A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — TERCEIRA PARTE
A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
MORO LÁ — SERÁ? (PARTE 2)
Comemora-se hoje o 132º aniversário de outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar desfechado com o fito de pôr fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apear do trono D. Pedro II e implementar o presidencialismo republicano como forma de governo.
Meses depois de o Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República, o Brasil já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder: o livro Fatos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, que foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares.
Na visão do empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro II e militante do movimento de direita Acorda Brasil, "a proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo". Sua tese é esposada pelo historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).
O jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”, mas pondera que a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de "proclamação" e não de "golpe". "O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.
Já o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade da USP, assevera que é possível, sim, falar em golpe na fundação da República, mas questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível. "Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas", explica.
Resumo da ópera: Com o fim do governo provisório e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, o Congresso Nacional guindou o Marechal Deodoro da Fonseca à presidência da República Velha — ou República das Oligarquias. Dito de outra maneira, a primeira república tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, foi eleito indiretamente e “convidado” a deixar o cargo pelas Forças Armadas. Ao longo de 132 anos de história republicana, o Brasil teve até hoje 35 presidentes, que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro, foram de alguma maneira apeados do poder. E como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto só continua no Palácio do Planalto (quando não está passeando ou promovendo motociatas, naturalmente), porque o povo brasileiro não tem vergonha na cara. Está na hora de mudar. E de aprender a votar.
Dito isso, passemos à postagem do dia:
Ainda sobre Sérgio Moro, diz Dora Kramer que o discurso de candidato a Presidente na cerimônia de filiação ao Podemos
não significa que será esse o destino do ex-juiz na vida política que agora
inaugura; que todos os pretendentes ao Planalto nessa altura entram no jogo
desse modo e que ele prometeu mundos e fundos — como erradicar a pobreza no
Brasil. Diz ainda que sua fala, típica de um "cristão-novo", não
contribuiu para reduzir desconfianças e desaprovações — dada a atitude de
candidato a justiceiro dotado de capacidade de resolver todas as mazelas,
muitas delas decorrentes “da degeneração da classe política”, e que Moro
pareceu apostar excessivamente na credulidade das pessoas nesse tipo de
pretendente a herói, mostrando-se verde na política e ainda completamente
referido na figura do magistrado cujo único fator de direção é o próprio juízo
a respeito do certo e do errado. Será?
Conforme eu ponderei no post anterior, Moro jamais foi o candidato dos meus sonhos. Por outro lado, em vista do que está colocado no tabuleiro, talvez ele seja a peça mais importante do jogo. Sua filiação ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a Presidente, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão, sobretudo o PP, o PL e o Republicanos. Seu discurso na cerimônia de filiação deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com o capitão-negação e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Lava-Jato, como os militares.
A pré-candidatura de Moro cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno — caso chegue ao segundo, aí a história será outra. O ex-juiz não esconde as mágoas com Bolsonaro. Desde sua saída do governo, ele vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída — a primeira por sucessivas decisões do STF, e a segunda pelos adversários políticos da operação anticorrupção da qual foi artífice e é o principal símbolo, que o acusam de parcialidade.
A entrada de Moro no Podemos, partido que tem 10 deputados federais e nove senadores, mexe com a tabuleiro eleitoral de 2022 porque ocupa um quadrante à direita que seria fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Trata-se de uma legenda independente em relação ao governo no Senado, mas nem tanto na Câmara — Moro é ligado ao senador Álvaro Dias (PR), ex-candidato à Presidência pela legenda, que articulou sua filiação. Sua candidatura é contingenciada por Bolsonaro, que supostamente conta com o apoio de 25% do eleitorado, e também pelos pré-candidatos da chamada "terceira via", Henrique Mandetta (DEM), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além dos tucanos João Doria (SP) e Eduardo leite (RS), todos mirando o chamado centro democrático, e do pedetista Ciro Gomes, mais à esquerda.
A filiação de Moro encerra um ciclo político
antissistema, que surgiu nas manifestações contra o funesto governo de Dilma,
prosperou com a campanha por seu impeachment, mandou recados para todos os
partidos nas eleições municipais de 2016 e culminou com a não menos funesta
eleição de Bolsonaro, em 2018. A anunciada filiação do capetão ao partido
de Valdemar Costa Neto e a articulação de sua federação governista com o PP
e o Republicanos consolidam um bloco político de direita no poder, no
âmbito do sistema partidário existente, que ganha até mais nitidez
programática.
