É impossível adjetivar de maneira publicável a aprovação do aumento do Fundo Eleitoral de imorais R$ 2 bilhões para surreais R$ 5,7 bilhões. Mas, como nada é totalmente bom nem totalmente ruim, pode-se ao menos extrair dessa imoralidade a conclusão de que é o Centrão, e não o presidente descentrado, que manda, faz e acontece nesta republiqueta de quinta.
Ações têm consequências e, como ensinou o Conselheiro
Acácio, "o problema com as consequências é que elas sempre vêm
depois". Por um lado, a imprensa, as redes sociais e a sociedade civil
exigem que Bolsonaro vete o descalabro; por outro, centristas e demais
marafonas do Parlamento pugnam pela sanção da LDO sem vetos.
Aproveitando-se do imbróglio, deputados e senadores
oportunistas, que rejeitaram a possibilidade de votar um destaque que excluía
da LDO o aumento do fundo, recorrem à Justiça para anular a sessão que aprovou
a excrescência. Afinal, haverá eleições gerais no ano que vem. Com sem voto
impresso.
Bolsonaro tenta — mais uma vez — justificar o injustificável
com de desculpas esfarrapadas, meias-verdades e mentiras deslavadas. Se vetar a
LDO — diz ele a sua récua de baba-ovos, citando o artigo
85 da Constituição — estará cometendo crime de responsabilidade. Só que
não. O veto ou a sansão presidencial é uma política de conveniência e
oportunidade; não há viés jurídico que justifique sua "preocupação".
Demais disso, o presidente que "cagou para a CPI" caga e
anda para crimes de responsabilidade. Tanto é assim que ele os vem
cometendo em série desde o primeiro dia desta nauseabunda gestão. A
título de ilustração, um levantamento feito pelo site Metrópoles apurou que sua insolência
falou
em fraude eleitoral ao menos 90 vezes entre 6 de maio e a última sexta-feira
(a reportagem considerou as declarações do presidente em discursos oficiais,
entrevistas, lives semanais e conversas com apoiadores no chiqueirinho defronte
ao Alvorada).
"Só
Deus me tira da poltrona presidencial", esbravejou nosso indômito
comandante. O deputado-réu Arthur Lira deve estar orgulhoso. Depois de alçá-lo
à presidência da Câmara — para que mantenha trancados a 7 chaves cento e tantos
pedidos de impeachment — Bolsonaro agora lhe confere o status de
divindade.
Não se sabe qual será o valor do fundão para as eleições do
ano que vem, mas sabe-se que está em curso mais um "plano caracu"
(os políticos entram com a cara e o povo...). Fala-se que R$ 4 bi estaria de
bom tamanho, e todo mundo ficaria feliz: Bolsonaro, por se livrar do
desgaste do veto (aos olhos dos parlamentares) e os parlamentares, por se
livrarem do desgaste da derrubada do veto (aos olhos dos eleitores).
Segundo a revista Crusoé, com o valor gasto nas campanhas eleitorais em 2020 seria possível comprar 40 milhões de doses da vacina da Pfizer. Foram R$ 101,9 milhões só com adesivos. Considerando que cada "praguinha" (adesivo simples) custa R$ 0,30, seria possível confeccionar nada menos que 340 milhões de "praguinhas" — o que daria mais de 2 adesivos por eleitor.
A despeito da pandemia e das restrições de circulação, o dinheiro
torrado com combustível daria para rodar 126 milhões de quilômetros
(o que equivale 3 mil voltas em torno da Terra). A despesa com "santinhos"
alcançou R$ 282,6 milhões. Como o preço médio de cada impresso de 7cm
x10cm é de R$ 0,04, seria possível imprimir mais de 7 bilhões de unidades
— o suficiente para distribuir um "santinho" para cada habitante do
planeta. Já os R$ 153 milhões gastos com a militância de rua
equivalem a diárias para 2 milhões de cabos eleitorais.
Quanto ao povo... No sábado 24, pela quarta vez em dois meses, protestos contra Bolsonaro eclodiram em todas as capitais brasileiras, centenas de cidades do interior e até no exterior.
O mais recente levantamento do Instituto Datafolha mostrou que a reprovação do desgoverno federal subiu de 45% para 51% — a maior reprovação desde a posse do mandatário, em janeiro de 2019. Os organizadores disseram ter registrado um aumento no número de atos nos estados após a ameaça do ministro da Defesa, de que não haverá eleições caso o voto impresso não seja adotado no país.
A decisão do presidente de entregar o comando da Casa Civil ao senador Ciro Nogueira, principal expoente do Centrão, também impulsionou o movimento. Aliás, por uma ironia do destino Bolsonaro levou para dentro do Palácio do Planalto um "amigo dileto" de Renan Calheiros, relator da CPI do Genocídio e desafeto declarado do capitão. "Sou amigo de muita gente aqui no Senado, mas ninguém é mais meu amigo que o senador Ciro Nogueira", disse Calheiros no dia da abertura da CPI.