quarta-feira, 13 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE



Com o golpe de 1964, o AI-1 e Castello Branco no Planalto, iniciou-se a ditadura militar que só terminaria com a eleição indireta de Tancredo Neves (que foi hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois) e a posse do "coroné" José Sarney (a quem o general Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial). Os 21 anos sob o comando dos fardados dividiram-se em três fase distintas: 1) O Disfarce Legalista para a ditadura (1964-1968), os Anos de Terror de Estado (1969-1978) e a Reabertura Política (1979-1985).

Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos. 

O Ato Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog, foram covardemente assassinados).

Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.

Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.

Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a 1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15; Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974; Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros 13 dias.

Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16, decretado em 14 de outubro de 1969.

O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do regime de exceção (cito as greves operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento das Diretas Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura política lenta, gradual e segura, que se consumou com a eleição indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988.

Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf — gatuno de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi despachado para casa graças ao bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.

Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7 meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.

Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989, preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá, no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70 imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante a Operação Castelo de Areia, a PF revelou que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou o "segredo de Polichinelo". 

Continua...