Eventuais erros e deslizes processuais cometidos pela Operação Lava-Jato, se é que existiram, deveriam ser tratados pelas corregedorias do MP e da PGR. No entanto, em vez de seguir os trâmites protocolares, o procurador-geral da República nomeado por Bolsonaro desmoralizou a força-tarefa para emperrar suas engrenagens.
Ao se apropriar do
termo “lavajatismo”, o PGR e a
defesa de Lula se tornaram
gêmeos siameses. O discurso é o mesmo, de descrédito da operação e de
enumeração de supostos abusos que, na boca de Aras, não podem surgir como ilações. Seu comportamento não é
republicano, mas se encaixa perfeitamente nesses tempos em que a quebra de
decoro institucional passou a ser encarada com assustadora naturalidade, e o
desmonte da Lava-Jato pode
vir a implodir a própria reputação do Ministério
Público Federal (o que é inaceitável na mesma proporção).
Juntem-se a esse cenário surreal as decisões teratológicas que a 2ª Turma
do STF vem tomando sob a
presidência de Gilmar Mendes, notadamente
depois que Celso de Mello se
aposentou e Cármen Lúcia trocou o time dos punitivistas pelo dos garantistas de ocasião.
Até mesmo no plenário, onde as barbaridades eram cravadas por placares apertados, como 6
votos a 5, passaram a ser chanceladas por 8 a 3, 9 a 2 ou mesmo 10 a 1.
Para os pupilos da
velhinha de Taubaté (personagem
criada por Luiz Fernando Veríssimo durante
o governo do General Figueiredo,
famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo
que lhe era dito pelos presidentes militares), uma boa notícia: o deputado
federal Igor Timo (MG), líder do Podemos na Câmara, levou ao PGR uma proposta que visa à recriação,
no âmbito do MPF, as forças-tarefas
da Operação Lava-Jato — modelo de
investigação extinto em fevereiro e incorporado aos Grupos de Atuação Especial
no Combate ao Crime Organizado (Gaecos).
“O trabalho exitoso das forças-tarefas,
fundamentado na disponibilidade de recursos humanos e materiais compatíveis com
a complexidade dos fatos averiguados, recomenda retomada desse modelo
internacional de investigação até a responsabilização de todos os envolvidos no
esquema de corrupção desmantelado pela Lava Jato”, assinala o deputado
no ofício dirigido a Aras. E acrescenta: “O
sucesso da operação deve-se em muito à implantação dos modelos das
forças-tarefas, com dedicação exclusiva de trabalho dos Procuradores, exigência
necessária diante de investigações tão complexas”.
A extinção da Lava-Jato e o retrocesso no combate à corrupção
no Brasil são motivos de preocupação da comunidade internacional. Em março
deste ano, após a PGR confirmar o
fim das forças-tarefas, a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) determinou, em decisão
inédita, a criação, em caráter permanente, de um Grupo de Trabalho Anticorrupção composto por membros dos Estados
Unidos, da Itália e da Noruega para monitorar a situação no Brasil. No
comunicado, a OCDE afirma que "o fim surpreendente da Lava-Jato" preocupa autoridades
internacionais.
Em Nota Pública, a
Associação Nacional dos Procuradores da
República também defendeu a importância das forças-tarefas para o trabalho
de investigação do Ministério Público:
“As forças-tarefas se constituem em modelo
internacional de sucesso nas grandes e complexas investigações realizadas e,
por isso, vêm sendo utilizadas com bastante êxito no MPF nas últimas décadas.
Servem ao enfrentamento da corrupção, da criminalidade organizada, bem como na
defesa dos direitos humanos e do meio ambiente”, diz trecho de uma nota
emitida no ano passado.
Em matéria publicada
pelo jornal O Globo sob o título “Modelo que substitui a Lava-Jato opera de
forma escassa” ex-integrantes da força-tarefa criticaram a decisão da PGR e advertiram que “criar os grupos sem dotá-los de uma
estrutura administrativa razoável não permite que grandes investigações avancem”.
Segue a transcrição:
O modelo escolhido
pela Procuradoria-Geral da República
para substituir as forças-tarefas da Lava-Jato,
chamado de Grupo de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado, começou a funcionar com estrutura escassa de
apoio às investigações. Na última semana, a força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba foi encerrada e
passou a funcionar dentro do Gaeco do
Ministério Público Federal do Paraná,
criado em agosto do ano passado. A mudança gerou críticas ao procurador-geral
da República, Augusto Aras, que tem
uma relação conflituosa com a Lava-Jato
e desejava acabar com o nome que a operação ostentava. Mas o novo modelo é
defendido por sua equipe como forma de criar uma estrutura permanente para
investigações complexas dentro dos estados e dando autonomia às unidades, que
passam a depender menos de decisões unilaterais do procurador-geral da
República.
