segunda-feira, 15 de março de 2021

PARECE QUE VAI TUDO PRO SACO. SE AINDA NÃO FOI, NÃO SE PREOCUPEM, QUE É SÓ UMA QUESTÃO DE TEMPO


Praticamente não se falou em outra coisa durante a semana passada, mas a decisão estrambótica do ministro Fachin — que se revelou uma manobra desastrosa — ainda vai dar muito pano pra manga. Aliás, em sua Carta ao Leitor, a revista Veja desta semana salienta que poucas semanas foram tão ruidosas na história recente do Brasil quanto a que se encerrou ontem (com o devido respeito a quem pensa diferente, a semana termina no domingo), e ressalve-se que a rotina nacional tem sido imprevisível desde 2013, pelo menos.

Graças à falta de planejamento e do negacionismo por parte do governo federal, vivemos um período trágico, com a pandemia desenhando o pior cenário desde fevereiro do ano passado, quando o primeiro caso de Covid-19 desembargou no Brasil, de carona com um empresário paulista, recém chegado de uma viagem à região da Lombardia, na Itália.

Como desgraça pouca é bobagem, uma decisão extemporânea (para não dizer vergonhosa) do supremo togado Luís Edson Fachin produziu, simultaneamente, dois fenômenos notáveis, a saber: 1) a implosão da Lava-Jato, decidida justamente por um de seus defensores; 2) o retorno imediato da elegibilidade da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil, alterando significativamente o xadrez eleitoral para 2022.

De forma monocrática (mas não liminar; é bom que isso fique bem claro) o togado alegou, na segunda-feira passada, que o parteiro do Brasil Maravilha não deveria ter sido julgado em Curitiba, mas, sim, em Brasília, a despeito de a competência da 13ª Vara Federal do Paraná já ter sido reconhecia pelo STF e pelo próprio Fachin. Pode-se até aceitar que a responsabilidade dos processos estivesse errada desde sua origem, mas decretá-la cinco anos depois é teratologia com uma generosa pitada de falta respeito com o papel da Justiça nesta republiqueta de bananas e com o povo que habita este vale de lágrimas. Atitudes assim não só desgastam a imagem do STF como reforça o discurso daqueles que pregam uma ruptura institucional.

Com o bom-senso que lhe é peculiar, Dora Kramer diz que reação do senso comum à retomada da condição de elegibilidade do deus pai da Petelândia levará este último a disputar a presidência em 2022, restabelecendo com tintas mais fortes o cenário de polarização entre extremos de 2018 e resultando na inevitável vitória de um dos dois extremistas extremados. Trata-se, porém, de uma conclusão tão rápida e fácil quanto não necessariamente acertada, seja porque a situação de Lula é tão incerta quanto o passado nesta republiqueta de almanaque — ainda que se confirme sua condição de ficha-limpa formal, isso não se estende ao campo moral, fator que é apenas um entre os vários que representam mais dificuldades que facilidades ao curso exitoso de uma candidatura presidencial do petista.

A cena hoje é muito diferente da anterior e completamente diversa daquela de quase vinte anos atrás, quando o PT ganhou a eleição cheio de razão junto ao eleitorado que via o partido com expectativa de boa governança, da solução para a desigualdade social e da entrada do país no rol dos adeptos da ética na política. Nesse quadro, acrescido do fato de o Brasil ser hoje muito mais difícil de governar e de o mundo ser muito menos próspero, seria um grande risco para quem já foi duas vezes presidente e saiu do cargo glorificado com 80% de aprovação. Isso a ponto de as pessoas se esquecerem da transformação de um legado bendito deixado por Fernando Henrique na verdadeira herança maldita dos desgovernos da gerentona de araque.

Ainda que não seja candidato, o demiurgo de Garanhuns terá posição de destaque no pleito eleitoral do ano que vem, primeiramente nas pesquisas, podendo transitar com pose de injustiçado, “vendendo” feitos de seu governo, nem sempre verdadeiros, como fez no discurso da quarta-feira 10. Daí a avaliação inicial sobre ser inevitável a redução do quadro eleitoral ao embate dos extremos, considerando nesse conceito menos as diferenças ideológicas e de procedimentos entre os dois campos e mais o caráter fanático dos fiéis seguidores do atual e do ex-presidente.

A questão aí é se o país está condenado a essa dicotomia e o eleitorado disposto a se render a ela repetindo a lógica de adesão por exclusão ao adversário não pelo exame racional de erros e acertos, mas pelo puro exercício dos chamados antipetismo e antibolsonarismo.

A julgar pela quantidade de gente que diz nas pesquisas não votar em um ou em outro em hipótese alguma — hoje medida em índices muito semelhantes, em torno de 40% —, a resposta às dúvidas enunciadas acima é que existe um desejo grande por alternativas. Vontade expressa nos resultados das eleições municipais do ano passado, em que os candidatos apoiados por ambos tiveram um mau desempenho.

Haveria, então, em tese e potencialmente espaço equivalente a uma grande avenida onde poderia transitar a composição de opções à polarização (no mau sentido), que aprisiona e impede cotejos mais racionais. Essa construção, no entanto, depende de essas forças saírem da posição mais confortável da conveniência partidária de simplesmente embarcar de carona nas candidaturas que aparecem mais bem posicionadas nas pesquisas e começarem a existir de fato na vida da população. Não só do eleitorado.

De que modo? Mediante o atendimento a indispensáveis condições: a escalação do melhor time para a montagem de agenda correspondente às demandas prioritárias da sociedade, um posicionamento identificado com as demandas dos pobres sem perder o norte da importância dos ricos no crescimento da economia e atenção estreita à classe média. Tradução: um não ao sectarismo e portas escancaradas à inclusão.

Lula poderia ajudar nisso se abandonasse a obsessão por liderar (como candidato ou cabo eleitoral de enorme peso) um processo de volta do PT ao poder, a fim de atrair para um projeto que abarcasse a esquerda e a centro-esquerda. Isso implicaria a existência de autocrítica e boa dose de generosidade política. Não parece ser o caso.

O desprendimento também é requisito essencial no campo do centro à direita civilizada, onde transitam pretendentes já postos e algumas possibilidades que poderiam colaborar se conformadas a um papel de coadjuvantes qualificadas de alguém que seja escolhido pela capacidade de atração do eleitorado mais pelas qualidades postas a serviço do país que pelo repúdio a seus defeitos que tanto infelicitam o Brasil.