Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta pindorama. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta pindorama. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

sábado, 28 de outubro de 2023

QUEM FOI QUE INVENTOU O BRASIL... (PARTE III)

 

Por uma combinação perversa de governos estaduais indiferentes, leis escritas por advogados de criminosos e uma cultura voltada à veneração do tráfico de drogas, o Rio não consegue acordar do pesadelo permanente em que áreas inteiras da cidade e adjacências são governadas pelo crime organizado. A repressão da polícia pelo aparelho judiciário, a corrupção de políticos, as guerras entre quadrilhas e a violência contra os cidadãos são consequências diretas da postura suicida, adotada há mais de 40 anos, na qual o poder público decidiu que a Cidade Maravilhosa deveria conviver com o tráfico de drogas e com outras atividades criminosas. Deu nisso que está aí. Ministros do STF decidem que a polícia deve dar aviso prévio antes de fazer batidas nas favelas, o resto da Alta Justiça brasiliense manda soltar os piores traficantes, o Congresso aprova a criação do “juiz de custódia” — cuja função é soltar bandidos presos em flagrante — e o ministro da Justiça é recebido com festa numa favela carioca controlada pelo crime... Em meio ao pesadelo permanente do Rio, somente os criminosos conseguem dormir em paz.


***

No livro Pedro Álvares Cabral e a primeira viagem aos quatro cantos do mundo, o historiador José Manuel Garcia afirma que Cabral não foi incumbido de encontrar um caminho para "as Índias" pelo ocidente, mas, sim, de localizar terras que, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, pertenceriam à Coroa Portuguesa. Dito isso, o "achamento" do Brasil — termo que consta de documentos arquivados na Torre do Tombo, entre os quais a célebre Carta de Pero Vaz de Caminha — não foi acidental. 

 
A participação de navegadores como Bartolomeu Dias, Nicolau Coelho e Duarte Pacheco Pereira ressalta a importância
 expedição cabralina e esvazia a ideia do "acaso". Ademais, em 1948, uma frota de oito navios, comandada por Duarte Pacheco percorreu a costa de Pindorama à altura dos atuais Estados do Pará e do Maranhão, como registra o historiador português Jorge Couto em A Construção do Brasil. Mas o rei de Portugal determinou que esse episódio fosse mantido em segredo até que uma nova expedição (a de Cabral) "tomasse posse oficialmente" daquelas terras.
 
Observação: Na região do suposto naufrágio da nau São José (detalhes no capítulo anterior), é comum os ventos alísios pararem de soprar por dias ou semanas, deixando as embarcações à vela ao sabor das correntes marinhas. Segundo
 o historiador naval e almirante brasileiro Max Justo Guedes, a corrente equatorial sul pode ter empurrado a frota de Cabral 90 milhas para oeste, mas esse deslocamento não seria suficiente para ensejar o "descobrimento casual" do Brasil.

"A praia das lágrimas para os que vão. A terra do prazer para os que voltam". É assim que os portugueses se referem ao Porto do Restelo, de onde partiu a esquadra de Cabral, em 9 de abril de 1500, com 13 embarcações e 1500 tripulantes, entre marinheiros, médicos, boticários, religiosos, calafates e até degredados — que, no mais das vezes, eram os primeiros a desembarcar; se fossem atacados por selvagens, não fariam muita falta. A marujada dormia sob o castelo da popa ou no convés, em frágeis colchões de palha, mas os mais graduados tinham direito a um quarto e uma cama. Os capitães, além das mordomias, recebiam um bom salário — Cabral embolsou o valor correspondente a 35 quilos de ouro). 


O cardápio consistia em ½ quilo de carne em banha e peixe salgado, 600 g de biscoito água e sal duro, 1,5 litro de vinho e outro tanto de água por dia. Calcula-se que seriam necessárias 5000 kcal/dia em tais condições, mas essa dieta só fornecia 3500. A falta de vitamina C causava escorbuto e o contato com bichos a bordo, diarreia e piolhos. Como não havia banheiros, todos urinavam no mar e defecavam em baldes ou nos porões infestados por ratos e baratas. A falta de banho contribuía para tornar a higiene a bordo calamitosa e a taxa de mortalidade entre 2% a 10% da tripulação. 

