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quinta-feira, 16 de abril de 2020

A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES

Antes do texto que eu havia preparado para hoje cabem algumas informações e ponderações importantes:

A exoneração de Mandetta são favas contadas. De acordo com a Folha, o ministro avisou sua equipe que Bolsonaro vai demiti-lo ainda nesta semana, mas que se comprometeu a permanecer no cargo até que seu substituto seja escolhido. Auxiliares diretos do presidente batem na tecla de que a aprovação da classe médica é essencial para que o próximo ministro possa mudar os rumos da pasta da Saúde com legitimidade da sociedade, mas a questão é que o corpo médico, em massa, apoia a postura de Mandetta. O que o ministro tem feito no Brasil é o que médicos e cientistas recomendam em todos os lugares do mundo. É o único rumo.

Ontem pela manhã, o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, um dos nomes de confiança do ministro e uma das autoridades da pasta que mais participam das entrevistas e ações de enfrentamento ao novo coronavírus, pediu demissão, mas se propôs a permanecer no cargo até o final da semana.  Mandetta não aceitou sua demissão: “Eu e os secretários trabalharemos juntos até o último momento. Entramos juntos e sairemos juntos”.

Aliados de Mandetta monitoram as sondagens feitas pelo Palácio do Planalto para a escolha de seu sucessor, diz a revista digital Crusoé. Ontem à noite, eles receberam a garantia de que o nome de Osmar Terra já foi descartado. A lista candidatos à vaga tem pelo menos dez nomes, diz O Globo. O cardiologista Roberto Kalil Filho, diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, tornou-se um deles depois que revelou, na semana passada, ter tomado hidroxicloroquina como parte do tratamento a que se submeteu para a Covid-19. O número dois do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, ligado ao ex-ministro Osmar Terra, e o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico e contra-almirante da Marinha Antônio Barra Torres — nome que conta com respaldo da ala militar do governo —, também são cotados.

Claudio Lottenberg, presidente do Conselho Deliberativo do Hospital Israelita Albert Einstein, que havia sido cotado para o ministério desde o início da semana, parece ter sido descartado. Recém-filiado ao DEM, Lottenberg postula a vice na chapa de Bruno Covas (PSDB) à reeleição para a Prefeitura de São Paulo, mas já declarou publicamente que aceitará o convite caso seja convidado por Bolsonaro. No entanto, o médico é ligado ao governador João Doria e é presidente do Lide Saúde, do grupo de empresas, dirigido por familiares do governador, que hoje é o principal antagonista político de Bolsonaro.

Causa espécie, ou melhor, é revoltante que num momento como este Bolsonaro não deixe de lado questões ideológicas e político-partidárias. Num cenário ideal, onde a razão se sobrepusesse a essa politicagem de galinheiro, o presidente é que seria demitido pelo ministro da Saúde, não o contrário. Ah, e Lula passaria na prisão os dias que restam de sua podre existência. 

Dito isso, vamos adiante.

A todo momento somos forçados a tomar decisões: que roupa vestir, onde almoçar, aonde ir no final de semana, enfim... Numa encruzilhada, por exemplo, pode-se tanto dobrar à esquerda ou à direita quanto seguir em frente ou dar meia volta e retornar.

Qualquer que seja a decisão tomada e o caminho seguido, sempre haverá consequências — algumas previsíveis (até porque tomar decisões sensatas consiste justamente e sopesar os prováveis resultados), outras nem tanto (até porque o inesperado costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos). E como dizia o Conselheiro Acácio, o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

Em outubro de 1960, o (sempre muito esclarecido) eleitorado tupiniquim elegeu presidente da República o ex-governador de São Paulo Jânio da Silva Quadros, em detrimento de Henrique Teixeira Lott e Adhemar de Barros. As consequências previsíveis dessa escolha eram a varrição da corrupção, e isso no de caso as promessas eleitoreiras do demagogo da vez serem cumpridas. Mas nem com bola de cristal se poderia prever que votar no homem da vassoura seria pavimentar o caminho para um golpe militar, dali a 4 anos, que resultaria em duas décadas de ditadura e três sem votar para presidente da República.

