segunda-feira, 12 de julho de 2021

TERÊNCIO ÀS AVESSAS



Indiferente aos mais de 530 mil cadáveres empilhados desde o início da pandemia, o capitão-cloroquina caga para a CPI, ataca a cúpula da Comissão, chama o presidente do TSE de idiota e imbecil e promove mais uma motociata, agora em Porto Alegre (RS). 

Será preciso mais que isentar motocicletas do pedágio para reconquistar o apoio daqueles que ajudaram a elegê-lo para evitar a volta do lulopetismo corrupto, mas não imaginaram quão nefasta seria a gestão do presidente que, na definição lapidar do blogueiro e colunista Ricardo Kertzman, "de cagada em cagada vai destruindo o país". 

Bolsonaro está cada vez mais refém do Centrão. Não tem força sequer para destituir o deputado Ricardo Barros da liderança do governo e muito menos para gerir o orçamento, que hoje está nas mãos do grupo fisiológico. Virou fantoche do núcleo coordenado por Arthur Lira, sobretudo depois que o presidente da Câmara guardou em sua gaveta um "superpedido de impeachment" assinado por 46 parlamentares (que Lira vai deixar em banho-maria, como fez com os outros 122 requerimentos).

Segundo os institutos Datafolha e XP, a rejeição popular ao devoto da cloroquina passa de 50%. Quase metade dos entrevistados disse ser a favor do impeachment e mais da metade afirmou que não votará no capitão de jeito nenhum. Seria uma ótima notícia não fosse o fato de as mesmas pesquisas apontarem que Lula tem 41,3% das intenções de voto (contra 26,6% do "mito" dos desmiolados). Esses dados confirmam avaliações no meio político sobre o duopólio atual estreitar o espaço para a assim chamada terceira via.

A CPI vem expondo os crimes cometidos pela pandilha bolsonarista. Os irmãos Miranda revelaram que essa caterva transformou a pandemia em uma grande ocasião de negócio, uma oportunidade de golpes milionários contra o interesse público. A Covaxin parece ser apenas a ponta do iceberg da máquina de corrupção existente no Ministério da Saúde. Mas o que mais chama atenção é a indiferença dos quadrilheiros aos milhares de brasileiros que morriam (e continuam morrendo) todos os dias. Para eles, a pandemia foi um achado.

Bolsonaro, mestre em criar factoides, tem se empenhado como nunca para desviar o foco da podridão que o cerca. Organizações de direita e de centro-direita, como MBL, Vem Pra Rua, e, agora, o Partido Novo, se uniram à campanha pelo impeachment. As manifestações populares estão se tornando menos vermelhas, e devem engrossar com o avanço da vacinação. As más notícias se multiplicam rapidamente, sem que sua usina de fake news do capetão consiga responder à altura.

O cenário, agora, é de intensificar a luta política pelo impeachment. Não deve ser descartado que, numa situação limite, Bolsonaro possa renunciar — para manter seus direitos políticos, usar o ato como bandeira eleitoral em 2022 (algo como “eles não me deixaram governar”) e transferir seus imbróglios judiciais para a primeira instância e assim ganhar tempo. Como um Terêncio às avessas, Bolsonaro pode propalar aos quatro ventos que nada que é desumano lhe é estranho. Mas nada o livrará da cadeia. Papuda ou Bangu 8 poderão ser sua nova moradia.

Para encerrar, um texto de Mentor Neto:

Faz algum tempo que cobram (sujeito indeterminado) a população de alguma atitude diante de tudo que estamos passando no País. E a população, por sua vez, não faz nada além de cobrar alguém (sujeito indeterminado) alguma atitude diante de tudo que estamos passando no País. Dizem (idem) que está todo mundo com medo de sair às ruas e expor sua indignação por causa da pandemia. Isso explicaria por que, com parte da população vacinada, uns poucos milhares decidiram ocupar as avenidas nos últimos sábados. Mas ainda é muito pouco.

Não vou dizer que é necessário derrubar o governo, porque isso é consequência de decisões maiores do que manifestações ou a vontade popular. Mas é preciso chacoalhar a árvore do poder para ver se caem umas jabuticabas. Só que, ao contrário da maioria dos comentários sobre a ausência de um movimento mais articulado, não acredito que a culpa seja da pandemia ou da falta de panelas para se bater nas janelas. Acho que o Brasil atual sofre de uma inédita ruptura entre a Turma e a Coisa.

A ideia de Turma e Coisa é uma teoria muito complexa, que venho desenvolvendo ao longo dos últimos anos e pretendo publicar numa monografia. Uma teoria que, acredito, será uma cadeira da faculdade de Sociologia. Turma é a galera. O pessoal. No caso dos políticos, eleitores ou apoiadores. Já a Coisa é tudo aquilo que uma Turma faz em conjunto. O churrasco de domingo, um luau na praia, uma partidinha de society ou uma ida à manicure. Um membro de uma Turma só precisa dizer: "E aí galera, vamos agitar a Coisa?" E pronto. Sua Turma já entendeu.

Para o governo, a Coisa é, por exemplo, o cercadinho do Planalto, as frases polêmicas, os palanques ou as decisões cotidianas. A Turma do Bolsonaro está assistindo a Coisa pegar na CPI. A Coisa tá complicada por lá. E a Turma do presidente só assiste ou anda de moto.

A Turma da CPI levantou o tapete e achou Coisa que não acaba mais. Com isso, complicou muito a Coisa das eleições do ano que vem. Só que a Turma que quer se eleger não parece ter entendido que a hora é de fazer suas Coisas acontecerem. Ciro brigou com Lula por causa da Coisa toda, mesmo com sua Turma não entendendo bem o porquê. Lula, que para a Turma oposta é ele próprio um Coiso, não se decidiu a assumir o papel de salvador da Coisa, o que cria enorme insegurança em sua própria Turma.

A Turma liberal do Novo parece que largou mão da Coisa e 'nem tchuns' para toda essa bagunça. Até a Marina foi abduzida da Coisa toda. Menos grave, porque é certo que a Turma dela só aparece mesmo na última hora, então aí não temos surpresa nenhuma.

O País está nesse descompasso exatamente porque as Turmas não estão ligadas nas suas respectivas Coisas.

A essa altura, você já deve ter compreendido a profundidade do binômio Turma & Coisa e sua importância para o futuro do Brasil. Estou certo de que o leitor atento já está procurando a Turma e a Coisa com as quais se identifica.

O fato é que a Coisa toda que esse governo impôs, a Coisa da pandemia, a Coisa dos ministérios dominados por uma Turma incompetente, tudo isso deixou a gente de queixo tão caído que as nossas Turmas estão congeladas e suas Coisas abandonadas ao sereno.

Basta! Este texto é um apelo para todas as Turmas desse País acordem! Vamos agarrar nossas Coisas e decidir para onde vamos levar a Nação. Apenas a sua Turma, seja ela qual for, pode impor mudanças. Porque, se você não percebeu ainda, sem sua Turma a Coisa ficou feia.