Antes do texto que eu havia preparado para hoje cabem algumas informações e ponderações importantes:
A exoneração de Mandetta são favas contadas. De acordo com
a Folha, o ministro avisou sua equipe que Bolsonaro vai demiti-lo
ainda nesta semana, mas que se comprometeu a permanecer no cargo até que seu
substituto seja escolhido. Auxiliares diretos do presidente batem na tecla de
que a aprovação da classe médica é essencial para que o próximo ministro possa
mudar os rumos da pasta da Saúde com legitimidade da sociedade, mas a questão é
que o corpo médico, em massa, apoia a postura de Mandetta. O que o
ministro tem feito no Brasil é o que médicos e cientistas recomendam em todos
os lugares do mundo. É o único rumo.
Ontem pela manhã, o secretário de Vigilância em Saúde do
Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, um dos nomes de confiança do
ministro e uma das autoridades da pasta que mais participam das entrevistas e
ações de enfrentamento ao novo coronavírus, pediu demissão, mas se propôs a permanecer no cargo
até o final da semana. Mandetta não aceitou sua demissão: “Eu e os secretários trabalharemos juntos até o último
momento. Entramos juntos e sairemos juntos”.
Aliados de Mandetta monitoram as sondagens feitas
pelo Palácio do Planalto para a escolha de seu sucessor, diz a revista digital Crusoé.
Ontem à noite, eles receberam a garantia de que o nome de Osmar Terra já
foi descartado. A lista candidatos à vaga tem pelo menos dez nomes, diz O
Globo. O cardiologista Roberto Kalil Filho, diretor-geral do Centro
de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, tornou-se um deles depois que
revelou, na semana passada, ter tomado hidroxicloroquina como parte do
tratamento a que se submeteu para a Covid-19. O número dois do
Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, ligado ao ex-ministro Osmar
Terra, e o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), o médico e contra-almirante da Marinha Antônio Barra Torres —
nome que conta com respaldo da ala militar do governo —, também são cotados.
Claudio Lottenberg, presidente do Conselho
Deliberativo do Hospital Israelita Albert Einstein, que havia sido cotado para
o ministério desde o início da semana, parece ter sido descartado.
Recém-filiado ao DEM, Lottenberg postula a vice na chapa de Bruno
Covas (PSDB) à reeleição para a Prefeitura de São Paulo, mas já declarou
publicamente que aceitará o convite caso seja convidado por Bolsonaro.
No entanto, o médico é ligado ao governador João Doria e é presidente do
Lide Saúde, do grupo de empresas, dirigido por familiares do governador,
que hoje é o principal antagonista político de Bolsonaro.
Causa espécie, ou melhor, é revoltante que num momento como
este Bolsonaro não deixe de lado questões ideológicas e político-partidárias.
Num cenário ideal, onde a razão se sobrepusesse a essa politicagem de
galinheiro, o presidente é que seria demitido pelo ministro da Saúde, não
o contrário. Ah, e Lula passaria na prisão os dias que restam de sua podre existência.
Dito isso, vamos adiante.
A todo momento somos forçados a tomar decisões: que roupa
vestir, onde almoçar, aonde ir no final de semana, enfim... Numa
encruzilhada, por exemplo, pode-se tanto dobrar à esquerda ou à direita quanto
seguir em frente ou dar meia volta e retornar.
Qualquer que seja
a decisão tomada e o caminho seguido, sempre haverá consequências — algumas
previsíveis (até porque tomar decisões sensatas consiste justamente e sopesar
os prováveis resultados), outras nem tanto (até porque o inesperado costuma
ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos). E como dizia o
Conselheiro
Acácio, o problema com as consequências é que
elas sempre vêm depois.
Em outubro de 1960, o (sempre muito esclarecido) eleitorado
tupiniquim elegeu presidente da República o ex-governador de São Paulo
Jânio da Silva Quadros, em detrimento de
Henrique Teixeira
Lott e
Adhemar
de Barros. As consequências previsíveis dessa escolha eram a varrição da corrupção, e isso no de caso as promessas eleitoreiras do demagogo da vez serem cumpridas. Mas nem com
bola de cristal se poderia prever que votar no homem da vassoura seria pavimentar o caminho para um golpe militar, dali a 4 anos, que resultaria em duas décadas de ditadura e três sem votar para presidente da República.
