sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

NO DIA D, NA HORA H, O POVO VAI TOMAR NO C!

O título desta postagem foi inspirado num comentário de José Simão sobre a interminável novela da vacinação cujo enredo muda a cada ato (ora não tem vacina, ora não tem seringa, ora não tem quem aplique, e por aí vai). Tamanha incompetência lembra a velha — mas imperdível — anedota que publiquei em “O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.” Dito isso, vamos adiante.

Nem mesmo Dilma, que saudava a mandioca, estocava vento e dobrava metas inexistentes, demonstrava tanta “falta de absolutamente” quanto a dupla formada pelo “suserano que manda e o vassalo que obedece”, em que o mestre, calado, é um poeta, e o vassalo, ao cumprir suas ordens, banca o pateta. 

A penúltima versão do cronograma arquitetado pelo dueto de luminares foi particularmente impressionante pela precisão suíça e pontualidade britânica do grande logístico. Nas palavras do dito-cujo, a vacinação em massa “começará no dia D e na hora H”. 

O problema é que o ministro-general empacou tanto no “Dia D” — que já foi em março, depois em fevereiro, depois e dezembro e agora pode ser em janeiro ou em fevereiro — quanto na “Hora H” — que pode ser qualquer uma, desde que o capitão-presidente saia na foto ao lado do primeiro brasileiro imunizado contra a Covid. Daí a conclusão de que o importante não é vacinar, mas vacinar primeiro.

ObservaçãoNo jargão militar, o Dia-D (do D-Day) designa a data em que uma operação de combate deve ser iniciada, embora seja comumente associado ao desembarques da Normandia durante a 2ª Guerra Mundial. Hora-H entrou para o léxico com o significado de “momento exato, decisivo”, inclusive com desdobramentos eróticos (“o que você diz a seu parceiro na Hora-H?”; “o medo do fracasso na Hora-H pode levar à impotência”, etc.).

Uma tão inoportuna quanto irresponsável disputa por protagonismo político injetou o vírus da polarização na "corrida" entre a CoronaVac e a Vacina de Oxford. A Anvisa, que dança conforme a melodia reproduzida pelos alto-falantes do Planalto, marca o passo, enquanto o general da banda pressiona pelo “Dia-D” e, de olho na “Hora-H”, sonha com unicórnios fardados enquanto decide o melhor momento de culpar a mídia, os governadores, o papa ou Jesus Cristo pela própria incapacidade. 

Desde que a desculparia soe crível aos ouvidos da récua que o apoia nas redes sociais, que siga o baile!

Pra que essa ansiedade, essa angústia? Somos referência na América Latina e estamos trabalhando”, questionou o logístico general, enquanto apresentava a sexta ou sétima versão de seu arremedo plano de imunização. Com efeito, o Brasil era tido como referência mundial em vacinação. Mas o questionamento do títere evidencia que tanto ele quanto seu titereiro também são referências, só que em incompetência, incúria, irresponsabilidade e inoperância. 

Como esperar que o SUS cumpra seu papel se o Ministério da Saúde deixa para adquirir vacinas, seringas, agulhas e outros insumos quando 7 bilhões de pessoas estão disputando a tapa esses mesmos produtos? Ou se quem realmente dá as ordens manda suspender as negociações até que os preços “voltem à normalidade”, alegando que estados e municípios têm estoques suficientes para o início da vacinação

Num espaço de duas semanas, o diligente ministro anunciou três datas para o início do plano de imunização. Confusão semelhante ocorreu com os prazos da Anvisa, cujo presidente é o médico e contra-almirante Antonio Barra Torres, que já acompanhou Bolsonaro em manifestações pró-governo, em meio à pandemia, sem usar máscara nem seguir qualquer protocolo de segurança. Pela proximidade com o capitão-cloroquina, Barra Torres chegou a ser cotado não uma, mas duas vezes para comandar a pasta da Saúde.

Quanto a “estarem trabalhando”, melhor fariam se delegassem a tarefa a quem é do ramo e entende do riscado. E saíssem de cena. Quanto mais eles fazem (ou dizem fazer), pior fica a situação do país.

Em meio ao agravamento da crise na capital do Amazonas, um ofício da pasta da Saúde, enviado à Secretaria Municipal de Saúde de Manaus e assinado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde, Mayra Isabel Correia Pinheiro — médica que em 2013 hostilizou médicos cubanos em curso do programa Mais Médicos —, ressaltou a “comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus a não adoção da referida orientação”. Destinatária do ofício, a secretária de Saúde Shadia Fraxe disse ao Painel da Folha de S.Paulo que somente distribuirá medicamentos cuja eficácia tenha sido comprovada por estudos científicos. 

