segunda-feira, 30 de agosto de 2021

MAIS SOBRE INSEGURANÇA DIGITAL (PARTE VI) — A HORA E A VEZ DO PIX

O COMEÇO DE TODAS AS CIÊNCIAS É O ESPANTO DE AS COISAS SEREM O QUE SÃO.

Menos de um ano após começar a funcionar, o PIX já é o segundo meio de pagamento mais usado pelos brasileiros nas compras à vista, atrás apenas do dinheiro — as modalidades de pagamento mais utilizadas pelos brasileiros são dinheiro (71%), PIX (70%), cartão de débito (66%) e cartão de crédito (57%).

Esses bons resultados têm atraído, além de novos adeptos para o sistema, a atenção de golpistas, que não param de criar formas de enganar os usuários da ferramenta. Isso porque a agilidade do PIX é "sopa no mel" para os criminosos, pois permite movimentações rápidas e gratuitas a qualquer dia e horário. Com isso, a vítima tem menos tempo para perceber a artimanha e pode não conseguir cancelar a operação. Diante disso, é essencial ficar atento para evitar ser vítima de fraude, que podem ocorrer de diversas maneiras.

O tipo de ataque mais comum é a clonagem do WhatsApp — que, aliás, existe desde muito antes de o PIX ser lançado. Com a nova tecnologia, a clonagem foi aprimorada. A primeira etapa do golpe é o contato com a vítima: o criminoso finge ser representante de uma empresa e solicita um código de segurança ao proprietário da conta como se ele fosse necessário para atualização, manutenção ou confirmação de cadastro.

O problema é que esse código permite o sequestro do perfil: se o usuário não tiver habilitado a autenticação em duas etapas, basta essa informação para que a conta de WhatsApp seja instalada em um dispositivo diferente. Com acesso ao perfil, o golpista aborda os contatos da vítima e pede ajuda financeira, de preferência com transferência por PIX. Depois que o dinheiro é transferido, recuperá-lo é pouco provável, já que a transferência é feita por vontade própria (mesmo que seja motivada por um golpe).

Uma variação desse ataque é a da falsa pesquisa sobre Covid. O golpista se passa por representante do Ministério da Saúde, faz perguntas sobre sintomas relacionados à doença e, ao final, solicita que o usuário informe um código recebido por SMS, como se fosse um dado necessário para confirmar a realização da pesquisa, mas a ideia é usá-lo para clonar o WhatsApp da vítima.

Outra modalidade de fraude é relacionada à clonagem da conta — é como se fosse um upgrade do método. Depois de sequestrar a conta da vítima, o golpista passa a usar fotos suas, obtidas em redes sociais. Em seguida, ele passa a procurar os contatos da vítima. Como o número de celular é desconhecido, ele alega que teve de trocá-lo. Em seguida, diz que está em uma emergência e pede uma transferência via PIX.

Por isso, é muito importante ter cuidado com a exposição de dados em redes sociais. E mais: vale ficar atento quando receber mensagens de contatos com números novos, especialmente se eles pedirem dinheiro com urgência. Antes de atender o pedido feito pelo contato, confirme com a pessoa por chamada telefônica ou email (pelo WhatsApp não vale, porque a conta pode estar em posse de criminosos).

Pelo fato de a versão simples do ataque ser inviabilizada pelo uso da autenticação em duas etapas, muitos fraudadores incluíram vêm incluindo uma segunda fase à ação: depois de obter o código enviado por SMS, o golpista entra em contato com a vítima e se apresenta como integrante da equipe de suporte do WhatsApp. Ele informa ao usuário que identificou uma suposta atividade maliciosa na conta e que enviou um e-mail para que ele recadastre a dupla autenticação. A vítima, de fato, recebe uma mensagem legítima do WhatsApp. Ela contém um link para a redefinição da verificação em duas etapas. Ao clicar nele, o usuário desabilita a proteção, e o golpista se aproveita do fato de que a conta está desprotegida para seguir com o golpe.