Para quem não sabe ou não se lembra, Jânio, "movido por forças misteriosas", renunciou à presidência 8 meses depois de assumi-la, apostando que seria reconduzido ao cargo pelo clamor popular. Mas, como se costuma dizer, o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos... Jânio apostou no cavalo errado e perdeu. E como veremos em detalhes nos próximos capítulos desta sequência, o Brasil e todos os brasileiros também perderam.

Certa vez, perguntado sobre os motivos que o levaram a renunciar, Jânio respondeu: "Fi-lo porque qui-lo". Há tantas versões sobre essa famosa frase quanto explicações para a renúncia do ex-presidente (como também veremos numa próxima postagem). A propósito, conta-se que durante um almoço em casa de amigos, uma convidada lhe perguntou o motivo que o levou a renunciar. “Renunciei porque a comida no Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim quanto a companhia daqui”, respondeu Jânio. Ato contínuo, levantou-se e deixou o recinto sem sequer se despedir do anfitrião.

Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine, e em 1974 o ditador-general Ernesto Geisel deu início a um processo gradativo de abertura política, que foi concluído no governo seguinte, já sob a batuta do também general. João Batista de Oliveira Figueiredo — que certa vez reconheceu: “Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel”.

Mas as frases pelas quais o ultimo-general presidente mais se notabilizou foram “prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e “se fosse criança e meu pai ganhasse salário mínimo, eu daria um tiro no coco”. Ao deixar o governo, disse sua excelência: “Que o doutor Tancredo dê ao povo o que eu não consegui. E que me esqueçam”. E se recusou a passar a faixa presidencial a Sarney (a quem considerava “ilegítimo”).

Muita água rolou desde a renúncia de Jânio até a redemocratização, de modo que é preciso fazer uma breve regressão no tempo para compreender melhor essa história. Vamos a ela.

Entre 1983 e 1984, milhões de brasileiros saíram às ruas para conclamar pelas “Diretas Já” (eleições diretas para presidente da República, já que os governadores, que durante a ditadura eram ”biônicos”, voltaram a ser eleitos pelo voto popular a partir de 1982). O deputado Dante Martins de Oliveira apresentou uma PEC que propunha eleições diretas simultâneas para presidente e vice-presidente da República — que ficou conhecida como Emenda Dante de Oliveira —, mas os militares fizeram pressão para esvaziar e houve 113 ausências, 65 votos contra e três abstenções.

A proposta obteve 298 dos 320 votos necessários para que fosse encaminhada ao Senado, e o sonho das eleições diretas teria morrido ali, não fosse o fato de a mobilização popular e de parte da imprensa ter semeado uma ruptura irreversível na base governista. Assim, ,no dia 15 de janeiro de 1985 Tancredo de Almeida Neves foi eleito indiretamente, por 480 votos de um colégio eleitoral formado por deputados federais, estaduais, senadores e governadores, o primeiro presidente civil desde o golpe de 64 (seu adversário, Paulo Salim Maluf, obteve 180 votos).

Quis o destino que Tancredo fosse internado 12 horas antes da posse, viesse a falecer menos de dois meses depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado de Tiradentes —, levando para o túmulo as esperanças de milhões de brasileiros e deixando de herança o maranhense José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, escritor, poeta, acadêmico, autor do tão famoso quanto desconhecido “Marimbondos de Fogo”, a quem, na condição de vice-presidente eleito, coube comandar a Nau dos Insensatos até 1989, quando finalmente ocorreu a primeira eleição direta para presidente de República depois de quase 30 anos.

Observação: Em 1988, ainda durante a desditosa gestão de Sarney, foi promulgada a controvertida Constituição Cidadã, sobre a qual falaremos em outra oportunidade. Por ora, vale lembrar que mais adiante, durante o primeiro mandato do grão-tucano FHC, foi aprovada uma proposta de emenda constitucional que introduziu em nossa Carta Magna a figura a reeleição, e que o próprio FHC foi o primeiro a se valer dela, reelegendo-se em 1998.

Amanhã prosseguimos...

sábado, 30 de setembro de 2023

O JACARÉ E O COELHINHO BRANCO

O Brasil jamais se notabilizou pela qualidade de seus governantes, e o motivo foi cantado em prosa e verso por Pelé e por João Figueiredo durante a ditadura militar. Em 1984, pressionada pelos militares, a Câmara Federal sepultou a Emenda Dante de Oliveira, mas a mobilização popular seguiu firme e forte e, em janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves foi eleito presidente por um colégio eleitoral, mas baixou ao hospital horas antes da posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a tumba as esperanças do povo brasileiros.