Moro seria o herdeiro natural desse sentimento
antissistema, que procurou capitalizar com seu discurso, mas o Podemos,
o Novo e o MBL já estão no leito natural da política eleitoral: o
Congresso e o seu sistema partidário. A consolidação de sua candidatura vai depender
muito mais do poder de alavancagem do apoio popular à Lava-Jato do que
de alianças, que serão restritas devido aos ressentimentos dos políticos
tradicionais com sua atuação naquela operação.
A conferir.
terça-feira, 6 de dezembro de 2022
A SUPREMA UNIÃO
Esse arquipélago de monocracias — que ficou evidente durante o apogeu da Lava-Jato — deixou clara a necessidade de modificar o modo como os semideuses togados são indicados. Os candidatos a ocupar assentos no Olimpo do Judiciário são indicados presidente da República e referendados pelo Senado. O art. 101 da Constituição determina que os candidatos sejam brasileiros natos, tenham entre 35 e 65 anos, reputação ilibada e "notável saber jurídico", mas não exige formação jurídica nem registro na OAB. Em outras palavras, mesmo quem não pode exercer atividades típicas dos advogados está apto a ocupar uma cadeira no STF caso seja amigo do presidente da República e consiga o aval de pelo menos 41 dos 81 senadores numa sabatina meramente formal. Desde a Proclamação da República, apenas cinco indicados foram vetados — todos durante a gestão de Floriano Peixoto.
Numa guinada impressionante de comportamento — e determinante para os destinos do país nos últimos anos —, nossa corte suprema, que havia virado vidraça quando as togas derrubaram a prisão em segunda instância e libertando da cadeia o hoje presidente eleito, assumiu de forma corajosa a defesa da ciência (e das vidas) e funcionou como anteparo aos constantes arroubos antidemocráticos de Bolsonaro. Por conta disso, o "mito" dos apatetados elegeu o Judiciário como seu principal inimigo político e atiçou seus seguidores mais radicais contra o STF e o TSE.
Para fazer frente a esses ataques, as togas utilizaram sabiamente o princípio de que a união faz a força, atuando de forma sincronizada pela preservação da instituição em meio a críticas ferozes e com inimigos que continuam à espreita, em vigília permanente. O movimento pela suprema união teve uma espécie de marco zero com a abertura do inquérito das fake news em 2019 — medida controversa tomada de ofício (sem provocação de outro órgão) por Dias Toffoli, então presidente do STF, que àquela altura só tinha o apoio de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes — ao segundo foi entregue, sem sorteio, a relatoria do inquérito, num procedimento incomum que gerou reação dos demais ministros, do Ministério Público e do mundo jurídico. Com o passar do tempo e o avanço das apurações, contudo, as resistências internas foram sendo superadas e o plenário legitimou a investigação em andamento.
O processo de união se solidificou ao longo das eleições, diante dos frequentes ataques infundados dos bolsonaristas contra as urnas eletrônicas e o resultado do pleito. Um exemplo recente foi a decisão dos ministros, tomada em plenário virtual, ratificando a decisão de Moraes que determinou à PRF o desbloqueio de centenas de trechos de rodovias obstruídos por bolsonaristas radicais. Vale destacar que os dois ministros indicados pelo chefe do Executivo não se somaram aos esforços da maioria, mas a discordância da dupla não chegou a prejudicar o espírito de corpo que tomou conta do Supremo.
Depois da derrota de Bolsonaro, emissários palacianos convidaram Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques para conversas com o presidente no Alvorada. Mendes, atual decano da corte, convocou uma reunião com seus pares, para que a decisão sobre o encontro fosse coletiva. Moraes ponderou que, antes de o tribunal conversar com o mandatário, era oportuno que ele reconhecesse o resultado das urnas. Ele ainda não o fez, mas, em seu primeiro pronunciamento público, autorizou seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a anunciar o início da transição. Foi a senha para que os magistrados decidissem, coletivamente, divulgar uma nota enfatizando esse aspecto. Diante disso, Bolsonaro foi recebido no Supremo, e a reunião aconteceu em clima amistoso.