 

Passaram-se 44 dias até os marinheiros avistarem algas boiando nas águas e "fura-bruxos" (pássaros semelhantes a gaivotas) nos céus. Na tarde de 22 de abril, alguém gritou: "Terra à vista!", e a frota lançou ferros a 35 quilômetros da costa. O capitão Nicolau Coelho, que foi encarregado de fazer o reconhecimento do território, presenteou o líder dos nativos (estima-se que havia entre 500 mil a 1 milhão de silvícolas no litoral de Pindorama) com um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto, e ganhou dele um cocar de plumas e um colar de contas.

 

Depois de dez dias em terra brasilis, Cabral e sua trupe partiram rumo à Índia, deixando para trás dois degredados — que foram recolhidos em dezembro do ano seguinte pela primeira expedição enviada por Dom Manuel para explorar a mais nova colônia portuguesa. Além deles, dois grumetes, cansados dos maus-tratos a bordo, roubaram um escaler e fugiram para a praia. Nunca mais se ouviu falar deles. No dia 13 de setembro, a frota cabralina, reduzida a seis navios, chegou a seu destino, onde sofreu novas baixas.


Continua...

domingo, 3 de março de 2024

ESTE É UM PAÍS QUE VAI PRA FRENTE


Uma filosófica anedota sobre a criação do mundo e as versões romanceadas do descobrimento, da Independência e da República explicam por que o eterno "país do futuro" (que nunca chega) se tornou uma republiqueta de bananas.

Pindorama virou colônia em 1500, Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815, Império em 1822 e República em1889 (dos Estados Unidos do Brasil até 1967 e Federativa do Brasil a partir de então). Ao longo de 134 anos, 38 presidentes foram alçados ao cargo via voto popular, eleição indireta, linha sucessória e golpe de Estado. Nos últimos 98, apenas Dutra, Juscelino, Lula e FHC concluíram seus mandatos. Bolsonaro foi (até nisso) um ponto fora da curva.

Uma vez confirmada sua derrota nas urnas, o Messias que não miracula se encastelou no Alvorada e lá ficou até a antevéspera da coroação de D. Lula III, quando então desabalou para Orlando (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, enquanto aguardava o desenrolar dos acontecimentos urdidos aqui por seus comparsas golpistas. 

Bolsonaro entrou para a história como o pior mandatário desde Tomé de Souza e o único, desde a redemocratização, que sobreviveu ao mandato, tentou a reeleição e não conseguiu. Se não tivesse conspirado 24/7 contra a democracia, se associado à Covid, rosnado para o Congresso e o Supremo e se amancebado com Fabrício QueirozCarla ZambelliFernando Collor, milicianos e que tais, talvez seu sucessor continuasse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba.
 
Ninguém é mais responsável do que Bolsonaro pela merda que o Brasil virou nos últimos anos (não que antes fosse muito melhor). E o pior é que, por mal dos nossos pecados, esse circo de horrores não acabou: nem bem vestiu a faixa presidencial, Lula começou a trabalhar pelo retorno do bolsonarismo

Lula e Bolsonaro se merecem, mas os brasileiros de bem não merecem nenhum dos dois.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA REELEIÇÃO — CONTINUAÇÃO

 

Com a popularização das redes sociais, a mídia deixou de dominar as massas e passou a ser controlada por elas. As massas são despreparadas, ignorantes, rudes e perniciosas, mas, quando se dá voz a burros, não se pode reclamar dos zurros.

Política e probidade são mutuamente excludentes. Os maus políticos sabem que só permanecerão no poder enquanto a plebe ignara continuar ignara. Mobral? Projeto Minerva? Balela! Em 1986, quando acompanhou José Sarney numa visita oficial a Portugal, Ulysses Guimarães comentou com os anfitriões que o direito ao voto no Brasil havia sido estendido aos analfabetos, e ouviu de um interlocutor que "em Portugal não havia analfabetos".

