segunda-feira, 13 de junho de 2022

A CONFEITARIA DA REPÚBLICA


 

Em uma passagem de “Esaú e Jacó”, Machado de Assis anota que o fato mais relevante da transição do Império para a República foi a faixa da confeitaria do centro da cidade do Rio de Janeiro, que passou a exibir os dizeres “Confeitaria da República” onde antes se lia “Confeitaria do Império”.

 

O Brasil é realmente um país sui generis. Sua independência não foi conquistada, mas comprada a peso de ouro (literalmente). Mais adiante, o país foi tomado das elites do Império e entregue às elites da República. Com a Proclamação da República, vieram a eleições democráticas, e com elas o direito ao voto, que os brasileiros devem exercer compulsoriamente. Para piorar, a plebe ignara cultiva uma curiosa predileção por eleger quem lhe diga o que fazer e se habituou a manter no poder quem sempre lá esteve — e os poderosos, a manter na sarjeta quem com ela já se acostumou. 

 

Falar em democracia num país em que o voto é obrigatório para quem tem entre 18 e 70 anos de idade é uma piada. A eleição de nossos “representantes” deveria ser vista como uma ação de eleitores racionais e interessados, mas tudo se faz para conquistar o voto de indivíduos politicamente despreparados e desqualificados. Inclusive levar as urnas até tribos indígenas perdidas nos confins da floresta amazônica, onde silvícolas que sequer falam português e conhecem apenas o cacique da tribo exercem seu “sagrado direito de votar para Presidente”.

 

No período eleitoral, essa postura se traduz num mantra destinado sobretudo aos jovens. Jovens que não sabem escolher as próprias cuecas, mas são bombardeados com “vote, vote, vote, tire o título de eleitor e vote”, como se a democracia realmente dependesse deles. Às vésperas de completar 18 anos, minha prioridade era tirar a carteira de habilitação. Alistamento militar e título eleitoral eram meras consequências (e não necessariamente bem-vistas) da maioridade. Votei pela primeira em 1978, durante a “abertura lenta, gradual e segura” do governo Geisel — não havia então eleições para Presidente da República, e os governadores dos Estados eram indicados, e não eleitos pelo povo.

 

Há ainda os que pregam que não se deve votar nem branco nem nulo, pois o povo precisa ser responsável pela escolha dos eleitos. Ora, votar branco ou nulo não é também uma escolha? Não figuram essas opções entre as oferecidas pelas urnas eleitorais? Se a escolha do eleitor for por nenhum dos candidatos disponíveis, por que ser obrigado a optar por um candidato “menos pior”, que a cada eleição cava ainda mais fundo o buraco daquilo que entendemos por pior?

 

O mantra para que os jovens votem e os demais não anulem o voto ou votem em branco nada tem a ver com o “aperfeiçoamento” do processo democrático. Forçar alguém a participar da democracia é tudo, menos uma atitude democrática. O que há é o de sempre: uma ânsia por  nos conduzir a manter no poder quem nele sempre esteve. Ao final, trocarão a plaquinha de uma confeitaria qualquer do centro de qualquer cidade e nos manterão na sarjeta, aguardando por mais quatro anos o momento de lembrar como nosso voto é relevante para a democracia.

 

Com André Marsiglia.