A corte está tão coesa que mesmo ministros que tinham desavenças públicas fizeram as pazes no último mês. A partir da definição sobre o futuro de Ricardo Lewandowski, que terá de se aposentar por idade em maio próximo, mas pode antecipar sua saída para assumir o Ministério da Defesa no próximo governo, Lula deve dar início ao processo de escolha de seu sucessor no STF. Há consenso de que a segunda cadeira a ficar vaga em 2023, com a aposentadoria da ministra Rosa, deverá ser ocupada por uma mulher. Isso tem feito com que os candidatos homens já estejam em plena campanha para a primeira vaga.
Lula tem dado sinais de que quer pacificação e diálogo institucional, mas os atos golpistas na porta dos quartéis e a escalada recente da violência fizeram a corte se manter mobilizada. A princípio, nada muda, pois os ministros enxergam riscos no horizonte e entendem que só a suprema união pode seguir garantindo a normalidade institucional no país.
segunda-feira, 13 de junho de 2022
A CONFEITARIA DA REPÚBLICA
Em uma passagem de “Esaú e Jacó”, Machado de Assis anota que o fato mais relevante da transição do Império para a República foi a faixa da confeitaria do centro da cidade do Rio de Janeiro, que passou a exibir os dizeres “Confeitaria da República” onde antes se lia “Confeitaria do Império”.
O Brasil é realmente um país sui generis. Sua independência não foi conquistada, mas comprada a peso de ouro (literalmente). Mais adiante, o país foi tomado das elites do Império e entregue às elites da República. Com a Proclamação da República, vieram a eleições democráticas, e com elas o direito ao voto, que os brasileiros devem exercer compulsoriamente. Para piorar, a plebe ignara cultiva uma curiosa predileção por eleger quem lhe diga o que fazer e se habituou a manter no poder quem sempre lá esteve — e os poderosos, a manter na sarjeta quem com ela já se acostumou.
Falar em democracia num país em que o voto é obrigatório para quem tem entre 18 e 70 anos de idade é uma piada. A eleição de nossos “representantes” deveria ser vista como uma ação de eleitores racionais e interessados, mas tudo se faz para conquistar o voto de indivíduos politicamente despreparados e desqualificados. Inclusive levar as urnas até tribos indígenas perdidas nos confins da floresta amazônica, onde silvícolas que sequer falam português e conhecem apenas o cacique da tribo exercem seu “sagrado direito de votar para Presidente”.
No período eleitoral, essa postura se traduz num mantra destinado sobretudo aos jovens. Jovens que não sabem escolher as próprias cuecas, mas são bombardeados com “vote, vote, vote, tire o título de eleitor e vote”, como se a democracia realmente dependesse deles. Às vésperas de completar 18 anos, minha prioridade era tirar a carteira de habilitação. Alistamento militar e título eleitoral eram meras consequências (e não necessariamente bem-vistas) da maioridade. Votei pela primeira em 1978, durante a “abertura lenta, gradual e segura” do governo Geisel — não havia então eleições para Presidente da República, e os governadores dos Estados eram indicados, e não eleitos pelo povo.
Há ainda os que pregam que não se deve votar nem branco nem nulo, pois o povo precisa ser responsável pela escolha dos eleitos. Ora, votar branco ou nulo não é também uma escolha? Não figuram essas opções entre as oferecidas pelas urnas eleitorais? Se a escolha do eleitor for por nenhum dos candidatos disponíveis, por que ser obrigado a optar por um candidato “menos pior”, que a cada eleição cava ainda mais fundo o buraco daquilo que entendemos por pior?
O mantra para que os jovens votem e os demais não anulem o voto ou votem em branco nada tem a ver com o “aperfeiçoamento” do processo democrático. Forçar alguém a participar da democracia é tudo, menos uma atitude democrática. O que há é o de sempre: uma ânsia por nos conduzir a manter no poder quem nele sempre esteve. Ao final, trocarão a plaquinha de uma confeitaria qualquer do centro de qualquer cidade e nos manterão na sarjeta, aguardando por mais quatro anos o momento de lembrar como nosso voto é relevante para a democracia.
