O título desta postagem foi inspirado num comentário de José Simão sobre a interminável novela da vacinação cujo enredo muda a cada ato (ora não tem vacina, ora não tem seringa, ora não tem quem aplique, e por aí vai). Tamanha incompetência lembra a velha — mas imperdível — anedota que publiquei em “O INFERNO EXISTE, É AQUI E NÃO FUNCIONA.” Dito isso, vamos adiante.
Nem mesmo Dilma, que saudava a mandioca, estocava vento e dobrava metas inexistentes, demonstrava tanta “falta de absolutamente” quanto a dupla formada pelo “suserano que manda e o vassalo que obedece”, em que o mestre, calado, é um poeta, e o vassalo, ao cumprir suas ordens, banca o pateta.
A penúltima versão do cronograma arquitetado pelo dueto de luminares foi particularmente impressionante pela precisão suíça e pontualidade britânica do grande logístico. Nas palavras do dito-cujo, a vacinação em massa “começará no dia D e na hora H”.
O problema é que o ministro-general empacou tanto no “Dia D” — que já foi em março, depois em fevereiro, depois e dezembro e agora pode ser em janeiro ou em fevereiro — quanto na “Hora H” — que pode ser qualquer uma, desde que o capitão-presidente saia na foto ao lado do primeiro brasileiro imunizado contra a Covid. Daí a conclusão de que o importante não é vacinar, mas vacinar primeiro.
Observação: No
jargão militar, o Dia-D (do D-Day) designa a data em que uma operação
de combate deve ser iniciada, embora seja comumente associado ao desembarques
da Normandia durante a 2ª Guerra Mundial. Hora-H entrou para o léxico com o
significado de “momento exato, decisivo”, inclusive com desdobramentos eróticos
(“o que você diz a seu parceiro na Hora-H?”;
“o medo do fracasso na Hora-H pode
levar à impotência”, etc.).
Uma tão inoportuna quanto irresponsável disputa por protagonismo político injetou o vírus da polarização na "corrida" entre a CoronaVac e a Vacina de Oxford. A Anvisa, que dança conforme a melodia reproduzida pelos alto-falantes do Planalto, marca o passo, enquanto o general da banda pressiona pelo “Dia-D” e, de olho na “Hora-H”, sonha com unicórnios fardados enquanto decide o melhor momento de culpar a mídia, os governadores, o papa ou Jesus Cristo pela própria incapacidade.
Desde que a desculparia
soe crível aos ouvidos da récua que o apoia nas redes sociais, que siga
o baile!
“Pra que essa ansiedade, essa angústia? Somos referência na América Latina e estamos trabalhando”, questionou o logístico general, enquanto apresentava a sexta ou sétima versão de seu arremedo plano de imunização. Com efeito, o Brasil era tido como referência mundial em vacinação. Mas o questionamento do títere evidencia que tanto ele quanto seu titereiro também são referências, só que em incompetência, incúria, irresponsabilidade e inoperância.
Como esperar que o SUS cumpra seu papel se o Ministério da Saúde deixa para adquirir vacinas, seringas, agulhas e outros insumos quando 7 bilhões de pessoas estão disputando a tapa esses mesmos produtos? Ou se quem realmente dá as ordens manda suspender as negociações até que os preços “voltem à normalidade”, alegando que estados e municípios têm estoques suficientes para o início da vacinação?
Num espaço de duas
semanas, o diligente ministro anunciou três
datas para o início do plano de imunização. Confusão semelhante ocorreu com os
prazos da Anvisa, cujo presidente é
o médico e contra-almirante Antonio
Barra Torres, que já acompanhou Bolsonaro em manifestações pró-governo, em meio à pandemia, sem usar máscara nem seguir qualquer protocolo de
segurança. Pela proximidade com o capitão-cloroquina, Barra Torres chegou a ser
cotado não uma, mas duas vezes para comandar a pasta da Saúde.
Quanto
a “estarem trabalhando”, melhor
fariam se delegassem a tarefa a quem é do ramo e entende do riscado. E saíssem
de cena. Quanto mais eles fazem (ou dizem fazer), pior fica a situação
do país.