Para quem não sabe ou não se lembra,
Jânio, "movido por forças misteriosas",
renunciou à presidência 8 meses depois de assumi-la, apostando que seria reconduzido ao cargo pelo clamor popular. Mas, como se costuma dizer,
o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos... Jânio apostou
no cavalo errado e perdeu. E como veremos em detalhes nos próximos capítulos desta sequência, o Brasil e todos os brasileiros também perderam.
Certa vez, perguntado sobre os motivos que o levaram a renunciar,
Jânio respondeu: "
Fi-lo porque qui-lo". Há
tantas versões sobre essa famosa frase quanto explicações para a renúncia do ex-presidente (como também veremos numa próxima postagem). A propósito, conta-se que durante um almoço em casa de amigos, uma convidada lhe perguntou o motivo que o levou a renunciar. “
Renunciei porque a comida no Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim quanto a companhia daqui”, respondeu
Jânio. Ato contínuo, levantou-se e deixou o recinto sem sequer se despedir do anfitrião.
Mas não há bem que sempre dure nem
mal que nunca termine, e em 1974 o ditador-general
Ernesto Geisel
deu início a um processo gradativo de abertura política, que foi concluído no
governo seguinte, já sob a batuta do também general.
João
Batista de Oliveira Figueiredo — que certa vez reconheceu: “
Estou
fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem:
no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel”.
Mas as frases pelas quais o ultimo-general presidente mais se notabilizou foram “
prefiro
o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo“
e “
se fosse
criança e meu pai ganhasse salário mínimo, eu daria um tiro no coco”. Ao deixar o governo, disse sua excelência: “
Que
o doutor Tancredo dê ao povo o que eu não consegui. E que me esqueçam”.
E se recusou a passar a faixa presidencial a
Sarney (a quem considerava “ilegítimo”).
Muita água rolou desde a
renúncia de
Jânio até a redemocratização, de modo que é preciso fazer uma breve regressão no tempo para compreender melhor essa história. Vamos a ela.
Entre 1983 e 1984, milhões de brasileiros clamaram por “
Diretas
Já” (eleições diretas para presidente da República, já que os
governadores, que durante a ditadura eram ”
biônicos”,
voltaram a ser eleitos pelo voto popular a partir de 1982). O deputado
Dante
Martins de Oliveira apresentou uma
PEC que propunha eleições diretas
simultâneas para presidente e vice-presidente da República — que ficou
conhecida como
Emenda
Dante de Oliveira —, mas os militares fizeram pressão para esvaziar e
houve 113 ausências, 65 votos contra e três abstenções.
A proposta obteve 298 dos 320 votos necessários para que
fosse encaminhada ao Senado, e o sonho das eleições diretas teria morrido ali,
não fosse o fato de a mobilização popular e de parte da imprensa ter semeado
uma ruptura irreversível na base governista. Assim, ,no dia 15 de janeiro de
1985
Tancredo de Almeida Neves foi eleito indiretamente,
por 480 votos de um
colégio eleitoral formado por deputados federais, estaduais, senadores
e governadores, o primeiro presidente civil desde o golpe de 64 (seu
adversário,
Paulo Salim Maluf, obteve 180 votos).
Quis o destino que
Tancredo fosse
internado 12 horas antes da posse, viesse a falecer menos de dois
meses depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado de
Tiradentes —, levando para o túmulo as esperanças de milhões de
brasileiros e deixando de herança o maranhense
José Ribamar
Ferreira de Araújo Costa, escritor, poeta, acadêmico, autor do tão famoso
quanto desconhecido “
Marimbondos de Fogo”, a quem, na condição de vice-presidente eleito, coube comandar a Nau dos Insensatos até 1989, quando finalmente ocorreu
a primeira eleição direta para presidente de República depois de quase 30 anos.
Observação:
Em 1988, ainda durante a desditosa gestão de Sarney,
foi
promulgada a controvertida Constituição Cidadã, sobre a qual falaremos
em outra oportunidade. Por ora, vale lembrar que mais adiante, durante o
primeiro mandato do grão-tucano FHC, foi aprovada uma proposta de emenda constitucional que introduziu em nossa Carta Magna a figura a reeleição, e que o próprio FHC foi o primeiro
a se valer dela, reelegendo-se em 1998.
Amanhã prosseguimos...