Com André Marsiglia.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
... SEMPRE TEM ESPAÇO PARA PIORAR!
A ideia de transformar o Brasil numa República já era manifesta em muitas revoltas. Os militares, vitoriosos da Guerra do Paraguai, aproximaram-se dos republicanos, a exemplo da Igreja Católica, depois que D. Pedro II anulou suas medidas contra a maçonaria, e os fazendeiros, descontentes com a abolição da escravatura, que os privou da mão de obra gratuita do negros.
O marechal Deodoro da Fonseca — idoso,
enfermo e monarquista — relutava em protagonizar a troca do regime demandada por lideranças civis e fardados liderados por Benjamin Constant,
mas a falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada acabou por convencê-lo a insurgir-se contra o Império.
Substituída a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano, D. Pedro II e família foram exilados. Deodoro, que não só era amigo pessoal do Imperador, mas também lhe devia favores, ofereceu 5 mil contos de réis para ajudar na mudança. D. Pedro recusou, mas disse que levaria de bom grado um travesseiro com terra do Brasil (para repousar sua cabeça quando fosse sepultado).
Observação: A quem interessar possa, sugiro a leitura de A
História das Constituições Brasileiras, do historiador e professor Marco
Antonio Villa.
Deodoro comandou o Governo Republicano Provisório
(1889 a 1891) e foi escolhido
presidente pelo colégio eleitoral formado por senadores e deputados da
Assembleia Constituinte. Mas sua relação tensa com as oligarquias e os
muitos desafetos que colecionou durante a gestão renderam-lhe um vice da
oposição (o também marechal Floriano Peixoto).
Deodoro substituiu todos os governadores por políticos de sua confiança, mas nem assim conseguiu evitar que as bancadas estaduais do Congresso articulassem um projeto de lei que lhe reduziria os poderes. Em represália, dissolveu o Congresso e decretou estado de sítio. O vice-presidente recorreu ao comandante do Encouraçado Riachuelo, que ameaçou bombardear a capital federal se o presidente não capitulasse. Sua excelência não pensou duas vezes.
Com a renuncia de Deodoro (em 23 de novembro de 1891), Floriano Peixoto
assumiu a presidência e a exerceu até 15 de novembro de 1894, quando, meio que a contragosto, deu posse a Prudente de Moraes, que entrou
para a História como primeiro presidente civil e eleito pelo voto direto. Sua
gestão foi marcada turbulências
e dificuldades, mas isso é conversa para outra hora.
Esse breve relato resume o primeiro e o segundo dos muitos golpes de Estado ocorridos desde a proclamação da República. Oficialmente, Bolsonaro é o 38º presidente desta banânia, e, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) o Brasil ultrapassou a marca de 190 mil mortes pela Covid. Mas um levantamento realizado pela organização Vital Strategies, formada por pesquisadores e especialistas independentes, dá conta de que esse número pode ser superior a 220 mil. Mas isso também é outra conversa.
Observação: De 1549 a 1763, a capital do Brasil
foi Salvador (BA). No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o
Executivo até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a
ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir a capital para o
interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que
José Bonifácio ressuscitou em 1823, mas foi no final dos anos 1950, durante
o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do
nada — e no meio do nada — para ser o novo DF, e o Palácio do
Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960 para ser a nova sede do
Executivo Federal. O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital federal por três dias,
de 24 e 27 de março de 1969.
Desde 1945, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta. Desses, apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, vencedor do segundo pleito pós-ditadura militar, em 1994; e Lula, eleito em 2002 e reeleito em 2006. Integrante dos cinco restantes, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ter sido acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais exigirem publicamente sua renúncia. O político gaúcho deixou uma "carta-testamento" que se notabilizou pelas palavras finais (“saio da vida para entrar na História”).
Em outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora e os militares, com o apoio de Café Filho — que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e do presidente da Câmara, Carlos Luz — que assumiu interinamente a presidência da República quando do afastamento de Café — urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.
