terça-feira, 13 de abril de 2021

SÓ MIMIMI...

 

Uma decisão liminar concedida monocraticamente pelo ministro Luís Roberto Barroso na última quinta-feira, 8, determinou ao Senado que instale a CPI da Covid, que foi proposta pelo senador Randolfe Rodrigues para investigar supostas omissões do governo federal no combate à pandemia. Na decisão — tomada nos autos da ação movida pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru — o ministro anotou que o Senado não pode se opor à comissão por “conveniência e oportunidade políticas”.

No sábado, 10, em conversa por telefone com Kajuru, o presidente não só cobrou que prefeitos e governadores também sejam chamados às falas como pediu ao senador que pressione o STF a abrir processo de impeachment contra ministros da corte. A certa altura da conversa, Bolsonaro queixou-se ao senador: “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana”. Kajuru respondeu que já tinha entrado com pedido de afastamento do ministro Alexandre de Moraes.

Observação: A investigação de um ministro do STF por crime comum precisa ser autorizada pelo próprio tribunal, que também julga o suposto infrator. Em caso de crime de responsabilidade (listados no art. 39 lei 1079/50) o ministro responde a um processo de impeachment e, se for condenado (pelo voto de 2/3 dos senadores), perde o cargo e é investigado por uma comissão especial. O impeachment tem início e fim no Senado, onde é instalada uma comissão especial, que verifica e decide sobre a pertinência do pedido. Vale assinalar que a lei de crimes de responsabilidade não prevê pena de prisão, apenas a perda do cargo e a inabilitação por até cinco anos. Jamais houve um caso de impeachment de ministro do STF desde a redemocratização desta banânia.

Bolsonaro, que é considerado o maior responsável pelo insucesso no combate à pandemia, voltou a se eximir de qualquer culpa pelas mortes no país. Disse que menos gente teria morrido se governadores e prefeitos aplicassem os recursos liberados pelo governo federal em postos de saúde e hospitais, mas, como nas acusações de fraude no pleito presidencial de 2018, que ele próprio venceu, e nas eleições americanas, que culminaram com a derrota de Donald Trump, não embasou as acusações em qualquer tipo de prova.

A CPI da Covid ainda nem foi instalada (a decisão monocrática de Barroso será analisada pelo plenário do STF na sessão desta quarta-feira) e já flerta com a desmoralização, diz Josias de Souza. Com medo da corda, prossegue o jornalista, Bolsonaro quer aumentar o número de pescoços arrastando para o mesmo patíbulo governadores e prefeitos e, num cadafalso ao lado, os ministros do Supremo — o capitão acusou Luís Roberto Barroso de “militância política” e cobrou a abertura processos de impeachment de ministros do STF no Senado, afirmando que há “milhões de assinaturas” endossando essa medida.

A intenção de Bolsonaro é de uma clareza meridiana: enfraquecer a CPI (com a investigação de prefeitos e governadores na mesma comissão) e desgastar o STF com a tramitação de pedidos de impeachment de membros da Corte no Congresso. Até aí, nada de estranho. O esquisito é que há senadores ansiosos por atender aos desejos do investigado. “Não abro mão de ouvir os governadores em hipótese alguma”, disse Kajuru a Bolsonaro, rogando ao alvo da CPI que o poupe de suas críticas: “Só não quero que o senhor me coloque no mesmo joio.”

Autor do pedido de CPI, o senador Randolfe Rodrigues assim definiu o objeto da investigação: “Apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid no Brasil, em especial no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados.” Foi com esse “fato determinado” que Barroso determinou ao presidente do Senado que desengavetasse a CPI (Pacheco nitidamente não gostou da intromissão do Judiciário em sua seara, mas disse que decisão do Supremo se cumpre, e que vai cumprir a ordem do ministro, ).

Tão óbvio quanto a intenção do capitão é o objetivo da CPI, que não é outro senão investigar o governo federal. É evidente que, depois de deflagrada, a apuração pode esbarrar em estados e municípios. Nessa hipótese, os parlamentares teriam de investigar também os chamados fatos conexos. O que parece causa estranheza é a pressa em dispersar a apuração antes de concentrá-la na incontroversa inépcia federal.

Animado com a receptividade de suas demandas, Bolsonaro enfatizou a Kajuru: “Você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto é um limão que está aí, dá para ser uma limonada. Tem que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment” [dos ministros da Suprema Corte]. Solícito, o senador informou que já começara a espremer o limão. “Você fez para investigar quem?”, indagou Bolsonaro. E Kajuru: “O Alexandre de Moraes.”

O Senado tem hoje dez pedidos de investigação contra ministros do Supremo. Somente contra Alexandre de Moraes são seis. O ministro virou alvo após determinar a prisão de vários bolsonaristas investigados no inquérito das Fake News. Além dele, também há requerimentos para investigar Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Todos estão na gaveta do presidente da Casa. No diálogo divulgado por Kajuru, o presidente fala mais de uma vez sobre a necessidade do contra-ataque ao STF. “Você pressionou o Supremo, né?”, disse. “Sim, claro. Entrei ontem, às 17h40”, responde o senador. E Bolsonaro conclui: “Parabéns para você”.

Uma investigação que começa com um diálogo em que o investigado parabeniza o suposto investigador tem enorme potencial para transformar em fiasco o que poderia ser uma boa iniciativa. Bolsonaro sabe o que diz. Limão costuma virar limonada em CPIs quando o excesso de pescoços estimula a costura de um acordão para esconder a corda.

Observação: O cronista Nelson Rodrigues ensinou que a morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. Às vésperas da leitura do requerimento em plenário (marcada para hoje), operadores do Planalto comandados pelo líder de Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra, convidam senadores subscritores do pedido de CPI da Covid a retirarem suas assinaturas do documento, o que equivaleria a organizar o funeral do próprio mandato, encomendando a lápide. Há no pedido de abertura da CPI 32 assinaturas. A Covid matou um dos signatários, Major Olímpio. Para que a comissão seja instalada, exige-se o apoio de pelo menos 27 senadores. O primogênito do presidente tem o prestígio de um zero à esquerda no Senado. De resto, o Planalto não conta com a ajuda do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco — que engavetou a CPI enquanto pôde, criticou a ordem que recebeu do ministro Barroso para abrir a gaveta, mas não parece disposto a acionar os naturais poderes de dissuasão de que dispõe. Considerando-se a dificuldade de convencer os senadores a flertarem com o suicídio político, cresce o risco de o governo piorar a conjuntura, fazendo coisa$ feia$.