O Gaeco do MPF do Paraná começou a
funcionar com uma equipe de cinco procuradores sem dedicação exclusiva e sem
qualquer apoio administrativo. Agora, com a absorção da força-tarefa da Lava-Jato, é que teve sua equipe ampliada,
totalizando nove membros, com quatro procuradores com dedicação exclusiva. O
coordenador da força-tarefa no Paraná, Alessandro
Oliveira, virou coordenador do núcleo da Lava-Jato dentro do Gaeco.
Em termos comparativos, é uma equipe grande de procuradores com dedicação
exclusiva, mas pequena se equiparada ao auge da força-tarefa, que teve 14
procuradores e 11 com dedicação exclusiva. A equipe de 30 servidores técnicos
da força-tarefa também foi absorvida para reforçar o Gaeco.
Os Gaecos têm uma longa tradição de
sucesso nos Ministérios Públicos
estaduais, onde funcionam como grupos de elite com estruturas robustas:
equipes de inteligência para, entre outras funções, analisar transações
financeiras e suspeitas de lavagem de dinheiro; equipamentos para interceptações
telefônicas e servidores para cumprir mandados. Mas, no Ministério Público Federal, a estrutura é modesta e começou a
funcionar até mesmo sem um quadro de servidores administrativos para dar apoio
aos procuradores.
Uma resolução do
Conselho Superior aprovada em 2013 que regulamenta os Gaecos no Ministério Público Federal prevê uma estrutura mínima de
um técnico administrativo e um analista processual, mas isso não tem sido
cumprido. Tampouco há garantia de que os procuradores tenham dedicação exclusiva
para atuar nas investigações — geralmente casos de grande complexidade que
exigem muitas horas de análise de documentos, depoimentos, transações
financeiras e coisas do tipo.
Para o procurador Lucas Gualtieri, coordenador do Gaeco de Minas Gerais — o primeiro a
ser criado, em janeiro do ano passado —, a principal vantagem do modelo é ter
uma estrutura permanente para garantir a continuidade de investigações
sensíveis. “Os Gaecos do MPF
funcionam como um grupo permanente de procuradores da República que, a pedido
do titular de um caso concreto, prestam apoio na investigação. É composto por
membros escolhidos pelos colégios estaduais, designados por portaria do PGR, e
com mandato de dois anos, renovável. O caráter de grupo permanente é um dos
pontos fortes, pois assegura independência, segurança e capacidade de
planejamento”, avalia Gualtieri.
Além de Minas,
foram criados Gaecos em Amazonas,
Pará, Paraíba e Paraná. E está em processo de criação um no Rio de Janeiro, que
vai absorver a força-tarefa da Lava-Jato. Para ex-integrantes da Lava-Jato, entretanto, criar os grupos
sem dotá-los de uma estrutura administrativa razoável não permite que grandes
investigações avancem. “Sem dedicação
exclusiva e sem estrutura minimamente compatível com a complexidade das
atividades, pode-se dar o nome que for: Gaeco, força-tarefa, Unac [Unidade
Nacional Anticorrupção]... Não haverá
eficiência na atuação do MPF e no enfrentamento da macrocriminalidade”,
afirmou a procuradora regional Janice
Ascari, ex-coordenadora da Lava-Jato
de São Paulo e experiente em investigações de corrupção.
Em nota, a PGR afirma que o modelo da força-tarefa “é um arranjo marcado pela provisoriedade e transitoriedade. Seu funcionamento ininterrupto por mais de seis anos gera disfuncionalidades e impõe a adoção de institucionalidade que lhe assegure estabilidade, caráter duradouro, independência e todas as garantias constitucionais dos membros do Ministério Público Federal”.
Sobre
a estrutura dos Gaecos, a PGR afirma, em nota, que está
realizando estudos orçamentários para reforçar a equipe de apoio aos grupos: “A exclusividade dos procuradores para
atuar nos Gaecos fica a cargo da respectiva unidade do MPF, que deve analisar a
complexidade dos casos, a necessidade, dentre outros fatores. A PGR não nega
exclusividade a nenhum membro do MPF, desde que sua unidade tenha concordado em
desonerá-lo de suas funções”.
Falou, tá falado.