O resto fica para o próximo capítulo.
quinta-feira, 9 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — QUARTA PARTE
OBSERVAÇÃO: Hoje, 9 de julho, comemora-se no estado de São Paulo a Revolução Constitucionalista de 1932, que será comentada, em algum momento, ao longo das próximas postagens. Dada a situação atípica que atravessamos neste ano de 2020, o governo paulista antecipou o feriado, visando reforçar o isolamento social e conter o avanço do coronavírus. Como eu postei sobre informática no "feriado" antecipado, não o farei hoje. Amanhã tudo volta a ser como antes no Quartel de Abrantes. Pelo menos no que concerne à minha pauta de postagens.
domingo, 4 de junho de 2023
QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...
A renúncia de Jânio e aversão dos militares a Jango deram azo ao golpe de 1964, que ensejou os 21 anos de ditadura e pavimentou o caminho para o lulopetismo corrupto e o bolsonarismo boçal. (Mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). Acabou que o país do futuro que nunca chega e tem um imenso passado pela frente nunca passou de uma republica de bananas.
Numa guinada impressionante — e determinante para os destinos do país —, o STF derrubou a prisão em segunda instância e tirou da cadeia um ex-presidente condenado por 10 magistrados de três instâncias do Judiciário. Como se não bastasse, sob o pretexto de incompetência territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba, anulou duas condenações (uma das quais havia transitado em julgado no STJ) e as demais ações que estavam em fase de instrução. E voilà!: "ói Lula aí traveiz".
O Lula de 20 anos atrás era um personagem a quem quase tudo era permitido. Hoje, não mais. Sinal de que o Lula eleito em 2022 estava com a cabeça em 2002 foi aquele voo em jatinho de empresário amigo para participar da COP27, no Egito, ainda durante a transição. Pertence à mesma série de descompassos entre o pretendido e o resultado obtido o lugar dado a João Pedro Stedile na comitiva da viagem à China, em abril, enquanto o convidado anunciava ofensiva de invasões de terra pelo MST. Ambos os casos provocaram críticas e desconcerto; em vários outros houve bem mais que isso.
O Congresso reagiu na forma de derrotas impostas a uma agenda que não se adequa ao perfil do Parlamento, diverso daquele de 2003, em que o Senado era presidido por um José Sarney aliado incondicional, e a Câmara, pelo petista João Paulo Cunha. Os repetidos reveses são atribuídos ao conservadorismo do Congresso — o que é verdade, mas não causa surpresa alguma.
Esse perfil emergiu das urnas em outubro passado, e o chefe do Executivo eleito no final daquele mês sabia que deveria compatibilizar sua pauta à da representação congressual escolhida pela maioria do eleitorado. Goste-se ou não, foi o pacto proposto e deveria ser observado.
De ilusionismos eleitorais também padecem as democracias. Sob o jugo do populismo definham de modo sutil e vagaroso, diferentemente do desmonte explícito provocado pelos arroubos de aspirantes a tiranos. A venda de utopias na corrida por conquista de votos faz parte do jogo, mas dentro de limites.
Quando se ultrapassam as fronteiras do razoável e as ilusões vendidas se desfazem por completo no confronto com a realidade, tem-se o chamado estelionato eleitoral sob a égide do qual se contrata o descrédito da política, mortal para a democracia.
Com Dora Kramer
segunda-feira, 29 de agosto de 2022
O PAÍS DO GOLPE
Despida do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, a Proclamação da República foi apenas o primeiro dos muitos golpe de Estado político-militar que aconteceram nos últimos 132 anos (entre os quais vale citar a revolução de 1930, a implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas em 1937, a deposição de Getúlio em 1945, o golpe de 1964, e assim por diante).
Ao longo da nossa história republicana, 35 presidentes chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca — o tal que "proclamou" a república — foram de alguma maneira apeados do poder.
Da redemocratização até os dias atuais, amargamos um presidente eleito indiretamente, um literato meia-boca, um caçador de marajás de mentirinha, um baianeiro namorador, um tucano de plumagem vistosa, um retirante pobre e semianalfabeto, uma aberração travestida de "gerentona", um vampiro escalafobético e um dublê de mau militar e parlamentar medíocre.
Da feita que quem não aprende com os erros passados está fadado a repeti-los indefinidamente, duas dessas tragédias são os franco-favoritos para disputar o Planalto agora em outubro. E ainda tem gente que diz que Deus é brasileiro!