Com a morte de Tancredo, o oligarca maranhense José Sarney desgovernou o país até 15 de março de 1990, quando entregou o cetro e a coroa a Fernando Collor (o caçador de marajás de araque que derrotou o desempregado que deu certo na primeira eleição direta desde 1960). Com a condenação do "Rei-Sol" no primeiro impeachment da "Nova República" (em dezembro de 1992), o vice Itamar Franco foi promovido a titular e nomeou Fernando Henrique Cardoso Ministro da Fazenda.


FHC e sua equipe de notáveis gestaram e pariram o Plano Real, cujo sucesso ensejou a vitória do tucano no primeiro turno do pleito presidencial de 1994. Três anos depois, picado pela mosca azul, sua excelência comprou a PEC da Reeleição e tornou a derrotar Lula em 1998. A maré mudou em 2022: na quarta tentativa seguida, o demiurgo de Garanhuns conseguiu se eleger presidente, dando início ao jugo petista que seria interrompido 13 anos, 4 meses e 11 dias depois, com afastamento de Dilma


Com a deposição da gerentona de festim, o país voltou a ter na presidência alguém que falava português sem exterminar o plural nem descambar para o "dilmês". Mas nuvens negras surgiram surgiram no horizonte quando o ministério de notáveis prometido por Temer revelou-se uma notável confraria de corruptos, e tempestade desabou quando o jornalista Lauro Jardim revelou uma conversa mui suspeita entre o vampiro do Jaburu e certo moedor de carne com vocação para delator e estúpido a ponto de delatar a si mesmo.


Despido do manto da moralidade, o nosferatu tupiniquim cogitou renunciar, mas, dissuadido por sua entourage, anunciou num pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no STF seria "o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência". Ato contínuo, lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. 


Como o Diabo sempre cobra sua parte no pacto, Temer se tornou refém do Congresso e claudicou pela conjuntura como pato manco até janeiro de 2019, quando transferiu o cargo para aquele que seria o pior mandatário que o Brasil já teve desde a chegada de Cabral. 

 
Vinte e um anos se passaram do golpe de 64 à volta dos militares à Caserna, mas poucos meses bastaram para Bolsonaro trazê-los de volta e transformar o Estado em quartel. O pedaço que viu nele a chance de "salvar a sociedade do comunismo" conferiu péssima fama à ala das Forças Aramadas que manteve os pés na democracia, e a reversão de uma urucubaca tão disseminada exige mandinga mais forte do que o lero-lero de "separar o joio do trigo".  A intentona de 8 de Janeiro só não deu certo porque porque o aspirante a tiranete não conseguiu o apoio de "seu Exército" e de "suas Forças Armadas"

Observação: Depois que a PF descobriu que fardados de alto coturno (como o almirante Almir Garnier) foram coniventes com o projeto autoritário do "mito", o Datafolha apurou que 6 em cada dez brasileiros acham que as Forças Armadas se meteram em irregularidades por se deixarem cavalgar pelo ex-capitão que o general Ernesto Geisel bem definiu como "mau militar". 


É inegável que mãos fardadas apalparam todas as cumbucas, da trama golpista ao comércio de joias; da "pazuellização" da Saúde à falsificação de cartões de vacina; do ataque sistemático ao sistema eleitoral às visitas do picareta de Araraquara à pasta da Defesa. E que, ao testemunhar em silêncio as extravagâncias do capetão, a banda muda do Alto-Comando das FFAA como que se aliou às multidões que acamparam na porta dos quartéis para pedir intervenção militar.

 

Segundo a PF, o tenente-coronel Mauro Cid revelou em sua delação que: 1) após a derrota nas urnas, Bolsonaro se reuniu com integrantes da Marinha para discutir uma proposta de golpe; 2) além de militares, participaram do encontro integrantes do chamado "Gabinete do Ódio"; 3que a minuta discutida na reunião tratava de uma série de ilegalidades, mas não é possível afirmar que fosse a mesma encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres; 4) que a proposta de golpe foi recebida com entusiasmo pelo representante da Marinha, mas o Exército ficou mais reticente; 5) que o plano não foi adiante por causa da falta de adesão.

