Uma decisão liminar concedida monocraticamente pelo ministro
Luís Roberto Barroso na última
quinta-feira, 8, determinou ao Senado que instale a CPI da Covid,
que foi proposta pelo senador Randolfe
Rodrigues para investigar supostas omissões do governo federal no combate à
pandemia. Na decisão — tomada nos autos da ação movida pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru — o ministro anotou que o
Senado não pode se opor à
comissão por “conveniência e oportunidade políticas”.
No sábado, 10, em conversa por telefone com Kajuru, o presidente não só cobrou que
prefeitos e governadores também sejam chamados às falas como pediu ao senador
que pressione o STF a abrir processo
de impeachment contra ministros da corte. A certa altura da conversa, Bolsonaro queixou-se ao senador: “Se não mudar, a CPI vai simplesmente
ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana”. Kajuru respondeu que já tinha entrado
com pedido de afastamento do ministro Alexandre
de Moraes.
Observação: A
investigação de um ministro do STF por
crime comum precisa ser autorizada pelo próprio tribunal, que também julga o
suposto infrator. Em caso de crime de responsabilidade (listados no art. 39 lei 1079/50)
o ministro responde a um processo de impeachment e, se for condenado (pelo voto
de 2/3 dos senadores), perde o cargo e é investigado por uma comissão especial.
O impeachment tem início e fim no Senado, onde é instalada uma comissão especial,
que verifica e decide sobre a pertinência do pedido. Vale assinalar que a lei
de crimes de responsabilidade não prevê pena de prisão, apenas a perda do cargo
e a inabilitação por até cinco anos. Jamais houve um caso de impeachment de
ministro do STF desde a redemocratização
desta banânia.
Bolsonaro, que é considerado
o maior responsável pelo insucesso no combate à pandemia,
voltou a se eximir de qualquer culpa pelas mortes no país. Disse que menos
gente teria morrido se governadores e prefeitos aplicassem os recursos
liberados pelo governo federal em postos de saúde e hospitais, mas, como nas
acusações de fraude no pleito presidencial de 2018, que ele próprio venceu, e
nas eleições americanas, que culminaram com a derrota de Donald Trump, não embasou as acusações em qualquer tipo de prova.
A CPI da Covid
ainda nem foi instalada (a decisão monocrática de Barroso será analisada pelo plenário do STF na sessão desta quarta-feira) e já
flerta com a desmoralização, diz Josias
de Souza. Com medo da corda, prossegue o jornalista, Bolsonaro quer aumentar o número de pescoços arrastando para o
mesmo patíbulo governadores e prefeitos e, num cadafalso ao lado, os ministros
do Supremo — o capitão acusou Luís Roberto Barroso de “militância política” e cobrou a
abertura processos de impeachment de ministros do STF no Senado, afirmando que há “milhões de assinaturas” endossando
essa medida.
A intenção de Bolsonaro
é de uma clareza meridiana: enfraquecer a CPI
(com a investigação de prefeitos e governadores na mesma comissão) e desgastar o
STF com a tramitação de pedidos de
impeachment de membros da Corte no Congresso. Até aí, nada de estranho. O
esquisito é que há senadores ansiosos por atender aos desejos do investigado. “Não abro mão de ouvir os governadores em
hipótese alguma”, disse Kajuru
a Bolsonaro, rogando ao alvo da CPI que o poupe de suas críticas: “Só não quero que o senhor me coloque no
mesmo joio.”
Autor do pedido de CPI,
o senador Randolfe Rodrigues assim definiu
o objeto da investigação: “Apurar as
ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid no
Brasil, em especial no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a
ausência de oxigênio para os pacientes internados.” Foi com esse “fato determinado” que Barroso determinou ao presidente do
Senado que desengavetasse a CPI (Pacheco nitidamente não gostou da
intromissão do Judiciário em sua seara, mas disse que decisão do Supremo se cumpre, e que vai cumprir a ordem
do ministro, ).
Tão óbvio quanto a intenção do capitão é o objetivo da CPI, que não é outro senão investigar o
governo federal. É evidente que, depois de deflagrada, a apuração pode esbarrar
em estados e municípios. Nessa hipótese, os parlamentares teriam de investigar
também os chamados fatos conexos. O que parece causa estranheza é a pressa em
dispersar a apuração antes de concentrá-la na incontroversa inépcia federal.
Animado com a receptividade de suas demandas, Bolsonaro enfatizou a Kajuru: “Você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto é um limão
que está aí, dá para ser uma limonada. Tem que peticionar o Supremo para botar
em pauta o impeachment” [dos ministros da Suprema Corte]. Solícito, o
senador informou que já começara a espremer o limão. “Você fez para investigar quem?”, indagou Bolsonaro. E Kajuru: “O Alexandre de
Moraes.”
O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra
ministros do Supremo. Somente contra
Alexandre de Moraes são seis. O
ministro virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas
investigados no inquérito das Fake News. Além dele, também há requerimentos
para investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Todos estão na gaveta do presidente da Casa. No
diálogo divulgado por Kajuru, o
presidente fala mais de uma vez sobre a necessidade do contra-ataque ao STF. “Você pressionou o Supremo, né?”, disse. “Sim, claro. Entrei ontem, às 17h40”,
responde o senador. E Bolsonaro
conclui: “Parabéns para você”.
Uma investigação que começa com um diálogo em que o
investigado parabeniza o suposto investigador tem enorme potencial para
transformar em fiasco o que poderia ser uma boa iniciativa. Bolsonaro sabe o que diz. Limão costuma
virar limonada em CPIs quando o excesso de pescoços estimula a costura de um acordão para esconder a corda.
Observação: O cronista Nelson Rodrigues ensinou que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. Às vésperas da leitura do requerimento em plenário (marcada para hoje), operadores do Planalto comandados pelo líder de Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra, convidam senadores subscritores do pedido de CPI da Covid a retirarem suas assinaturas do documento, o que equivaleria a organizar o funeral do próprio mandato, encomendando a lápide. Há no pedido de abertura da CPI 32 assinaturas. A Covid matou um dos signatários, Major Olímpio. Para que a comissão seja instalada, exige-se o apoio de pelo menos 27 senadores. O primogênito do presidente tem o prestígio de um zero à esquerda no Senado. De resto, o Planalto não conta com a ajuda do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco — que engavetou a CPI enquanto pôde, criticou a ordem que recebeu do ministro Barroso para abrir a gaveta, mas não parece disposto a acionar os naturais poderes de dissuasão de que dispõe. Considerando-se a dificuldade de convencer os senadores a flertarem com o suicídio político, cresce o risco de o governo piorar a conjuntura, fazendo coisa$ feia$.