Em meio ao agravamento da crise na capital do Amazonas, um ofício da pasta da Saúde, enviado à Secretaria Municipal de Saúde de Manaus e assinado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde, Mayra Isabel Correia Pinheiro — médica que em 2013 hostilizou médicos cubanos em curso do programa Mais Médicos —, ressaltou a “comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação de saúde em Manaus a não adoção da referida orientação”. Destinatária do ofício, a secretária de Saúde Shadia Fraxe disse ao Painel da Folha de S.Paulo que somente distribuirá medicamentos cuja eficácia tenha sido comprovada por estudos científicos.
Observação: Com a rede de atendimento em colapso e sem oxigênio, Manaus deve transferir cerca de 750 pacientes para hospitais do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal. Segundo as autoridades locais, seriam necessários 76.400 m³ de oxigênio para atender hospitais públicos e privados do município, mas a capacidade de entrega das empresas tem sido somente de 28.200 m³/dia.
Para o capitão-cloroquina, a crise de saúde no Amazonas se deve à falta do “tratamento precoce”. Por alguma razão incerta e não sabida, o sujeito tem obsessão por fármacos sem eficácia comprovada no combate à Covid, como a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, mas é refratário a medidas preventivas que reduzem a disseminação do vírus, como uso de máscara e distanciamento social.
Em agosto do ano passado, o CEO da Pfizer solicitou por carta ao Ministério da Saúde a confirmação do interesse do governo federal na aquisição de seu imunizante, que avançava para a fase fina de testes. Executivos da empresa já haviam se reunido com representantes do governo, dizia a missiva, mas não receberam resposta.
Em novembro, ao tomar conhecimento da carta, um membro do alto escalão do governo conversou sobre o assunto com Bolsonaro, que então deu sinal verde a Pazuello para iniciar as negociações. Mas o ministro só deu andamento ao assunto no mês seguinte, quando já não tinha alternativas a oferecer a curto prazo à população, enquanto o governador de São Paulo já havia anunciado que começaria a vacinar os paulistas em 25 de janeiro.
Bolsonaro, que chegou a comemorar a interrupção dos testes da “vacina chinesa do Doria” devido à morte de um voluntário (por suicídio, como se veio a saber depois), agora tripudia da taxa de eficácia do imunizante, mas só porque o Butantan é uma instituição pública ligada à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
“Será que essa vacina de 50% é boa?”,
perguntou sua insolência a seus miquinhos amestrados, com um sorrisinho apalermado de deboche no rosto.
“A melhor vacina é a que está disponível mais rápido e que pode vacinar mais gente, e a melhor saída da pandemia é ter alguma vacina razoavelmente eficaz e segura”, afirmou o pesquisador Marcio Sommer Bittencourt, repercutindo o que parte da comunidade científica tenta transmitir à população em relação à CoronaVac — que, nos testes, reduziu em 78% os casos que precisariam de internação e em 50,4% a doença com qualquer nível de gravidade.
Segundo a doutora em microbiologia Natália Pasternak, o imunizante da SinoVac/Butantan foi testado dentro do maior padrão de rigor
clínico, e é “uma vacina possível e
adequada o Brasil”. Seu índice de eficácia de 50,4% significa que é preciso vacinar
cerca de 90% da população para pôr fim à pandemia. Com a vacina da Oxford, cuja eficácia estimada é de 70%,
o mesmo resultado pode ser obtido com a vacinação de 80% da população.
Importa dizer que cada pessoa que se vacinar representará uma
vitória, e cada pessoa que se recusar a tomar o imunizante, uma derrota.
Infelizmente, o presidente, com seu negacionismo explícito e seus péssimo
exemplos, expulsa as pessoas da fila a pontapés.
Por último, mas não menos importante: A Diretoria Colegiada da Anvisa se reunirá no próximo domingo (17) para decidir sobre os pedidos de uso emergencial das vacinas da Fiocruz e do Butantan (a reunião será transmitida ao vivo).
Ontem, a agência pediu informação adicionais sobre ambos os imunizantes e destacou que, sem elas, não poderá cumprir o prazo de até 10 dias.
No caso da CoronaVac, as informações já haviam sido solicitadas no sábado passado (9), e o Butantan informou que criou uma força-tarefa quando da primeira solicitação, e que entregará os dados “ainda nesta semana”.
Dos cinco diretores da Anvisa que votarão sobre a liberação do medicamento, três foram indicados por Bolsonaro: Antônio Barra Torres — que preside da agência —, Cristiane Rosa Jourdan Gomes e Romison Rodrigues Mota. O quarto integrante, Alex Machado Campos, é uma indicação do centrão.