Em outra técnica, o criminoso se vale do desconhecimento sobre as formas de cadastro das chaves PIX. Ele se passa por funcionário do banco em que a vítima tem conta e oferece ajuda para efetuar o cadastro ou informa que é preciso fazer um teste com o sistema de pagamentos para regularizar o registro. A vítima, então, é induzida a fazer uma transferência via PIX e dá adeus ao dinheiro repassado ao golpista.

Segundo a FEBRABAN, as instituições financeiras não solicitam dados pessoais de seus clientes ativamente e seus funcionários não ligam para fazer testes com o PIX. Jamais passe informações por telefone; em caso de dúvida, procure os canais oficiais da instituição bancária para confirmar a necessidade de atualização de dados.

Outra fraude começa em mensagens e vídeos divulgados em redes sociais. Trata-se de fake news que afirmam que um bug no PIX permite que o usuário receba de volta um prêmio em dinheiro quando transfere valores para determinadas chaves. A vítima acredita e envia dinheiro diretamente para o golpista (o dono da chave supostamente contemplada). Dinheiro fácil, anunciado em mensagens em redes sociais, deve ser um sinal de alerta para todos os usuários. E lembre-se: o sistema criado pelo Bacen é robusto, seguro e sem bugs.

Pagamentos pelo PIX podem ser feitos a partir de códigos QR. Em meio à pandemia, tornaram-se comuns lives em benefício de organizações não governamentais e recebam doações, muitas delas via QR Code. Alguns criminosos fazem o download dessas apresentações e criam uma transmissão nova em que colocam seu próprio código QR. Assim, recebem as doações de quem não tem muita experiência com a tecnologia.

Portanto:

  • Sempre verifique a identidade de quem está solicitando o PIX;
  • Na hora de efetivar a transação, fique atento: os aplicativos estão cada vez mais fáceis de utilizar e o usuário, muitas vezes, seleciona ‘Confirmar’ sem nem perceber que está transferindo recursos para um nome que não conhece;
  • Alguns sites já estão adotando pagamento por PIX. Nesse caso, se o usuário estiver em um ambiente falso, o dinheiro vai para a conta do golpista;
  • É fundamental confirmar o limite disponível para transferência por PIX com a instituição financeira. Às vezes, o próprio usuário comete um erro de digitação e atribui a perda a um golpe;
  • Usuários que não têm familiaridade com o PIX podem treinar o uso do recurso. Uma boa ideia é fazer uma transferência de R$ 1 para um conhecido, de modo a testar a funcionalidade. E pedir o dinheiro de volta, se quiser, já que o processo é gratuito.

O BACEN também tem uma lista de sugestões importantes. Acompanhe:

  • Confira os remetentes de emails e não acesse páginas suspeitas, com endereços curtos ou com erros de digitação;
  • Não clique em links recebidos por email, WhatsApp, redes sociais ou mensagens de SMS que direcionam a cadastros de chaves do PIX;
  • Cadastre chaves do PIX apenas em canais oficiais de bancos ou fintechs;
  • Em caso de suspeita, entre em contato com o banco pelos canais oficiais;
  • Após o cadastro, o BACEN envia o código por SMS (se a chave cadastrada for um celular) ou email (se ela for um email). Essa confirmação não vem por ligação telefônica nem por link;
  • Não compartilhe esse código;
  • Não faça transferências para conhecidos sem confirmar por chamada telefônica ou pessoalmente. O WhatsApp não é uma boa opção, já que pode estar clonado.

Na última sexta-feira BACEN anunciou uma série de mudanças para o uso do PIX. A proposta é melhorar a segurança desse sistema. Entre as ações estão o bloqueio de horários para transferências, limitação de valores e até a escolha dos destinatários. Ainda não se sabe quando as regras começarão a valer efetivamente. Segundo o presidente do BC, Roberto Campos Neto, com o anúncio das mudanças as instituições financeiras poderão se preparar para as novas regras, que "serão efetivas em algumas semanas”.

