Praticamente não se falou em outra coisa durante a semana passada, mas a decisão estrambótica do ministro Fachin — que se revelou uma manobra desastrosa — ainda vai dar muito pano pra manga. Aliás, em sua Carta ao Leitor, a revista Veja desta semana salienta que poucas semanas foram tão ruidosas na história recente do Brasil quanto a que se encerrou ontem (com o devido respeito a quem pensa diferente, a semana termina no domingo), e ressalve-se que a rotina nacional tem sido imprevisível desde 2013, pelo menos.
Graças à falta de planejamento e do negacionismo por parte
do governo federal, vivemos um período trágico, com a pandemia desenhando o
pior cenário desde fevereiro do ano passado, quando o primeiro caso de Covid-19 desembargou no Brasil, de carona
com um
empresário paulista, recém chegado de uma viagem à região da Lombardia, na Itália.
Como desgraça pouca é bobagem, uma decisão extemporânea
(para não dizer vergonhosa) do supremo togado Luís Edson Fachin produziu, simultaneamente, dois fenômenos
notáveis, a saber: 1) a implosão da Lava-Jato,
decidida justamente por um de seus defensores; 2) o retorno imediato da
elegibilidade da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil, alterando
significativamente o xadrez eleitoral para 2022.
De forma monocrática (mas não liminar; é bom que isso fique
bem claro) o togado alegou, na segunda-feira passada, que o parteiro do Brasil
Maravilha não deveria ter sido julgado em Curitiba, mas, sim, em Brasília, a
despeito de a competência da 13ª Vara Federal do Paraná já ter sido reconhecia pelo
STF e pelo próprio Fachin. Pode-se
até aceitar que a responsabilidade dos processos estivesse errada desde sua
origem, mas decretá-la cinco anos depois é teratologia com uma generosa pitada
de falta respeito com o papel da Justiça nesta republiqueta de bananas e com o povo
que habita este vale de lágrimas. Atitudes assim não só desgastam a imagem do STF como reforça o discurso daqueles
que pregam uma ruptura institucional.
Com o bom-senso que lhe é peculiar, Dora Kramer diz que reação do senso comum à retomada da condição de
elegibilidade do deus pai da Petelândia levará este último a disputar a presidência
em 2022, restabelecendo com tintas mais fortes o cenário de polarização entre
extremos de 2018 e resultando na inevitável vitória de um dos dois extremistas
extremados. Trata-se, porém, de uma conclusão tão rápida e fácil quanto não
necessariamente acertada, seja porque a situação de Lula é tão incerta quanto o
passado nesta republiqueta de almanaque — ainda que se confirme sua condição de
ficha-limpa formal, isso não se estende ao campo moral, fator que é apenas um
entre os vários que representam mais dificuldades que facilidades ao curso
exitoso de uma candidatura presidencial do petista.
A cena hoje é muito diferente da anterior e completamente
diversa daquela de quase vinte anos atrás, quando o PT ganhou a eleição cheio de razão junto ao eleitorado que via o
partido com expectativa de boa governança, da solução para a desigualdade
social e da entrada do país no rol dos adeptos da ética na política. Nesse
quadro, acrescido do fato de o Brasil ser hoje muito mais difícil de governar e
de o mundo ser muito menos próspero, seria um grande risco para quem já foi
duas vezes presidente e saiu do cargo glorificado com 80% de aprovação. Isso a
ponto de as pessoas se esquecerem da transformação de um legado bendito deixado
por Fernando Henrique na verdadeira
herança maldita dos desgovernos da gerentona de araque.
Ainda que não seja candidato, o demiurgo de Garanhuns terá posição
de destaque no pleito eleitoral do ano que vem, primeiramente nas pesquisas,
podendo transitar com pose de injustiçado, “vendendo” feitos de seu governo,
nem sempre verdadeiros, como fez no discurso da quarta-feira 10. Daí a
avaliação inicial sobre ser inevitável a redução do quadro eleitoral ao embate
dos extremos, considerando nesse conceito menos as diferenças ideológicas e de
procedimentos entre os dois campos e mais o caráter fanático dos fiéis
seguidores do atual e do ex-presidente.
A questão aí é se o país está condenado a essa dicotomia e o
eleitorado disposto a se render a ela repetindo a lógica de adesão por exclusão
ao adversário não pelo exame racional de erros e acertos, mas pelo puro
exercício dos chamados antipetismo e antibolsonarismo.
A julgar pela quantidade de gente que diz nas pesquisas não
votar em um ou em outro em hipótese alguma — hoje medida em índices muito
semelhantes, em torno de 40% —, a resposta às dúvidas enunciadas acima é que
existe um desejo grande por alternativas. Vontade expressa nos resultados das
eleições municipais do ano passado, em que os candidatos apoiados por ambos
tiveram um mau desempenho.
Haveria, então, em tese e potencialmente espaço equivalente
a uma grande avenida onde poderia transitar a composição de opções à
polarização (no mau sentido), que aprisiona e impede cotejos mais racionais.
Essa construção, no entanto, depende de essas forças saírem da posição mais
confortável da conveniência partidária de simplesmente embarcar de carona nas
candidaturas que aparecem mais bem posicionadas nas pesquisas e começarem a
existir de fato na vida da população. Não só do eleitorado.
De que modo? Mediante o atendimento a indispensáveis
condições: a escalação do melhor time para a montagem de agenda correspondente
às demandas prioritárias da sociedade, um posicionamento identificado com as
demandas dos pobres sem perder o norte da importância dos ricos no crescimento
da economia e atenção estreita à classe média. Tradução: um não ao sectarismo e
portas escancaradas à inclusão.
Lula poderia
ajudar nisso se abandonasse a obsessão por liderar (como candidato ou cabo
eleitoral de enorme peso) um processo de volta do PT ao poder, a fim de atrair para um projeto que abarcasse a
esquerda e a centro-esquerda. Isso implicaria a existência de autocrítica e boa
dose de generosidade política. Não parece ser o caso.
O desprendimento também é requisito essencial no campo do
centro à direita civilizada, onde transitam pretendentes já postos e algumas
possibilidades que poderiam colaborar se conformadas a um papel de coadjuvantes
qualificadas de alguém que seja escolhido pela capacidade de atração do
eleitorado mais pelas qualidades postas a serviço do país que pelo repúdio a
seus defeitos que tanto infelicitam o Brasil.