Durante a mesma viagem, o mandatário imortal (não confundir com o imorrível, imbrochável e incomível) percorreu algumas livrarias, mas não encontrou em nenhuma delas a obra que procurava. Um dos livreiros ficou de encomendá-lo à editora, e o presidente brasileiro perguntou se ele fechava aos sábados. O comerciante disse que não, e Sarney, que voltaria na manhã daquele sábado para buscar o livro. "Mas no sábado estamos fechados, excelência", desculpou-se o lusitano. "Mas o senhor não disse que não fechava aos sábados?", estranhou o luminar maranhense. "Mas é claro que não fechamos", respondeu o livreiro. "Se não abrimos, como vamos fechar?"

Ainda sobre zurros, o mandatário de turno segue empenhado em terminar a execrável obra que o impeachment impediu a igualmente execrável Dilma de concluir. Aliás, para quem achava a estocadora de vento insuperável, a competência da antítese de estadista que ainda ocupa (e conspurca) a poltrona presidencial é surpreendente. Para os indefectíveis engenheiros de obra pronta, a vitória do despirocado era uma tragédia anunciada, mas esquecem-se de mencionar que, dada a sinuca de bico que a maioria apedeuta do eleitorado armou para a minoria medianamente esclarecida, a alternativa ao capetão era o títere do presidiário. E ser governado de dentro da cadeia por um criminoso condenado não era uma opção, mas, sim, um vexame inaceitável, mesmo numa patética republiqueta de bananas.

Agora, porém, a coisa mudou. Se o problema era "o cara" ser um criminoso condenado, por que procurar alguém com reputação ilibada quando bastaria converter o bandido de estimação em "ex-corrupto"? Guardadas as devidas diferenças, é como na anedota do piloto que se recusou a decolar enquanto não substituíssem uma turbina defeituosa. Meia hora depois de deixarem a aeronave, os passageiros foram autorizados a reembarcar. Admirado com a eficiência da empresa, um viajante comentou com a aeromoça: "Já trocaram a turbina? É Espantoso!" E ela respondeu: "A turbina é a mesma. Trocaram o piloto".

Volto a dizer que esperar do sultão do bananistão um bom governo era o mesmo que acreditar no Coelho da Páscoa. No entanto, a passagem de sumidades como Lula e Dilma pelo Planalto impõe a conclusão de que idiota pode governar o país do futuro que nunca chega, desde que se cerque de assessores capacitados. Mas Bolsonaro demonstrou ser um ponto fora da curva.

Merval Pereira — que, como Sarney, ocupa uma cadeira na ABL — atribui parte do problema à visão da máquina estatal amesquinhada do capetão, depois décadas de vida parlamentar à sombra de pequenos desvios, como as “rachadinhas” nos gabinetes próprios e dos filhos, herdeiros de um império eleitoral montado em bases frágeis, do ponto de vista democrático, e conspurcado por relações promíscuas.

A intervenção na Receita Federal é a mais recente decisão nesse sentido, com a saída do secretário José Tostes devido a uma divergência com a Famiglia Bolsonaro, que tem candidato para o cargo de corregedor do órgão, vago desde julho. Por que o clã presidencial tem interesses desse tipo em diversos órgãos fiscalizadores, como a Receita, o Coaf, a PF? A resposta foi dada folclórica reunião ministerial de abril de 2020, na qual Bolsonaro deixou explícito que queria controlar as informações dentro do governo: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, vociferou o presidente que acabou com a Lava-Jato porque não há mais corrupção no governo.

Bolsonaro forçou a saída de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras e colocou em seu lugar um general seu amigo, Joaquim Silva e Luna. Não conseguiu evitar que a estatal aumentasse o preço dos combustíveis de acordo com a variação internacional, mas vem tentando, a todo custo, usá-la para fins eleitoreiros. Tamanha irresponsabilidade fez com que o mandatário seja investigado pela Comissão de Valores Mobiliários por ter anunciado que o preço dos combustíveis começaria a ser reduzido já nos próximos dias — levando a empresa a publicar um “fato relevante” negando que cogitasse dessa redução.