 

Como disse alguém, "se tem boca de jacaré, dentes de jacaré, couro de jacaré e rabo de jacaré, não deve ser um coelhinho branco". 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

BOLSONARO: AUTOGOLPE? — DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES (CAPÍTULO 4)


A possibilidade de um suposto autogolpe urdido por Bolsonaro não explica satisfatoriamente o comportamento errático do capitão da caverna das trevas, mas certamente vai dar muito pano pra manga. A menos, naturalmente, que algo ainda mais relevante surja no cenário. E como estamos atravessando uma pandemia sanitária com vocês sabem quem na cabine de comando, é bem possível, infelizmente, que isso ocorra. Senão vejamos.

Paulo Guedes, por falta de alternativas, passou pano na estultice do chefe: "Bolsonaro é um democrata que 'sai correndo atrás' de passeata que tiver bandeira do Brasil. O governo tem compromisso com a democracia, um regime 'que faz barulho', e que o país vive um período de aperfeiçoamento institucional." Então tá.

A fala de Bolsonaro e sua participação na ato popular de domingo provocaram fortes reações no mundo jurídico e político. Rodrigo Maia disse ser uma “crueldade imperdoável com as famílias das vítimas” pregar uma ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da Covid-19. Para Dias Toffolinão há solução para o país fora da democracia. Já o governador de São Paulo classificou como "lamentável" o fato de o presidente "apoiar um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5", e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi na mesma direção: chamou de "lamentável" a participação do capitão e disse que: "É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."

Bolsonaro amenizou o tom, mas a avaliação prevalente, segundo a Folhaé a de um paradoxo: a fraqueza política do presidente só tende a acirrar sua agressividade no embate, o que ocorreu no último final de semana. Mas é preocupante, a meu ver, a posição da ala militar do governo, que negou às cúpulas do Congresso e do Judiciário haver qualquer risco de ruptura democrática por parte de Jair Bolsonaro, mas também fez questão de dizer que considera que os Poderes têm agido de forma a cercear o presidente na crise do coronavírus. Preocupante, mas previsível. 

Mourão é vice-presidente, de modo que está sujeito à vergonhosa, mas poderosa, Bic de sua alteza. Mas o mesmo não se aplica ao ministério. Tanto auxiliares civis quanto militares podem ser exonerados por dá cá aquela palha, como descobriram o anjo da guarda de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, o incompetente ministro da educação Ricardo Vélez, os amigos de longa data e ministros generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, os não tão amigos de tão longa data, mas igualmente ministros Gustavo Canuto e Osmar Terra, o secretário nazista Roberto Alvim e mais duas dúzias de presidentes de órgãos federais e dezenas de secretários e diretores do segundo escalão do governo. Um levantamento do Estado de agosto do ano passado apontava que havia, em média, uma demissão a cada sete dias

Sobre o lamentável episódio de domingo passado, o próprio ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva divulgou nota reiterando o comprometimento das Forças Armadas com a Constituição e priorizando o combate ao coronavírus "e suas consequências sociais" — uma deixa não casual, alinhada à ênfase que Bolsonaro faz do impacto econômico da pandemia. Por outro lado, interlocutores do ministro entendem que a ala militar do governo não reprova a irritação de Bolsonaro, ao contrário

Na avaliação dos fardados, o Congresso tem agido sistematicamente contra Bolsonaro, tolhendo suas iniciativas. O Supremo também colabora com o clima de cerco ao Planalto com suas decisões em prol dos governadores e prefeitos na emergência sanitária. Isso alarmou atores políticos em Brasília, que passaram a segunda trocando impressões sobre quais podem ser os próximos passos da crise. Afinal, esperar que Bolsonaro venha um dia a respeitar a liturgia do cargo e agir com bom senso e discernimento é o mesmo que acreditar que um macaco consiga ensinar boas maneiras à mesa a um urso.

Se a ala militar foi compreensiva com o gesto do chefe, o mesmo não se pode dizer da ativa das Forças Armadas. Alguns membros do Alto Comando do Exército, usualmente simpáticos a Bolsonaro, se disseram chocados com o uso simbólico do QG da Força para o proselitismo do presidente. Assim, é possível dizer que o delicado equilíbrio entre um governo loteado por militares e os fardados da ativa sofreu um abalo significativo. A defesa constitucional feita por Fernando Azevedo foi pactuada para acalmar ânimos, mas as fissuras devem continuar.