A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger. No Executivo, a fé se perdeu (se é que ainda restava alguma) antes mesmo da renúncia de Jânio, que pavimentou o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura militar.
A morte do primeiro presidente civil do período "pós-redemocratização" — que foi eleito indiretamente, mas representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — resultou no governo do eterno donatário da capitania do Maranhão — um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista nordestina. Ao final do mandato-tampão, a impopularidade do dito-cujo era tamanha que ele se viu obrigado disputar uma cadeira no Senado pelo recém-criado estado do Amapá.
As esperanças se renovaram quando o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo (ou que daria certo em 2002, quando seria eleito presidente pela primeira vez). Mas logo se percebeu que o santarrão de pau oco tinha pés de barro e não passava de um populista tão descarado quanto o adversário derrotado.
Do impeachment dessa figura desprezível — o primeiro da Nova República — resultou a gestão do tal baianeiro, que se notabilizou por posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos e ressuscitar o Fusca, mas que também promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou ao Planalto, por duas vezes consecutiva, ambas no primeiro turno, seu ministro da Fazenda.
Observação: Lamentavelmente, o grão-duque tucano resolveu comprar a PEC da reeleição, mas aí já não lhe restavam coelhos para tirar da cartola.
A reboque da vitória de Lula vieram o Mensalão, o Petrolão e a indicação de oito ministros do STF, cujas decisões teratológicas (não só deles nem de todos eles, vale ressaltar) fulminaram a esperança que os brasileiros depositavam no Judiciário quando nada que prestasse se podia se esperar do Executivo e do Legislativo.
Em 2012, assistimos estarrecidos — mas esperançosos — a condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, comemoramos impeachment da "gerentona de festim" e os avanços da Lava-Jato — que refrearam em alguma medida e por algum tempo o apetite pantagruélico da seleta confraria de políticos corruptos pelo dinheiro dos contribuintes.
A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu sem colher os devidos louros. Foi graças a ela que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil.
O velório reuniu gente importante: seguravam a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão e o PT. O STF enviou uma sequência de coroas de flores enquanto preparava a última pá de cal. E ela não demorou a chegar. Ironicamente, o sepultamento da força tarefa se deu sob a batuta do mandatário que, quando candidato, prometeu combater implacavelmente a corrupção e os corruptos.
A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.
domingo, 9 de dezembro de 2018
O BRASIL E A SUPREMA ESCULHAMBAÇÃO
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE
Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza.
A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.
Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".
A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.
Continua no próximo capítulo.
sábado, 10 de setembro de 2022
O VOTO E A DEMOCRACIA
O Brasil é realmente um país sui generis. Nossa independência não foi conquistada, mas comprada a peso de ouro (literalmente). O golpe militar de 1889 — pomposamente chamado de Proclamação da República — deu azo a eleições democráticas e ao direito de voto, cujo exercício se tornou compulsório. Para piorar, nosso "esclarecidíssimo" eleitorado mantém no poder quem sempre lá esteve, enquanto os poderosos mantêm na sarjeta quem com ela já se acostumou.
A eleição de seus "representantes" deveria ser vista como uma ação de brasileiros racionais e interessados. Mas tudo se faz para conquistar o voto de uma récua de muares politicamente despreparados e desqualificados — o que inclui transportar as urnas até tribos perdidas no meio do nada, onde os indígenas sequer falam português.
Fala-se que "o povo precisa ser responsável pela escolha dos eleitos", e que votar em branco ou anular o voto não é democrático. Mas forçar alguém a participar da democracia é tudo, menos um aprimoramento da democracia.
O que há é o de sempre: uma ânsia por conduzir uma maioria desinformada e despreparada a manter no poder quem nele sempre esteve. Ao final, troca-se a plaquinha de uma confeitaria qualquer do centro de qualquer cidade e se mantém o povo na sarjeta, aguardando, por mais quatro anos, o momento de lembrar aos eleitores como seu voto é relevante para a democracia.