Bolsonaro gosta de dizer que é militar, mas é useiro e vezeiro em desrespeitar a condição básica dessa carreira, que é a hierarquia. Veja-se a maneira nada republicana como sua filha foi admitida num Colégio Militar, sem se submeter às normas legais. Outro exemplo — ainda mais grave — de seu comportamento abusivo aflora da intervenção branca no Alto-Comando do Exército, mediante a qual o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deixou de ser punido por ter subido num palanque para participar de uma manifestação claramente eleitoreira — atendendo ao convite do próprio Bolsonaro, o que colocou o Alto-Comando numa posição delicada, já que a punição ao general teria de ser também a do Presidente.

A falta de modos, o linguajar chulo utilizado em público e o flagrante desrespeito à liturgia do cargo indica que o "mito" dos patetas não sabe diferenciar a política partidária no baixo clero parlamentar do papel que deveria exercer como presidenta da República.

Assim como o ex-deputado Severino Cavalcanti, que ascendeu à presidência da Câmara, mas continuou extorquindo dinheiro do concessionário do restaurante, o sultão do Bolsonaristão chegou ao Planalto com a mesma mentalidade tacanha de deputado do baixo clero, o que reduz o Gigante Adormecido à figura burlesca de uma republiqueta de bananas. Burlesca, mas condizente com o indigitado que foi eleito para governá-la — e, pelo andar da carruagem, não será apeado antes de formalizar sua candidatura à reeleição. Triste Brasil.

Observação: Como disse P. T. Barnum, "os trouxas nascem à razão de um por minuto". A julgar pela sequência de sumidades que presidiram Pindorama desde a redemocratização, os trouxas que nascem aqui por estas bandas já vêm com um título de eleitor enfiado no rabo".

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA E A VIAGEM NO TEMPO (PARTE XVI)

ÀS VEZES, A ÚNICA COISA VERDADEIRA NO JORNAL É A DATA.

Vimos que a Teoria da Relatividade Geral descreve a gravidade como uma propriedade geométrica do espaço-tempo e demonstra como o tempo desacelera à medida que a velocidade aumentaEmbora não seja perceptível em carros e aviões, essa variação faz com que os relógios internos dos satélites que orbitam a Terra a cerca de 28.000 km/h atrasem 7 milésimos de segundo por dia. 
 
Viajamos pelo tempo desde o instante em que nascemos, mas avançar ou retroceder por ele a nosso talante, como na trilogia De Volta para o Futuro, é uma das “ficções” que mais instigam a imaginação humana. No entanto, não é a ficção a musa inspiradora da Ciência? 
Leonardo da Vinci idealizou o helicóptero 600 anos antes da construção da primeira aeronave de asa móvel; Júlio Verne descreveu em 1865 a proeza que a Apollo 11 realizaria 104 anos depois — errando por míseras 20 milhas o local exato do lançamento do Saturno V.  

No âmbito da Ciência, o que vale hoje pode não valer amanhã.  Cinco séculos atrás, Cabral e sua trupe levaram 44 dias para viajar de Lisboa a Pindorama; hoje, um jato comercial cruza o Atlântico em cerca de 9 horas. Mas viajar no tempo é outra história, até porque essa possibilidade só começou a ser encarada com seriedade há pouco mais de uma década, quando se descobriu que a propagação superluminal de pulsos óticos em meios específicos poderia superar a velocidade da luz (299.792.458 m/s no vácuo). 


