Golpe? Para que golpe se já está tudo dominado?
Devagar, devagarinho, degrau por degrau, a tropa
bolsonarista foi ocupando o Estado brasileiro sem enfrentar resistência nem
colocar tanques nas ruas.
Primeiro, foi a Polícia Federal e a Abin;
depois, a Procuradoria-Geral da República, a AGU e a CGU, o Ministério
da Saúde e as presidências da Câmara e do Senado, até chegar
às Forças Armadas.
O dia D e a hora H — como diria o patético general Pazuello
— para consumar essa ocupação foi a demissão sumária do ministro da Defesa,
general Fernando Azevedo e Silva, que até março resistia aos surtos
golpistas do capitão. Assumiu o posto o general bolsonarista Braga Netto,
junto com o general bolsonarista Luís Eduardo Ramos, que ficou tomando
conta da Casa Civil. Na retaguarda, permanece o general bolsonarista Augusto
Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Os três generais planaltinos convenceram o capitão a demitir
Azevedo e Silva para montar um “dispositivo militar” genuinamente
bolsonarista, colocado a serviço do governo. Em seguida, Braga Netto
trocou os três comandantes militares legalistas e se tornou o homem forte do
governo do capitão, aquele que manda prender ou soltar, segundo as suas
próprias leis.
Só escapou até agora o STF, que logo ganhará a
companhia de mais um ministro bolsonarista, este “terrivelmente evangélico”. Não
foi à toa que a Corte se tornou o principal alvo das manifestações
antidemocráticas motorizadas e das milícias digitais bolsonaristas, que
continuam atuando a todo vapor, fora de qualquer controle, já em campanha para
2022.
O capitão pensa que pode tudo e não dá bola para a
Constituição nem para o que os outros falam ou escrevem, pois ele criou suas
próprias verdades acreditando piamente nas mentiras que conta todos os dias. Na
coluna “Ciranda de Mentiras”, na Folha, o jornalista Bruno Boghossian não só resume a ópera com
maestria, como constata que Bolsonaro bateu mais um recorde pessoal:
“Jair Bolsonaro bateu mais um recorde
pessoal. Em 19 minutos de pregação num culto religioso, ele despejou
informações falsas sobre a segurança das eleições, os efeitos da cloroquina, a
eficácia de vacinas e o número
de vítimas da Covid. O presidente armou uma ciranda de mentiras para
limpar a própria barra, escapar de punições e se reeleger.
A prioridade de Bolsonaro é fraudar a história da
pandemia. No início da semana, ele foi ao cercadinho do Palácio da Alvorada e
disse que metade das mortes por Covid registradas no país não foram
provocadas pela doença. Para lustrar a balela, o presidente disse que a
conclusão era do Tribunal de Contas da União.
O episódio é um retrato acabado da máquina bolsonarista
de invencionices. O TCU disse que nunca havia feito aquela constatação. Logo
depois, soube-se que a tese malfeita havia sido incluída por um auditor no
sistema do tribunal horas antes da declaração do presidente. O tal funcionário
seria filho de um militar que é amigo de Bolsonaro.
Como a mentira é sua principal arma política, o
presidente até admitiu o erro, mas continuou espalhando a lorota. Na cerimônia
evangélica de quarta-feira (9), ele disse que as ‘possíveis fraudes’ fazem com
que o Brasil seja o país ‘com menor número de mortos por milhão de habitantes
por causa da Covid’. E atribuiu o milagre, é claro, à cloroquina.
Pela lógica de Bolsonaro, os brasileiros sufocados
sem oxigênio em Manaus estão vivos ou morreram de outras doenças. E os médicos
que emitiram laudos de centenas de habitantes por causa da Covid são
farsantes. Ele ainda investiu mais uma vez no aumento desses números ao
inventar que as vacinas não têm comprovação científica.
Bolsonaro também ressuscitou a acusação
vazia de fraude na eleição de 2018 e repetiu a versão fantasiosa de que foi
eleito no primeiro turno. Disse ter ‘provas materiais disso’, mas não explicou
por que nunca apresentou um farelo dessa evidência. O presidente dobrará a
aposta na mentira enquanto permanecer impune”.
Vivêssemos em tempos normais e as instituições estivessem
funcionando, só uma dessas aberrações já justificaria a abertura de um processo
por crime de responsabilidade e um por atentado contra a saúde pública e a
democracia.
Indiferente à pandemia que continua matando mais de 2 mil
brasileiros por dia, já se aproximando dos 500 mil óbitos, Bolsonaro só
está preocupado com a organização de mais uma “motosseata”, ou sei lá que nome
tem isso, com milhares de devotos seguidores cruzando com suas possantes as
ruas de São Paulo, só para lembrar quem manda nesta terra esquecida por Deus.
Pois é, um manda e os outros obedecem.
Morrem vítimas de tiros da polícia todos os dias mulheres e
crianças negras, que vão para as estatísticas fúnebres — que também podem ser
modificadas por algum auditor bolsonarista infiltrado no TCU, filho de
um coronel bolsonarista que estudou com o presidente e arrumou uma boquinha na
Petrobras, que agora também tem na presidência um general bolsonarista. Aonde
eles não estão infiltrados?
Por falar nisso, esqueci que no “dispositivo militar” do
triunvirato Braga, Ramos e Heleno, além dos 400 mil
integrantes das Forças Armadas, devem ser incluídos os 800 mil homens das
Polícias Militares e das empresas privadas de segurança, que também obedecem às
ordens do capitão — isso sem falar nas milícias cada vez mais armadas. Quem não
estiver satisfeito que vá reclamar para os bispos, mas eles também são
cegamente fiéis a Bolsonaro.
Está tudo dominado na República Bolsonarista. Se alguém ler
este texto daqui a 100 anos, com certeza não vai acreditar que o Brasil de 2021
vivia assim. Se ainda existir Brasil... E isso ainda não é nada. Dias piores
ainda virão, aguardem.
Vida que segue.
Com Ricardo Kotscho e Bruno Boghossian