  • Das 20h às 6h fica estabelecido um limite de R$ 1.000 para transferências para mesmo banco, PIX e TED
  • Se quiser aumentar esse limite, o cliente pode fazer a solicitação, mas haverá prazo mínimo de 24 horas e máximo de 48 horas para a efetivação do pedido feito por canal digital, impedindo o aumento imediato em situação de risco;
  • Clientes passam a poder estabelecer limites transacionais diferentes no PIX para os períodos diurno e noturno, permitindo limites menores durante a noite;
  • Instituições poderão permitir que usuários cadastrem com antecedência contas que poderão receber PIX acima dos limites estabelecidos;
  • Haverá prazo mínimo de 24h para que o cadastramento prévio de contas por canal digital produza efeitos;
  • É possível que uma transação fique retida por 30 minutos durante o dia ou por 60 minutos durante a noite para a análise de risco da operação.
  • Passa a ser obrigatório o mecanismo, já existente e hoje facultativo, de marcação no Diretório de Identificadores de Contas Transacionais (DICT) de contas em relação às quais existem indícios de utilização em fraudes no PIX, inclusive no caso de transações realizadas entre contas mantidas no mesmo participante;
  • Passam a ser permitidas consultas ao DICT para alimentar os sistemas de prevenção à fraude das instituições;
  • Usuários do PIX poderão adotar controles adicionais em relação a transações envolvendo contas marcadas no DICT;
  • Usuários de arranjos de pagamentos eletrônicos poderão compartilhar com autoridades de segurança pública as informações sobre transações suspeitas de envolvimento com atividades criminosas;

Ainda não há consenso sobre quem deve arcar com o prejuízo em golpes aplicados utilizando o PIX. Desde que a solução de pagamento instantâneo foi implementada, em novembro de 2020, a Justiça brasileira já tomou decisões tanto a favor de instituições financeiras quanto de clientes que foram lesados por crimes envolvendo o PIX. Especialistas ressaltam que, por mais que envolvam a mesma solução, os crimes podem ter diferentes perfis, o que acaba sendo determinante para as decisões.

Via de regra, o banco não tem responsabilidade quando há um crime cometido utilizando o PIX, porque, no caso de um sequestro relâmpago, por exemplo — crime que cresceu 39% no Estado de São Paulo —, a própria vítima coloca o login no aplicativo de banco e faz a transferência, de modo que o banco não contribui em nada com essa fraude. Por outro lado, algumas decisões judiciais atribuíram a responsabilidade aos bancos quando as vítimas entraram em contato com a instituição financeira logo após o crime, requerendo o bloqueio dos valores na conta de destino, mas não foram atendidas, ou quando há suspeita de invasão do aplicativo.

De acordo com a súmula 479 do STJ, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Em tese, isso significa que os bancos acabam arcando com o prejuízo em casos de invasão de hackers, fraude nos sistemas, entre outros problemas internos. Por outro lado, em sequestros relâmpagos há o que se chama de "fortuito externo" — ou seja, elementos que fogem das margens de controle que as instituições financeiras colocam nos aplicativos. Nesses casos, a responsabilização das instituições costuma ser mais rara.

Em julho, a Justiça de Goiás condenou parcialmente o Banco Itaú a restituir o valor de R$ 20 mil a duas vítimas de um golpe sofrido após um criminoso ter alegado ser funcionário do banco e realizar movimentações por PIX. A vítimas fizeram um boletim de ocorrência e tentaram resolver a situação de forma administrativa, mas houve "recusa do banco". Com isso, o juiz responsável pelo caso refutou o argumento da instituição financeira — de que a culpa é exclusiva do autor da ação — e ainda condenou o banco a pagar uma indenização de R$ 5 mil por danos morais.

Por outro lado, uma decisão recente do TJ-SP em ação ajuizada contra o Banco Itaú entendeu pela improcedência do pedido feito por uma vítima que teve o celular furtado e R$ 8 mil retirados de sua conta. De acordo com a magistrada que jugou o caso, a responsabilidade é exclusiva do cliente, pois a transação foi realizada pelo aplicativo no celular.

Com informações de O Estado de S. Paulo