Observação: Com a rede de atendimento em colapso e sem oxigênio, Manaus deve transferir cerca de 750 pacientes para hospitais do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal. Segundo as autoridades locais, seriam necessários 76.400 m³ de oxigênio para atender hospitais públicos e privados do município, mas a capacidade de entrega das empresas tem sido somente de 28.200 m³/dia. 

Para o capitão-cloroquina, a crise de saúde no Amazonas se deve à falta do “tratamento precoce”. Por alguma razão incerta e não sabida, o sujeito tem obsessão por fármacos sem eficácia comprovada no combate à Covid, como a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, mas é refratário a medidas preventivas que reduzem a disseminação do vírus, como uso de máscara e distanciamento social.

Em agosto do ano passado, o CEO da Pfizer solicitou por carta ao Ministério da Saúde a confirmação do interesse do governo federal na aquisição de seu imunizante, que avançava para a fase fina de testes. Executivos da empresa já haviam se reunido com representantes do governo, dizia a missiva, mas não receberam resposta. 

Em novembro, ao tomar conhecimento da carta, um membro do alto escalão do governo conversou sobre o assunto com Bolsonaro, que então deu sinal verde a Pazuello para iniciar as negociações. Mas o ministro só deu andamento ao assunto no mês seguinte, quando já não tinha alternativas a oferecer a curto prazo à população, enquanto o governador de São Paulo já havia anunciado que começaria a vacinar os paulistas em 25 de janeiro.

Bolsonaro, que chegou a comemorar a interrupção dos testes da “vacina chinesa do Doria” devido à morte de um voluntário (por suicídio, como se veio a saber depois), agora tripudia da taxa de eficácia do imunizante, mas só porque o Butantan é uma instituição pública ligada à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 

Será que essa vacina de 50% é boa?”, perguntou sua insolência a seus miquinhos amestrados, com um sorrisinho apalermado de deboche no rosto.

A melhor vacina é a que está disponível mais rápido e que pode vacinar mais gente, e a melhor saída da pandemia é ter alguma vacina razoavelmente eficaz e segura”, afirmou o pesquisador Marcio Sommer Bittencourt, repercutindo o que parte da comunidade científica tenta transmitir à população em relação à CoronaVac — que, nos testes, reduziu em 78% os casos que precisariam de internação e em 50,4% a doença com qualquer nível de gravidade. 

Segundo a doutora em microbiologia Natália Pasternak, o imunizante da SinoVac/Butantan foi testado dentro do maior padrão de rigor clínico, e é “uma vacina possível e adequada o Brasil”. Seu índice de eficácia de 50,4% significa que é preciso vacinar cerca de 90% da população para pôr fim à pandemia. Com a vacina da Oxford, cuja eficácia estimada é de 70%, o mesmo resultado pode ser obtido com a vacinação de 80% da população.

Importa dizer que cada pessoa que se vacinar representará uma vitória, e cada pessoa que se recusar a tomar o imunizante, uma derrota. Infelizmente, o presidente, com seu negacionismo explícito e seus péssimo exemplos, expulsa as pessoas da fila a pontapés.

Por último, mas não menos importante: A Diretoria Colegiada da Anvisa se reunirá no próximo domingo (17) para decidir sobre os pedidos de uso emergencial das vacinas da Fiocruz e do Butantan (a reunião será transmitida ao vivo). 

Ontem, a agência pediu informação adicionais sobre ambos os imunizantes e destacou que, sem elas, não poderá cumprir o prazo de até 10 dias. 

No caso da CoronaVac, as informações já haviam sido solicitadas no sábado passado (9), e o Butantan informou que criou uma força-tarefa quando da primeira solicitação, e que entregará os dados “ainda nesta semana”. 

Dos cinco diretores da Anvisa que votarão sobre a liberação do medicamento, três foram indicados por Bolsonaro: Antônio Barra Torres — que preside da agência —, Cristiane Rosa Jourdan Gomes e Romison Rodrigues Mota. O quarto integrante, Alex Machado Campos, é uma indicação do centrão. 

Somente uma diretora, Meiruze Sousa Freitas, é servidora de carreira da agência.