segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

... SEMPRE TEM ESPAÇO PARA PIORAR!


Assim como o “Descobrimento”, a “Inconfidência Mineira”, o “Grito do Independência” e um sem-número de episódios que os compêndios didáticos romancearam, glamourizaram e ornamentaram com requififes chauvinistas, a “Proclamação da República” entrou para a História como um “bravo ato patriótico”, mas na verdade foi um golpe de Estado político-militar (o primeiro de muitos, diga-se) que tinha tudo para dar errado, inclusive falta de apoio do povo, que assistiu bestializado aos acontecimentos, sem entender o que se passava.

A ideia de transformar o Brasil numa República já era manifesta em muitas revoltas. Os militares, vitoriosos da Guerra do Paraguai, aproximaram-se dos republicanos, a exemplo da Igreja Católica, depois que D. Pedro II anulou suas medidas contra a maçonaria, e os fazendeiros, descontentes com a abolição da escravatura, que os privou da mão de obra gratuita do negros. 

O marechal Deodoro da Fonseca — idoso, enfermo e monarquista — relutava em protagonizar a troca do regime demandada por lideranças civis e fardados liderados por Benjamin Constant, mas a falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada acabou por convencê-lo a insurgir-se contra o Império.

Substituída a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano, D. Pedro II e família foram exilados. Deodoro, que não só era amigo pessoal do Imperador, mas também lhe devia favores, ofereceu 5 mil contos de réis para ajudar na mudança. D. Pedro recusou, mas disse que levaria de bom grado um travesseiro com terra do Brasil (para repousar sua cabeça quando fosse sepultado). 

Observação: A quem interessar possa, sugiro a leitura de A História das Constituições Brasileiras, do historiador e professor Marco Antonio Villa.

Deodoro comandou o Governo Republicano Provisório (1889 a 1891) e foi escolhido presidente pelo colégio eleitoral formado por senadores e deputados da Assembleia Constituinte. Mas sua relação tensa com as oligarquias e os muitos desafetos que colecionou durante a gestão renderam-lhe um vice da oposição (o também marechal Floriano Peixoto).

Deodoro substituiu todos os governadores por políticos de sua confiança, mas nem assim conseguiu evitar que as bancadas estaduais do Congresso articulassem um projeto de lei que lhe reduziria os poderes. Em represália, dissolveu o Congresso e decretou estado de sítio. O vice-presidente recorreu ao comandante do Encouraçado Riachuelo, que ameaçou bombardear a capital federal se o presidente não capitulasse. Sua excelência não pensou duas vezes.  

Com a renuncia de Deodoro (em 23 de novembro de 1891), Floriano Peixoto assumiu a presidência e a exerceu até 15 de novembro de 1894, quando, meio que a contragosto, deu posse a Prudente de Moraes, que entrou para a História como primeiro presidente civil e eleito pelo voto direto. Sua gestão foi marcada turbulências e dificuldades, mas isso é conversa para outra hora.

Esse breve relato resume o primeiro e o segundo dos muitos golpes de Estado ocorridos desde a proclamação da República. Oficialmente, Bolsonaro é o 38º presidente desta banânia, e, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) o Brasil ultrapassou a marca de 190 mil mortes pela Covid. Mas um levantamento realizado pela organização Vital Strategies, formada por pesquisadores e especialistas independentes, dá conta de que esse número pode ser superior a 220 mil. Mas isso também é outra conversa.

Observação: De 1549 a 1763, a capital do Brasil foi Salvador (BA). No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o Executivo até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir a capital para o interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que José Bonifácio ressuscitou em 1823, mas foi no final dos anos 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do nada — e no meio do nada — para ser o novo DF, e o Palácio do Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960 para ser a nova sede do Executivo Federal. O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital federal por três dias, de 24 e 27 de março de 1969.   

Desde 1945, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta. Desses, apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, vencedor do segundo pleito pós-ditadura militar, em 1994; e Lula, eleito em 2002 e reeleito em 2006. Integrante dos cinco restantes, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ter sido acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais exigirem publicamente sua renúncia. O político gaúcho deixou uma "carta-testamento" que se notabilizou pelas palavras finais (“saio da vida para entrar na História”).

Em outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora e os militares, com o apoio de Café Filho  que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas  e do presidente da Câmara, Carlos Luz — que assumiu interinamente a presidência da República quando do afastamento de Café  urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JKAssim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.

O resto fica para o próximo capítulo.