Dizem que a jabuticaba (fruta) e a saudade (palavra) são exclusividades tupiniquins, mas não é verdade. Apesar de ser nativa da Mata Atlântica, a jabuticabeira está presente em outros países da américa latina, como México e Argentina. E o vocábulo "saudade" tem similares em espanhol (soledad), no catalão (soledat) e em várias outras línguas neolatinas.
A originalidade portuguesa foi a extensão do termo a
situações que não a "solidão devida à falta do lar". Para nós,
"saudade" é algo como "a dor de uma ausência que temos
prazer em sentir" — ou, na definição dos dicionaristas, um "sentimento
melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à
ausência de experiências prazerosas já vividas". Aliás, quem tem
prazer em sentir dor é masoquista.
Não restam dúvidas de que o Brasil está
longe de ser um país sério. A propósito, quem proferiu a célebre frase "le
Brésil n’est pas un pays serieux", frequentemente atribuída ao
general francês Charles de Gaulle, foi na verdade o diplomata brasileiro
Carlos Alves de Souza Filho, genro do presidente Artur Bernardes. E quem disse que "O Brasil não é para principiantes"
(ou para "amadores", conforme a versão dessa história) foi
mesmo o saudoso maestro Tom Jobim (brasileiro
até no nome).
Saudosistas não raro idolatram um passado que nunca
existiu. No Brasil, alguns vão mais além: gente que nem sequer era nascida
quando a eleição de Tancredo Neves pôs termo à ditadura militar diz "sentir
saudades dos anos
de chumbo" e (pasmem!) apoia o desgoverno do inquilino de turno do
Planalto — uma aberração que apoiamos para evitar a volta do lulopetismo
corrupto, sem imaginar, àquela altura, que estávamos removendo o pino de uma
granada de efeito retardado, desarrolhando a garrafa que prendia um efrite (ou ifrit) megalômano, abrindo
a caixa de
Pandora, enfim, deixo por conta do freguês a escolha da melhor
analogia.
Desde a posse, esse mau
militar e parlamentar
medíocre nada fez senão articular sua reeleição. Quanto aos inúmeros problemas
que o país enfrenta (em parte pela incompetência chapada de seu mandatário de
fancaria), sua excelência vem fazendo o que continuará a fazer se não for impedido
— ou seja, o que ele disse ter
feito para a CPI do Genocídio. E assim, de cagada em cagada, o cagão
vai esmerdeando o lema chauvinista e enjoadinho que associou à sua campanha:
"Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".
Conhecimentos não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através
de inexatos livros de História não autorizam quem quer que seja a pleitear
volta dos fardados ao poder. A ditadura militar, instituída em março de
1964 com a
deposição do então presidente João Goulart e a posse
do marechal Humberto de Alencar Castello Branco se estendeu
por intermináveis 21 anos, ao longo dos quais ocuparam o Palácio do Planalto os
generais Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo,
nessa ordem.
Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou
o AI-5,
produzindo um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros que
prevaleceram durante o período mais repressivo do governo militar. Em
1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que
poria fim, 11 anos depois, ao regime de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo Neves — o
primeiro presidente civil em mais de duas décadas (que baixou ao hospital 12
horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois).
O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do
espírito democrático” de Geisel e Figueiredo nem
tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o
processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares
pró-diretas que reuniram, em 1983, cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária
(na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A
mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista),
em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas
onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.
Observação: Os manifestantes apareceram
espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando
Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de
artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980,
a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e
se popularizariam quase duas décadas depois.
A “Revolução de 1964” — cuja data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de
Estado desfechado na madrugada de 1º
de abril, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram Jango
— a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava
com o comunismo. Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela
aprovação da emenda
constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às
eleições diretas, que havia sido suspenso pelos militares. No dia da votação,
exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112
deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras
palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer
social que, infelizmente, é um mal necessário.
O desgaste do governo propiciou a eleição (indireta)
de Tancredo Neves, que venceu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480
votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente
Liberal, formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação
ao governo militar. Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães
— que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República
pelo PMDB contra
o pedessista Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista”
formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o
programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em
todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e
dos transportes, entre outras benesses.
Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam
pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro
presidente civil depois de 21 anos e, consequentemente, a volta dos militares
às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou
em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da
cerimônia de posse morreu 38 dias e 7 cirurgias depois. O sepultamento do
político — em São João Del Rey (MG) — produziu um dos maiores cortejos fúnebres
já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por
São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que
foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.
Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o
então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) ser
guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do
coronelismo nordestino José Sarney, vice
na chapa de Tancredo, deveria assumir a Presidência. E foi o que
aconteceu, para o bem e para o mal.
Sem embargo, há por estas bandas gente que — repito — sequer
era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura, mas
se diz saudosa dos "anos de chumbo". E tudo indica que essa escumalha
comparecerá em peso às manifestações pró-governo marcadas para o próximo dia 7.