Ainda segundo a Folha, a inflexão da ala militar precisa ser acompanhada de perto. Desde que recuperou prestígio no governo, no começo do ano, ela servia mais de anteparo ao radicalismo de Bolsonaro do que de amplificador de crises. Do ponto de vista institucional, todos parecem convencidos de que não há riscos reais de ruptura, até porque o presidente não tem força para isso — não há amplo apoio social, empresarial ou de militares a quaisquer aventuras. Mas também é claro o método de Bolsonaro em seus flertes autoritários. O presidente faz um gesto, é repreendido e modera o tom no dia seguinte. Mas a corda foi esticada mais alguns centímetros. Caso o capitão se sinta amparado pelos militares do governo, novos episódios serão inescapáveis. Com o agravante de que os elementos de mediação evaporam aos poucos.

Feita essa atualização dos fatos, vamos à postagem do dia:

A Nau dos Insensatos, onde repousa eternamente em berço esplêndido o gigante adormecido, navega por águas revoltas e sob nuvens de tempestade desde a redemocratização. E o que começou mal, devido à frustração da população com o naufrágio da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, foi piorando ao longo dos milhares de milhas náuticas percorridos nos últimos 35 anos. Senão vejamos.

A emenda em questão defendia a volta das eleições diretas para presidente da República, mas a pressão dos militares — que também são sujeitos à picada “mosca azul” — inibiu parte dos deputados, que acabou votando contra a proposta, se abstendo de votar ou mesmo não comparecendo a sessão. Sem votos necessários para aprová-lo, o projeto sequer foi encaminhado ao Senado. Mas àquela altura o processo de reabertura política já havia ultrapassado “ponto sem retorno”.

Em 15 de Janeiro de 1985, Tancredo Neves (MDB) foi escolhido em eleição indireta (por um colegiado formado por senadores, deputados federais e representantes dos Estados) o primeiro presidente civil desde o início da ditadura militar, derrotando Paulo Salim Maluf (ARENA), que era o candidato apoiado pelos militares, por 480 votos a 180. Por ocasião do golpe de 1964, o político mineiro era Ministro do Trabalho no governo de João Goulart, e foi deposto juntamente com o chefe. Mas seguiu na vida pública durante toda a ditadura, daí muitos considerarem-no um estadista e outros, um oportunista que lambeu as botas dos militares para não perder a “boquinha”.

Seja como for, o avô daquele que em 2014 disputaria a presidência com a anta pedanta, seria derrotado por um punhado de votos que muita gente atribui a urnas com vontade própria e tendências esquerdistas, e que mais adiante se revelaria mais um político corrupto, outra vergonha nacional entre tantas) ganhou, mas não levou. Na madrugada do dia da posse, Tancredo foi internado no Hospital de Base de Brasília, submetido a uma cirurgia de urgência e, 38 dias (e sete cirurgias) depois, vira a falecer em São Paulo, justamente  no 21 de abril, que, por ironia do destino, é a data em que o país homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.

A morte de Tancredo mudou radicalmente o destino do eterno donatário da capitania do Maranhão — não à toa o estado mais pobre da Federação. Falo do senador biônico oligarca José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o cacique da velha política coronelista maranhense mais conhecido como José Sarney, a quem o general João Batista de Oliveira Figueiredo (que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e disse certa vez que daria “um tiro no coco” se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo) se recusou a passar a faixa presidencial por considerá-lo um traidor por ter abandonado a ARENA e se filiado ao MDB para concorrer a vice na chapa de Tancredo. Como se vê, a mosca azul não perdoa ninguém.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, o resto fica para amanhã

terça-feira, 9 de maio de 2023

UM POUCO DE HISTÓRIA E A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR

Ivan Lessa (1935-2012) dizia que "a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos 15 anos anteriores". Se ainda caminhasse entre os vivos, o jornalista certamente reajustaria esse intervalo. Como faz BandNews FM  criada em 2005 com a proposta de oferecer um noticiário sempre atualizado , que mudou seu bordão "em 20 minutos, tudo pode mudar" para "em um segundo tudo pode mudar". 

