior e mais importante estado do País — a terceira maior economia da América
Latina, responsável por 32% do PIB nacional e o único ente da Federação que
apresentou crescimento econômico em 2020. Diante de números assim, pergunta o blogueiro,
colunista e contestador por natureza Ricardo
Kertzman, qual presidente da República poderia ser estúpido o bastante
para, em vez de se associar a São Paulo, ser seu detrator? A resposta é: o
mesmo que prefere cloroquina à vacina e curandeirismo à ciência, que é amigão
de Fabrício Queiroz, pai do dono de
uma mansão de R$ 6 milhões e reconhecido mundialmente como o pior governante do
mundo.
Políticos vivem da imagem que constroem e das realizações de seus mandatos. Nada mais natural que politizar ao máximo aquilo que importa à população. Tanto Doria quanto Bolsonaro estão de olho em 2022 e nenhum dos faz um pronunciamento público que não seja de cunho político-eleitoral. A diferença é que Doria politizou a pandemia para o bem e salvou vidas, e Bolsonaro, para o mal, e ajudou a matar seus compatriotas. Enquanto o tucano tem o que mostrar, o sociopata sem partido que transformou o Brasil num cemitério continental mente e ofende por não ter o que mostrar.
Goste-se ou não do jeito do governador de São Paulo — que para mim não fede nem cheira — devemos muito a ele. Goste-se ou não do jeito do presidente da República — que passei a considerar uma versão de Lula com a polaridade invertida, mas ainda mais tosca e mal-acabada que o ex-presidiário — não lhe devemos nada, senão ações penais pela conduta homicida. O “calça apertada” doa seu salário. O “mito” se apropria de rachadinhas. O marqueteiro de São Paulo faz propaganda de vacina. O de Brasília, de cloroquina.
Se for para aguentar político fanfarrão e ruim de marketing, fico com o “engomadinho” mesmo.