No último sábado, no discurso que fez aos “motoqueiros de Cristo”, o presidente que “acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo” voltou a dizer que sua gestão “é honesta não por virtude, mas por obrigação”.
Como se seu primogênito não estivesse
em via de se tornar réu no caso
das rachadinhas e a PF e o Ministério Público não estivessem investigando
Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro por tráfico de
influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização
das manifestações antidemocráticas que pediram o fechamento
de instituições como o Congresso e o Supremo.
Como se não bastasse, Ricardo Salles, ministro do Meio
Ambiente, é alvo de dois inquéritos no STF, ambos por negócios escusos
com madeira ilegal. Um deles, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes,
está municiado com dados repassados por autoridades dos Estados Unidos; o
outro, que está sob a pena da ministra Cármen Lúcia, nasceu de uma
notícia-crime protocolada no STF pelo delegado Alexandre Saraiva,
destronado do comando da Polícia Federal no Amazonas.
No caso conduzido por Moraes, apura-se a tentativa de socorrer madeireiros pilhados tentando enfiar madeira ilegal no mercado americano. No despacho em que autorizou batidas policiais nos endereços de Salles, o magistrado reproduziu o seguinte relato da PF:
“A situação
que se apresenta é de grave esquema criminoso de caráter transnacional. Esta
empreitada criminosa não apenas realiza o patrocínio do interesse privado de
madeireiros e exportadores em prejuízo do interesse público, notadamente
através da legalização e de forma retroativa de milhares de carregamentos de
produtos florestais exportados em dissonância com as normas ambientais vigentes
entre os anos de 2019 e 2020, mas, também, tem criado sérios obstáculos à ação
fiscalizatória do poder público no trato das questões ambientais com inegáveis
prejuízos a toda a sociedade”.
Na encrenca relatada por Cármen Lúcia, o delegado Alexandre
Saraiva acusa o ministro de dificultar fiscalizações ambientais e exercer
advocacia administrativa em favor de desmatadores. Gente pilhada na maior
extração ilegal de madeira de todos os tempos. Coisa de 200 mil metros cúbicos
de toras. Mercadoria estimada em R$ 129 milhões.
Um presidente que não consegue explicar os R$ 89 mil
que o amigo de fé, irmão, camarada e operador de rachadinhas Fabrício
Queiroz depositou na conta de sua mulher, que convive com um filho com
dificuldades para informar de onde vieram os R$ 6 milhões que usou para
comprar uma mansão em Brasília e que se exibe em praça pública ao lado de um auxiliar
investigado por envolvimento em “grave esquema criminoso de caráter
transnacional”..., um presidente assim não só perde o nexo quando diz que
não há corrupção ao seu redor, mas desobriga o mundo de fazer sentido.
Em plena campanha pela reeleição, Bolsonaro viola a
legislação eleitoral de duas formas. Numa, faz das inaugurações comícios.
Noutra, faz comícios sem inaugurações, como vem ocorrendo ao final dos passeios
coletivos de moto ornamentados com a presença do presidente-candidato. Já
ocorreu em Brasília, no Rio de Janeiro e, no último sábado, também em São
Paulo.
A campanha extemporânea de Bolsonaro é custeada com
verbas federais e até estaduais. No caso de São Paulo, apenas o esquema montado
pela Secretaria da Segurança Pública para reforçar o policiamento durante a “Motociata
para Cristo” custou
R$ 1,2 milhão. Ironicamente, a gestão de João Doria empregou
verbas do contribuinte paulista para assegurar a realização de evento no qual Bolsonaro
espinafrou o governador, um de seus principais rivais políticos
Bolsonaro se equipa para fazer sua segunda indicação
ao Supremo. Desta vez, escolherá o substituto do decano de turno, Marco
Aurélio Mello, que se aposenta no mês que vem. A Constituição exige dos
supremos togados notável saber jurídico (a propósito, vale a pena ler este
artigo). Bolsonaro exige algo mais: fidelidade.
Na substituição de Celso de Mello, o presidente
escolheu Kassio Nunes Marques no pressuposto de que ele tinha serviços a
lhe prestar na Corte — e não
tem do que se queixar. Na segunda escolha, a lealdade do substituto de Marco
Aurélio está sendo aferida por serviços já prestados ao presidente.
Dois personagens se destacam na corrida para exibir a maior
capacidade de recompensar Bolsonaro antes da indicação: o procurador-geral
que não acha porque não procura, e o advogado-geral da União e ex-ministro da
Justiça. São muitos os processos judiciais e as investigações que encostam no
presidente, na sua família e nos seus aliados.
Augusto Aras e André Mendonça se esmeram para
exibir utilidade prévia. Mendonça leva uma vantagem sobre Aras.
Pastor presbiteriano, ele oferece ao presidente a oportunidade de cumprir a
promessa de enviar
ao Supremo uma toga “terrivelmente evangélica”.
Bolsonaro não é o primeiro presidente a desprezar a
neutralidade como parâmetro de escolha. Fernando Henrique Cardoso
indicou Gilmar Mendes quando ele chefiava a Advocacia-Geral da União. Dias
Toffoli ocupava o mesmo posto no instante em que Lula o escolheu. Alexandre
de Moraes, ungido por Michel Temer, era ministro da Justiça. O que o
diferencia dos antecessores é que, agora, a exigência de fidelidade do
candidato à vaga no Supremo é feita na frente das crianças.
Hoje, Gilmar não se constrange de julgar processos
envolvendo tucanos. Toffoli vota até em interesse próprio, que dirá em
favor de petistas. Moraes anulou no mês passado duas ações penais que
corriam contra Temer.
O processo de escolha de ministros do Supremo precisa
sofrer ajustes. A Fundação Getúlio Vargas e a Transparência
Internacional fizeram uma boa proposta. Sugeriram a aprovação de uma regra
que proíba a indicação para o Supremo de quem tenha, nos quatro anos
anteriores, ocupado mandato eletivo federal ou cargo de Procurador-Geral da
República, Advogado-Geral da União ou ministro de Estado.
Se essa regra estivesse em vigor, Gilmar, Toffoli
e Moraes não teriam sido indicados, e Aras e Mendonça estariam
fora do páreo. Mas a ideia de impor uma quarentena para auxiliares diretos do
presidente é tão boa que não tem a mais remota chance de ser aprovada.
Infelizmente.
Com Josias de Souza
Em tempo:
No depoimento prestado ontem à CPI do Genocídio, o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo reafirmou o que dissesra em janeiro sobre “a sociedade ter optado pela contaminação” ao protestar contra medidas restritivas para conter o avanço da pandemia no Estado. Disse também que a decisão de revogar o lockdown parcial no Estado partiu do governador Wilson Lima, e que alertou para a falta de oxigênio em Manaus no dia7 de janeiro — mesma data informada à CPI pela secretária do ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, contrariando o depoimento de Pazuello de que “só ficou sabendo da crise no Estado no dia 10 de janeiro. Segundo o depoente, em meados do ano passado a White Martins alertou o governo do Estado sobre a possibilidade do colapso na distribuição de oxigênio hospitalar, mas, a despeito da iminência da suspensão no fornecimento, não foram tomadas medidas efetivas para reforçar a compra de oxigênio. Na visita feita a Manaus dias antes do colapso, a Dra. Mayra deu ênfase ao tratamento precoce e ao aplicativo TrateCov. Antes, ele havia destacado a “ênfase” da secretária quanto à distribuição do Kit Covid na capital amazonense. Para mais detalhes, clique aqui. Para saber o que é fato ou fake no depoimento, clique aqui.