Triste Brasil.
sábado, 10 de abril de 2021
BRASIL: MUITAS LEIS E POUCA VERGONHA NA CARA
Apenas 177 dos 594 congressistas conquistaram o mandato parlamentar através do voto direto. Grosso modo, um terço dos 513 deputados federais e 81 senadores têm contas a acertar com a justiça criminal (daí o empenho em sepultar a Lava-Jato). E mais: enquanto cerca de 100 milhões de brasileiros sobrevivem com apenas R$ 413 por mês, os nobres deputados recebem cerca de 80 vezes mais: R$ 33,7 mil mensais. Sem mencionar que a Câmara reembolsa (e nós pagamos) gastos com restaurante, motorista, aluguel de carro, combustível, táxi, segurança particular, passagens aéreas, hospedagem, conta de telefone, correios, cursos e até fretamento de jatinhos — além de R$ 4.253 mensais para despesas com moradia.
Segundo matéria da jornalista Helena Mader,
“Mesmo com a pandemia e com a
suspensão temporária das sessões presenciais na casa, as despesas com a cota
parlamentar não tiveram uma queda condizente com o cenário de quarentena. Entre
janeiro e agosto deste ano, a despesa mensal média foi de 10 milhões de reais.
No ano passado, os deputados gastaram cerca de R$ 16 milhões por mês – um total
de R$ 192,4 milhões de janeiro a dezembro de 2019. [...] Em tese, a crise da Covid impôs o
isolamento social a boa parte dos parlamentares, mas os valores de reembolso
pela compra de gasolina e de querosene para jatinhos colocam essa teoria em
xeque – ou indicam que pode haver algo de errado por trás das prestações de
contas. Os deputados federais gastaram este ano R$ 14,9 milhões com
aluguel de carros, principalmente modelos de luxo, além de 6,2 milhões de reais
com combustível. Com esse dinheiro, é possível comprar 1,3 milhão de litros de
gasolina e percorrer até 24,8 milhões de quilômetros, o equivalente a 618
voltas em torno da Terra [...]
No Senado, o
custo por parlamentar é ainda maior: por volta de R$ 294 mil por mês. Esse valor inclui o salário de R$ 33,7 mil, o auxílio-moradia de R$ 4.253 e a cota para exercício da atividade de até R$ 15 mil mensais. Soma-se a esse
montante a verba para contratação de servidores comissionados, que, para a
maioria, pode alcançar R$ 227,1 mil.
São oferecidos aos senadores ainda serviços médico-hospitalares, odontológicos
e laboratoriais de ponta. Essa despesa cresceu vertiginosamente nos últimos
anos e praticamente dobrou entre 2016 e 2019, quando saltou de R$ 7,1 milhões
para R$ 13,9 milhões — até agosto de 2020, o Senado já havia desembolsado R$
7,9 milhões de com a assistência à saúde…
O Supremo Tribunal
Federal ocupa uma área de 14.000 metros quadrados — espaço que dá e sobra
para abrigar confortavelmente o Plenário (salão
de debates dos 11 togados), a sala
do presidente da Corte (com respeitáveis 100 m2) e as
duas Turmas (cada qual com
cinco integrantes). Até o início do século XIX, não havia uma corte
suprema nesta banânia. Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de
Janeiro, o príncipe regente criou a Casa
da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0 do STF,
mas a função de corte constitucional se solidificou após a declaração da independência, com a
criação do Supremo Tribunal de Justiça e sua posterior promoção a Supremo Tribunal Federal (noves
fora um curto período em que o tribunal foi efetivamente chamado de Corte Suprema).
Os ministros —
como são intitulados os membros do supremo e dos tribunais superiores — são indicados pelo presidente da República,
referendados pelo Senado. Uma vez empossados e devidamente togados, acomodam
seus buzanfãs em confortáveis poltronas de couro caramelo, de onde passam a
julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes e chefes de
organizações criminosas e fazer malabarismos de hermenêutica criativa para
enquadrar na moldura dos ditames constitucionais as conveniências de
ex-presidentes corruptos e outros criminosos de estimação.