 

Mudanças nem sempre são para melhor. Depois que Jânio renunciou e Jango foi deposto pelo golpe de 64, o Brasil amargou 21 anos de ditadura militar. A movimentação épica pelas "Diretas Já" não bastou para impedir o sepultamento da "emenda Dante de Oliveira, mas ensejou a convocação do Colegiado que elegeu Tancredo primeiro presidente civil da "Nova República"Lamentavelmente, um percalço do destino fez com que o político mineiro levasse para a tumba a esperança de milhões de brasileiros e deixasse de herança o oligarca maranhense  José Sarney, sob cuja batuta a restauração democrática assumiu ares de anarquia econômica e administrativa. 

 

Ainda assim, a Constituição Cidadã foi promulgada em 1988, ensejando a eleição solteira de 1989. Embora houvesse 22 postulantes ao Planalto no primeiro turno — entre os quais Mario Covas e Ulysses Guimarães — o segundo foi disputado pelo pseudo caçador de marajás o desempregado que deu certo, comprovando mais uma vez o que disseram Pelé e Figueiredo sobre o despreparo do eleitorado tupiniquim. 

 

Em 1992, o primeiro impeachment da "Nova República" apeou Fernando Collor, promoveu Itamar Franco presidente e transformou Fernando Henrique num duble de ministro da Fazenda de direito e Primeiro-Ministro de fato. Graças ao sucesso do Plano Real, que finalmente debelou a hiperinflação, o tucano de plumas vistosas foi eleito no primeiro turno do pleito presidencial de 1994 — o não teria sido ruim se a mosca azul não o levasse a  comprar a PEC da Reeleição e — como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte — se reeleger (novamente no primeiro turno) em 1998.

 

Em 2002, após três tentativas frustradas, Lula finalmente foi guindado ao Planalto, e, a despeito de seu estilo de governar — baseado em alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões —, foi reeleito em 2006. Após usufruir de seus dois mandatos, o petista deixou o governo enfiando os dedos no favo de mel de uma taxa de popularidade de 84% e, lambendo as mãos, fez eleger (e reeleger) uma aberração chamada Dilma. E fugiu das abelhas até abril de 2018, quando então acabou preso.
 
Dilma foi vendida como "mãezona" e "gerentona", mas se revelou um conto do vigário no qual o próprio Lula caiu. Entre 2013 e 2016, a economia encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2% (mandando para o olho da rua cerca de 12 milhões de trabalhadores). Lula fez sua sucessora, mas a criatura desfez a obra do criador. 


Com o impeachment de madame, Michel Temer prometeu um ministério de notáveis, mas escalou uma notável confraria de corruptos. O presidente que almejava ser lembrado como "um reformista" viu sua "ponte para o futuro" virar pinguela e ele próprio se transformar num pato manco — tradução de "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio.

 

O antipetismo e a facada desfechada por um aloprado catapultaram Bolsonaro do baixo clero da Câmara para a Presidência desta banânia. Durante a campanha, para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


E para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e insubordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

 

Bolsonaro não só se tornou o pior mandatário desde Tomé de Souza como também chefiou o governo civil mais militar da história, consolidando a fama do Brasil de "gigante adormecido que se recusa a despertar" e de "país do futuro que nunca chega". E como uma borboleta que volta à condição de larva, esta republiqueta chegou a 2023 arrastando seu passado como um casulo pesado e pegajoso. Evitar a reeleição do capetão era imprescindível, disso não restam dúvidas. Mas a volta de Lula era opcional. 

 

Pesquisas apontam que 75% dos brasileiros acham a democracia a melhor forma de governo, mas 41% dos que votaram para presidente no primeiro turno, em 2022, escolheram Bolsonaro. Uma explicação possível, segundo Hélio Schwartsman, é que 16% ignoram o princípio da não contradição (quem é a favor da democracia não deve votar em quem a ameaça). 


Tão difícil quanto entender como alguém pode apoiar a reeleição do capitão depois de quase quatro anos sob sua abominável gestão é compreender por que diabos tanta gente achou que Lula era a única alternativa. Mas a pergunta que se coloca é: foi para isso que lutamos tanto pelas "Diretas Já"?

 

Triste Brasil.