Quem viver verá que haverá, então, mais jovens rinchando bestagens do que
sessentões — que cresceram e adolesceram em meio à ditadura — defendendo o
fechamento do Congresso e a prisão dos ministros do STF, entre outras sandices.
Longe de mim passar a impressão de que, em minha desvaliosa
opinião, nossos parlamentares façam jus a rasgados elogios. E o mesmo se aplica
a atual composição da mais alta corte de Justiça tupiniquim. Como instituições,
tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo
Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual
chefe do Executivo (assim como os que o precederam desde a "redemocratização"),
os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 10 togados supremos (seriam 11
se alguém já tivesse ocupado a vaga aberta com a aposentadoria do primo de Collor)
merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.
Observação: Confundir alhos
com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por
extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é
que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante
à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que
os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não
confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.
Retomando o fio da meada, ou melhor, remetendo ao título
desta postagem — que tomei emprestado do artigo publicado por Ricardo Rangel
em Veja — e que transcrevo mais adiante —, há coisa que parecem
acontecer somente no Brasil (e ainda dizem que Deus é brasileiro!).
Ao contrário do que escreveu Karl Marx, a história
nem sempre se repete como tragédia ou farsa. Às vezes — para o bem ou para o
mal — ela reproduz fielmente o passado.
A julgar pelo exercício de futurologia que institutos como Datafolha,
Ibope, Vox Populi, Paraná Pesquisas e assemelhados chamam
de pesquisas de intenções de voto, o ex-presidiário travestido de
"ex-corrupto" e o maníaco que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto abrilhantarão
o segundo turno do pleito presidencial de 2022. E a menos que o imprevisto
tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o picareta dos picaretas
fará picadinho do capitão despirocado. Ao que parece, tudo depende do que acontecer
no próximo dia 7 (vide postagem anterior). Enfim, quem viver verá. Enquanto
isso, passo a palavra a Rangel.
O presidente da República declarou que o Supremo
não tem direito de abrir inquérito de ofício. O governo federal entrou com ação
no Supremo pedindo ao Supremo que revogue o artigo do regimento
interno do Supremo que permite ao Supremo que abra inquérito de
ofício.
O advogado do presidente da República cantou uma mulher
casada e fugiu correndo quando o marido da mulher o perseguiu com uma faca.
O presidente da República convocou para o golpe (que ele
chama de “contragolpe”). Quando a convocação vazou, irritou-se.
Um cantor convocou para o golpe. Quando a convocação
vazou, declarou-se magoado, triste, depressivo e chorou em entrevista. Ao
sofrer busca e apreensão, declarou que não tem medo de ir para a cadeia, que
não é frouxo, não é mulher. E novamente pediu desculpas em nova entrevista,
desta vez na cama.
Um deputado aventou a hipótese de que o cantor tenha
usado dinheiro público para comprar uma prótese peniana. O líder da associação
dos produtores de soja desmentiu o cantor, que havia citado seu nome como
participante do golpe, e deu como explicação a hipótese de ele ter “tomado
umas pingas”. Após sofrer busca e apreensão, o líder desfilou com tratores
na porta da Polícia Federal.
O presidente da República entrou com ação de impeachment
contra ministro do Supremo.
Um comediante fez ameaças aos ministros do Supremo
e pediu o fechamento do tribunal e do Congresso.
Vários coronéis da PM, inclusive um da ativa,
comandante de cinco mil homens, convocaram para o golpe — que tem data, hora e
local marcados com um mês de antecedência e conhecidas pelo público.
Os militares avisaram que não vão poder comparecer.
EM TEMPO: Na manhã do último sábado, durante o 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás, nosso indômito capitão compartilhou com a récua de muares que vão ao Nirvana com suas bolsonarices a seguinte profecia: "Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza de que a primeira alternativa não existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém. Sempre onde o povo esteve, eu estive". Esqueceu-se sua excelência de uma quarta possibilidade, que, pelo andar da carruagem, tende a ser a mais provável: a derrota.
No âmbito judicial, Bolsonaro
é investigado em cinco inquéritos. O assim chamado inquérito
das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de
disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de
fragilizar as instituições e a democracia. Outro inquérito, no TSE,
investiga o mandatário por ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa
de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, nos últimos dias,
aliados do presidente foram alvo
de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado.
Bolsonaro também enfrenta desgaste nos campos
político e econômico, com inflação, desemprego e pobreza em alta, e o
risco de apagão
no fornecimento de energia elétrica, diante do baixo nível dos
reservatórios das hidrelétricas. Em Goiânia, ao lado de líderes evangélicos, o
presidente discursou por cerca de 20 minutos. No fim, disse: "Deus me
colocou aqui, e somente Deus me tira daqui", repetindo uma frase já
comum em declarações do presidente. Já do lado de fora da igreja, tirou fotos
com apoiadores e tomou caldo de cana. Depois de falar com o público, ele se
encontrou com políticos e empresários de Goiás em um local onde foram colocadas
tendas e montado um palco.
Alea jacta est.