Para ser ministro do STF
o art. 104 da CF exige que o
candidato seja brasileiro, tenha entre 35 e 65 anos, goze de reputação ilibada
e detenha notável saber jurídico. Não é preciso sequer ser bacharel em
Direito. Na prática, importa mesmo é o Q.I. (de “Quem Indica”). Dito de outra maneira, importa mesmo é
cair nas boas graças do presidente da República de turno, ser aprovado por
menos 14 dos 28 integrantes da CCJ do
Senado e conquistar a simpatia (e o voto) de pelo menos 41 dos 81 senadores
na sessão plenária subsequente. Para isso, o candidato da vez faz um périplo pelos
gabinetes dos nobres senadores (conhecido como “beija-mão”), como fazem os políticos em campanha eleitoral (a
sabatina no Senado é meramente protocolar).
Uma vez aprovado, o candidato toma posse (numa cerimônia
realizada no próprio Tribunal), tem os ombros recobertos pela suprema toga e
acomoda o supremo buzanfã na confortável poltrona de couro cor de caramelo, de
onde virá a julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes
e chefes de organizações criminosas e amoldar a Constituição de maneira a favorecer
ex-presidentes corruptos e outros criminosos de estimação. Cada ministro conta
com um batalhão de auxiliares — dentre os quais os folclóricos “capinhas”, que
ajeitam as poltronas para suas excelências se sentarem e se levantarem.
Considerando os estagiários, terceirizados et al, o número de funcionários
do Supremo varia conforme
o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450, o que dá uma média de 222 funcionários
por ministro. Em 2016, segundo dados do site políticos.org.br, esse séquito
faraônico consumiu mais de meio
bilhão de reais.
É importante ressaltar que o mandato do presidente da
República é de quatro anos (podendo ser prorrogado por outros quatro se o
mandatário de turno não for impichado nem condenado criminalmente nesse
entretempo), mas seu(s) apadrinhado(s) permanece(m) ministro(s) até completarem
75 anos de idade (quando a aposentadoria é compulsória), a menos que lhes dê na
veneta trocar a suprema toga pelo supremo
pijama — como fez Joaquim Barbosa,
que se aposentou aos 59 anos. Nesse meio tempo, suas excelências são
inamovíveis. A Constituição prevê a possibilidade de eles serem em caso de
crime de responsabilidade, mas na
prática a teoria é outra: desde a proclamação da República, em 1889, apenas
cinco indicados à Suprema Corte foram vetados (Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo), todos
durante o governo do Marechal Floriano Peixoto (1891-1894) —
confira essa e outras curiosidades sobre o STF no estudo publicado pelo
decano Celso de Mello em 2014.
Passados dois séculos, o STF rescende ao bolor dos tempos do Império, com seus
paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de
citações em latim e outras papagaiadas. Os eminentes decisores trazem os
votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações
orais de advogados, amici curiae,
membros da PGR e quem mais
subir à tribuna e fizer solilóquios — enquanto aguardam sua vez de falar,
suas excelências se entretêm com a montoeira de papéis que atulham suas
bancadas, navegam na Web, jogam Solitaire ou
tiram um cochilo — afinal, ninguém é de ferro. Após o voto do relator, os
demais ministros se pronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou seja,
seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente da corte dar
o voto de minerva.
Ainda que os magistrados possam se limitar a dizer se
acompanham ou não o voto do relator e, no caso de divergência, expor em poucas
palavras o motivo que os levou a discordar, a leitura dos voto costuma levar
horas. Há casos em que a leitura de um único voto preenche uma sessão
inteira — tempo mais que suficiente para julgar dois ou mais
processos, agilizando os trabalhos e aprimorando a performance do tribunal.
Manter essa máquina gigantesca funcionando custa aos
contribuintes mais de R$ 1 bilhão por
ano. Se somarmos a essa exorbitância os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST,
os salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores,
deputados estaduais, prefeitos e vereadores, bem como os bilhões tragados pelo
ralo da corrupção, teremos um pisto do motivo pelo qual o país nunca tem
recursos para investir na Saúde, na Educação, na Segurança etc., ainda que
a arrecadação anual ultrapasse a casa dos R$ 3 trilhões.
Observação: No Brasil, cada contribuinte trabalha mais de 5 meses por ano só para fazer frente à carga tributária, que consome 41,80% da sua renda. Como disse certa vez o economista Delfin Netto, nosso país virou uma INGANA, com impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana.