segunda-feira, 26 de abril de 2021

LAVA-JATO — A RESSURREIÇÃO? (FINAL)

 


Eventuais erros e deslizes processuais cometidos pela Operação Lava-Jato, se é que existiram, deveriam ser tratados pelas corregedorias do MP e da PGR. No entanto, em vez de seguir os trâmites protocolares, o procurador-geral da República nomeado por Bolsonaro desmoralizou a força-tarefa para emperrar suas engrenagens. 

Talvez para não contrariar o padrinho que pode vir a indicá-lo para o STF, Augusto Aras achou por bem lavar a roupa suja em público, primeiro para uma plateia de advogados criminalistas interessados em ver a Lava-Jato conjugada no passado, depois para senadores (muitos dos quais têm o mesmo interesse, ainda que disfarçado pelo discurso anticorrupção de praxe), ao criticar enfaticamente operações de busca e apreensão da PF em gabinetes de parlamentares.

Ao se apropriar do termo “lavajatismo”, o PGR e a defesa de Lula se tornaram gêmeos siameses. O discurso é o mesmo, de descrédito da operação e de enumeração de supostos abusos que, na boca de Aras, não podem surgir como ilações. Seu comportamento não é republicano, mas se encaixa perfeitamente nesses tempos em que a quebra de decoro institucional passou a ser encarada com assustadora naturalidade, e o desmonte da Lava-Jato pode vir a implodir a própria reputação do Ministério Público Federal (o que é inaceitável na mesma proporção).

Juntem-se a esse cenário surreal as decisões teratológicas que a 2ª Turma do STF vem tomando sob a presidência de Gilmar Mendes, notadamente depois que Celso de Mello se aposentou e Cármen Lúcia trocou o time dos punitivistas pelo dos garantistas de ocasião. Até mesmo no plenário, onde as barbaridades eram cravadas por placares apertados, como 6 votos a 5, passaram a ser chanceladas por 8 a 3, 9 a 2 ou mesmo 10 a 1.

Para os pupilos da velhinha de Taubaté (personagem criada por Luiz Fernando Veríssimo durante o governo do General Figueiredo, famosa por sua incrível ingenuidade e capacidade de acreditar piamente em tudo que lhe era dito pelos presidentes militares), uma boa notícia: o deputado federal Igor Timo (MG), líder do Podemos na Câmara, levou ao PGR uma proposta que visa à recriação, no âmbito do MPF, as forças-tarefas da Operação Lava-Jato — modelo de investigação extinto em fevereiro e incorporado aos Grupos de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaecos).

O trabalho exitoso das forças-tarefas, fundamentado na disponibilidade de recursos humanos e materiais compatíveis com a complexidade dos fatos averiguados, recomenda retomada desse modelo internacional de investigação até a responsabilização de todos os envolvidos no esquema de corrupção desmantelado pela Lava Jato”, assinala o deputado no ofício dirigido a Aras. E acrescenta: “O sucesso da operação deve-se em muito à implantação dos modelos das forças-tarefas, com dedicação exclusiva de trabalho dos Procuradores, exigência necessária diante de investigações tão complexas”.

A extinção da Lava-Jato e o retrocesso no combate à corrupção no Brasil são motivos de preocupação da comunidade internacional. Em março deste ano, após a PGR confirmar o fim das forças-tarefas, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) determinou, em decisão inédita, a criação, em caráter permanente, de um Grupo de Trabalho Anticorrupção composto por membros dos Estados Unidos, da Itália e da Noruega para monitorar a situação no Brasil. No comunicado, a OCDE afirma que "o fim surpreendente da Lava-Jato" preocupa autoridades internacionais.

Em Nota Pública, a Associação Nacional dos Procuradores da República também defendeu a importância das forças-tarefas para o trabalho de investigação do Ministério Público: “As forças-tarefas se constituem em modelo internacional de sucesso nas grandes e complexas investigações realizadas e, por isso, vêm sendo utilizadas com bastante êxito no MPF nas últimas décadas. Servem ao enfrentamento da corrupção, da criminalidade organizada, bem como na defesa dos direitos humanos e do meio ambiente”, diz trecho de uma nota emitida no ano passado.

Em matéria publicada pelo jornal O Globo sob o título “Modelo que substitui a Lava-Jato opera de forma escassa” ex-integrantes da força-tarefa criticaram a decisão da PGR e advertiram que “criar os grupos sem dotá-los de uma estrutura administrativa razoável não permite que grandes investigações avancem”. Segue a transcrição:

O modelo escolhido pela Procuradoria-Geral da República para substituir as forças-tarefas da Lava-Jato, chamado de Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, começou a funcionar com estrutura escassa de apoio às investigações. Na última semana, a força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba foi encerrada e passou a funcionar dentro do Gaeco do Ministério Público Federal do Paraná, criado em agosto do ano passado. A mudança gerou críticas ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem uma relação conflituosa com a Lava-Jato e desejava acabar com o nome que a operação ostentava. Mas o novo modelo é defendido por sua equipe como forma de criar uma estrutura permanente para investigações complexas dentro dos estados e dando autonomia às unidades, que passam a depender menos de decisões unilaterais do procurador-geral da República.

O Gaeco do MPF do Paraná começou a funcionar com uma equipe de cinco procuradores sem dedicação exclusiva e sem qualquer apoio administrativo. Agora, com a absorção da força-tarefa da Lava-Jato, é que teve sua equipe ampliada, totalizando nove membros, com quatro procuradores com dedicação exclusiva. O coordenador da força-tarefa no Paraná, Alessandro Oliveira, virou coordenador do núcleo da Lava-Jato dentro do Gaeco. Em termos comparativos, é uma equipe grande de procuradores com dedicação exclusiva, mas pequena se equiparada ao auge da força-tarefa, que teve 14 procuradores e 11 com dedicação exclusiva. A equipe de 30 servidores técnicos da força-tarefa também foi absorvida para reforçar o Gaeco.

Os Gaecos têm uma longa tradição de sucesso nos Ministérios Públicos estaduais, onde funcionam como grupos de elite com estruturas robustas: equipes de inteligência para, entre outras funções, analisar transações financeiras e suspeitas de lavagem de dinheiro; equipamentos para interceptações telefônicas e servidores para cumprir mandados. Mas, no Ministério Público Federal, a estrutura é modesta e começou a funcionar até mesmo sem um quadro de servidores administrativos para dar apoio aos procuradores.

Uma resolução do Conselho Superior aprovada em 2013 que regulamenta os Gaecos no Ministério Público Federal prevê uma estrutura mínima de um técnico administrativo e um analista processual, mas isso não tem sido cumprido. Tampouco há garantia de que os procuradores tenham dedicação exclusiva para atuar nas investigações — geralmente casos de grande complexidade que exigem muitas horas de análise de documentos, depoimentos, transações financeiras e coisas do tipo.

Para o procurador Lucas Gualtieri, coordenador do Gaeco de Minas Gerais — o primeiro a ser criado, em janeiro do ano passado —, a principal vantagem do modelo é ter uma estrutura permanente para garantir a continuidade de investigações sensíveis. “Os Gaecos do MPF funcionam como um grupo permanente de procuradores da República que, a pedido do titular de um caso concreto, prestam apoio na investigação. É composto por membros escolhidos pelos colégios estaduais, designados por portaria do PGR, e com mandato de dois anos, renovável. O caráter de grupo permanente é um dos pontos fortes, pois assegura independência, segurança e capacidade de planejamento”, avalia Gualtieri.

Além de Minas, foram criados Gaecos em Amazonas, Pará, Paraíba e Paraná. E está em processo de criação um no Rio de Janeiro, que vai absorver a força-tarefa da Lava-Jato. Para ex-integrantes da Lava-Jato, entretanto, criar os grupos sem dotá-los de uma estrutura administrativa razoável não permite que grandes investigações avancem. “Sem dedicação exclusiva e sem estrutura minimamente compatível com a complexidade das atividades, pode-se dar o nome que for: Gaeco, força-tarefa, Unac [Unidade Nacional Anticorrupção]... Não haverá eficiência na atuação do MPF e no enfrentamento da macrocriminalidade”, afirmou a procuradora regional Janice Ascari, ex-coordenadora da Lava-Jato de São Paulo e experiente em investigações de corrupção.

Em nota, a PGR afirma que o modelo da força-tarefa “é um arranjo marcado pela provisoriedade e transitoriedade. Seu funcionamento ininterrupto por mais de seis anos gera disfuncionalidades e impõe a adoção de institucionalidade que lhe assegure estabilidade, caráter duradouro, independência e todas as garantias constitucionais dos membros do Ministério Público Federal”. 

Sobre a estrutura dos Gaecos, a PGR afirma, em nota, que está realizando estudos orçamentários para reforçar a equipe de apoio aos grupos: “A exclusividade dos procuradores para atuar nos Gaecos fica a cargo da respectiva unidade do MPF, que deve analisar a complexidade dos casos, a necessidade, dentre outros fatores. A PGR não nega exclusividade a nenhum membro do MPF, desde que sua unidade tenha concordado em desonerá-lo de suas funções”.

Falou, tá falado.