domingo, 13 de junho de 2021

GOLPE PRA QUE?


Golpe? Para que golpe se já está tudo dominado?

Devagar, devagarinho, degrau por degrau, a tropa bolsonarista foi ocupando o Estado brasileiro sem enfrentar resistência nem colocar tanques nas ruas.

Primeiro, foi a Polícia Federal e a Abin; depois, a Procuradoria-Geral da República, a AGU e a CGU, o Ministério da Saúde e as presidências da Câmara e do Senado, até chegar às Forças Armadas.

O dia D e a hora H — como diria o patético general Pazuello — para consumar essa ocupação foi a demissão sumária do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que até março resistia aos surtos golpistas do capitão. Assumiu o posto o general bolsonarista Braga Netto, junto com o general bolsonarista Luís Eduardo Ramos, que ficou tomando conta da Casa Civil. Na retaguarda, permanece o general bolsonarista Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.

Os três generais planaltinos convenceram o capitão a demitir Azevedo e Silva para montar um “dispositivo militar” genuinamente bolsonarista, colocado a serviço do governo. Em seguida, Braga Netto trocou os três comandantes militares legalistas e se tornou o homem forte do governo do capitão, aquele que manda prender ou soltar, segundo as suas próprias leis.

Só escapou até agora o STF, que logo ganhará a companhia de mais um ministro bolsonarista, este “terrivelmente evangélico”. Não foi à toa que a Corte se tornou o principal alvo das manifestações antidemocráticas motorizadas e das milícias digitais bolsonaristas, que continuam atuando a todo vapor, fora de qualquer controle, já em campanha para 2022.

O capitão pensa que pode tudo e não dá bola para a Constituição nem para o que os outros falam ou escrevem, pois ele criou suas próprias verdades acreditando piamente nas mentiras que conta todos os dias. Na coluna “Ciranda de Mentiras”, na Folha, o jornalista Bruno Boghossian não só resume a ópera com maestria, como constata que Bolsonaro bateu mais um recorde pessoal:

Jair Bolsonaro bateu mais um recorde pessoal. Em 19 minutos de pregação num culto religioso, ele despejou informações falsas sobre a segurança das eleições, os efeitos da cloroquina, a eficácia de vacinas e o número de vítimas da Covid. O presidente armou uma ciranda de mentiras para limpar a própria barra, escapar de punições e se reeleger.

A prioridade de Bolsonaro é fraudar a história da pandemia. No início da semana, ele foi ao cercadinho do Palácio da Alvorada e disse que metade das mortes por Covid registradas no país não foram provocadas pela doença. Para lustrar a balela, o presidente disse que a conclusão era do Tribunal de Contas da União.

O episódio é um retrato acabado da máquina bolsonarista de invencionices. O TCU disse que nunca havia feito aquela constatação. Logo depois, soube-se que a tese malfeita havia sido incluída por um auditor no sistema do tribunal horas antes da declaração do presidente. O tal funcionário seria filho de um militar que é amigo de Bolsonaro.

Como a mentira é sua principal arma política, o presidente até admitiu o erro, mas continuou espalhando a lorota. Na cerimônia evangélica de quarta-feira (9), ele disse que as ‘possíveis fraudes’ fazem com que o Brasil seja o país ‘com menor número de mortos por milhão de habitantes por causa da Covid’. E atribuiu o milagre, é claro, à cloroquina.

Pela lógica de Bolsonaro, os brasileiros sufocados sem oxigênio em Manaus estão vivos ou morreram de outras doenças. E os médicos que emitiram laudos de centenas de habitantes por causa da Covid são farsantes. Ele ainda investiu mais uma vez no aumento desses números ao inventar que as vacinas não têm comprovação científica.

Bolsonaro também ressuscitou a acusação vazia de fraude na eleição de 2018 e repetiu a versão fantasiosa de que foi eleito no primeiro turno. Disse ter ‘provas materiais disso’, mas não explicou por que nunca apresentou um farelo dessa evidência. O presidente dobrará a aposta na mentira enquanto permanecer impune”.

Vivêssemos em tempos normais e as instituições estivessem funcionando, só uma dessas aberrações já justificaria a abertura de um processo por crime de responsabilidade e um por atentado contra a saúde pública e a democracia.

Indiferente à pandemia que continua matando mais de 2 mil brasileiros por dia, já se aproximando dos 500 mil óbitos, Bolsonaro só está preocupado com a organização de mais uma “motosseata”, ou sei lá que nome tem isso, com milhares de devotos seguidores cruzando com suas possantes as ruas de São Paulo, só para lembrar quem manda nesta terra esquecida por Deus. Pois é, um manda e os outros obedecem.

Morrem vítimas de tiros da polícia todos os dias mulheres e crianças negras, que vão para as estatísticas fúnebres — que também podem ser modificadas por algum auditor bolsonarista infiltrado no TCU, filho de um coronel bolsonarista que estudou com o presidente e arrumou uma boquinha na Petrobras, que agora também tem na presidência um general bolsonarista. Aonde eles não estão infiltrados?

Por falar nisso, esqueci que no “dispositivo militar” do triunvirato Braga, Ramos e Heleno, além dos 400 mil integrantes das Forças Armadas, devem ser incluídos os 800 mil homens das Polícias Militares e das empresas privadas de segurança, que também obedecem às ordens do capitão — isso sem falar nas milícias cada vez mais armadas. Quem não estiver satisfeito que vá reclamar para os bispos, mas eles também são cegamente fiéis a Bolsonaro.

Está tudo dominado na República Bolsonarista. Se alguém ler este texto daqui a 100 anos, com certeza não vai acreditar que o Brasil de 2021 vivia assim. Se ainda existir Brasil... E isso ainda não é nada. Dias piores ainda virão, aguardem.

Vida que segue.

Com Ricardo Kotscho e Bruno Boghossian