segunda-feira, 19 de abril de 2021

ALINHAMENTO A TODA PROVA


 

Para Bolsonaro, o Estado não é apenas uma extensão de seus domínios, uma estrutura que deve se prestar aos seus interesses políticos e à blindagem da sua enrolada família — e é por isso que lá só cabe gente 100% alinhada com ele.

Ele está 100% alinhado comigo”, disse sua excelência em outubro do ano passado, referindo-se a Kassio Nunes Marques, dias após confirmar o nome do desembargador piauiense para a vaga de Celso de Mello no STF. E até agora o apadrinhado não decepcionou o padrinho, assegura Thaís Oyama em sua coluna no UOL.

Há coisa de quatro meses, quando ainda se discutia a possibilidade de reeleição da cúpula do Congresso, seis ministros votaram contra a recondução de Maia e Alcolumbre e quatro a favor. Nunes Marques isolou-se de seus pares ao inventar um voto híbrido: posicionou-se a favor da reeleição de Alcolumbre, aliado de Bolsonaro, mas contra a recondução de Maia, seu inimigo figadal. Na votação sobre a suspeição de Sergio Moro, colocou-se “contra Lula”, como desejaria seu padrinho.

No sábado retrasado, Marques resolveu proibir Estados e municípios de suspenderem celebrações religiosas em função da Covid, contrariando posição tomada pela Corte em abril do ano passado — e indo ao encontro da vontade de quem o indicou, que gosta de gente que se comporta desse modo (vide o general Eduardo Pesadelo). E a recíproca é verdadeira.

Moro não fez o que Bolsonaro queria — entre outras coisas, substituir o diretor-geral da PF que não colaborava com assuntos do interesse de seu clã (após a demissão do ex-juiz, o capitão colocou o fidelíssimo aliado André Mendonça em seu lugar).

O ex-advogado-geral da União José Levi não fez o que Bolsonaro queria — entre outras coisas, assinar uma ação pedindo que o STF impedisse governadores de adotarem medidas restritivas de circulação durante o agravamento da pandemia (o presidente tirou Levi e, novamente, pôs na vaga o fidelíssimo André Mendonça, substituído na pasta da Justiça pelo delegado Anderson Torres).

O ex-comandante do Exército Edson Pujol não fez o que Bolsonaro queria — entre outras coisas, manifestar-se publicamente contra a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidiário Lula (o mandachuva do Planalto despachou Pujol para casa e, na impossibilidade de colocar André Mendonça em seu lugar, acabou engolindo um nome da lista tríplice enviada pelo Exército, o do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira).

O semideus togado Gilmar Mendes, versão em carne e osso de Amon-Rá, sugeriu que André Mendonça teria “vindo de uma viagem a Marte”. E resumiu: “Está havendo um certo delírio neste contexto geral”.

O atual AGU não é apenas “terrivelmente evangélico”, mas também o “coringa” que Bolsonaro tira da manga sempre que precisa de um cumpridor de missões “discreto e disciplinado” e que já lhe deu incansáveis mostras de “disciplina”: por pelo menos quatro vezes, Mendonça brandiu a Lei de Segurança Nacional contra críticos do presidente, incluídos aí jornalistas, youtubers e empresários, além de se valer do Código Penal para tentar enquadrar no artigo de crime contra a honra moradores do estado de Tocantins que confeccionaram um outdoor pedindo o impeachment do presidente — que “não vale um pequi roído”, segundo dizia o cartaz.

Em junho, quando Mendonça ainda era ministro da Justiça, sua pasta produziu um dossiê sobre um grupo de 579 servidores identificados como antifascistas, no que foi (mal) visto pelo STF como uma tentativa de uso do aparato do governo para perseguir opositores. A despeito de o dossiê ter sido confeccionado debaixo de suas barbas, o ministro negou ter conhecimento dele.

Na última quarta-feira, ecoando outra vez o chefe, Mendonça defendeu em sessão do STF a liberação de cultos e missas em meio às quase 4 mil mortes diárias pela Covid. Entre um e outro versículo bíblico que citou de olhos cerrados, afirmou que os “verdadeiros cristãos estão dispostos a morrer” para “garantir a liberdade de religião e de culto”.

Presente à mesma sessão do Supremo, o procurador-geral Augusto Aras — que não procura o que o chefe não quer que seja achado — bem que tentou, mas ficou longe de ombrear Mendonça em eloquência e teatralidade. O PGR também possui uma longa folha de serviços prestados ao capitão, sendo o mais contundente deles a nota divulgada em janeiro em que sugeriu que Bolsonaro, acuado à época por novos pedidos de impeachment poderia decretar o estado de defesa no país.

Observação: Bolsonaro é alvo de 111 pedidos de impeachment, média de um a cada 7 dias de mandato. Só na semana passada, em meio a sucessivos recordes de mortes por Covid, oito novos pedidos foram protocolados — que ultrapassou Dilma em fevereiro, tornando-se o presidente mais alvejado com pedidos de impeachment (a gerentona de araque foi alvo de 68 solicitações, seguida por seu criador, antecessor e mentor (37), pelo vampiro do Jaburu (31), prelo caçador de marajás de festim (29), por FHC (24) e por Itamar Franco (4).

Continua...