Viajando à velocidade da luz, vai-se da Terra ao Sol em cerca de 8 minutos, e a Alfa Centauri, em pouco mais de 8 anos. Viagens ainda mais longas — até Earendel, por exemplo, que fica a mais de 9 bilhões de anos-luz (um ano-luz é a distância que a luz percorre no vácuo no período de um ano, e corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros, exigiriam um buraco de minhoca, mas se o tempo "congela" quando nos movemos à velocidade da luz, 10 anos, 100 anos ou 1.000 anos a mais ou a manos não fazem a menor diferença.

 
Para Einstein, a velocidade da luz seria o "limite universal". Um século após ele publicar sua revolucionária teoria, o CERN conseguiu acelerar partículas a 99,99% dessa velocidade, mas ainda não foi capaz de ultrapassar esse "limite". Segundo o professor Shengwang Du, a “lei de trânsito do universo” impede que os fótons se movam mais rápido que a luz (clique aqui para mais detalhes), mas nem toda a comunidade científica concorda com esse pressuposto.
 
A dilatação do tempo explica as diferenças do fluxo temporal em razão da velocidade e da gravidade. A atração gravitacional exercida por um buraco negro é tamanha que chega a distorcer o tecido do espaço-tempo ao seu redor, forçando o tempo a desacelerar para que a luz possa manter sua velocidade constante. 
Ao contrário dos buracos de minhoca, os buracos negros já foram fotografados e seus efeitos na passagem do tempo, comprovados cientificamente. O problema é chegar até um buraco de minhoca, pois esse fenômeno costuma ocorrer nas imediações (ou dentro) dos buracos negros, e o buraco negro mais próximo da Terra fica a 1.000 anos-luz. 
 
Observação: Os Buracos de minhoca — ou “Pontes Einstein-Rosen” — são teorizados pela astrofísica como um "atalho" que aproxima dois pontos no espaço-tempo; através deles, uma espaçonave percorreria milhares de anos-luz em poucos segundos e alcançaria galáxias diferentes — neste ou em outro universo, no presente ou em outro ponto da linha do tempo. 
 
Se os buracos de minhoca possuem entradas com raios entre 100 e 10 milhões de quilômetros e são tão comuns quanto as estrelas, sua detecção pode ser apenas uma questão de reavaliar informações antigas. Mas ainda não se conseguiu explicar como eles poderiam existir ou ser criados por civilizações alienígenas avançadas. 
O que se sabe até o momento é que sua criação exigiria uma quantidade de energia "n" vezes superior à que podemos gerar com a tecnologia de que dispomos atualmente.

Continua...   

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O 8 DE JANEIRO E A POLARIZAÇÃO

A palavra "bíblia do grego "biblion", que significa "livro" ou "conjunto de livros designa uma coleção de histórias fictícias que judeus, cristãos e sectários de outras religiões acreditam ser a "Palavra de Deus". Mas não há, pelo menos até onde eu sei, nenhuma certidão passada em cartório do Céu que dê fé a essa aleivosia.  E Caim pode ter assassinado o irmão devido a uma divergência de opiniões — e não movido por ciúme ou inveja, como afirma o Gênesis. Nesse caso, o primeiro fratricídio da história da Humanidade seria o antepassado mais remoto da "polarização político-ideológica" que tanto mal tem feito a esta banânia nos últimos anos.
 
A dicotomia desembarcou em Pindorama com Pedro Álvares Cabral e sua trupe e teve presença garantida em todos os capítulos da nossa história, mas o quadro se se agravou depois que o lulopetismo plantou a semente do "nós contra eles", a rivalidade entre mortadelas e coxinhas regou quando e o bolsonarismo boçal estrumou e espalhou do Oiapoque ao Chuí. Desde então, o ex-presidiário mais famoso do Brasil e o "mito" dos mentecaptos vêm se esmerando numa repugnante desumanização mútua e se esmerdeando ao estendê-la aos apoiadores dos respectivos rivais. 

Ao final de seu segundo mandato, o xamã petista trombeteou que as eleições de 2010 seriam do nós contra eles, acirrando os eleitores de esquerda contra os de direta. Quando já havia escolhido Dilma para manter aquecida a poltrona presidencial até que ele pudesse voltar a ocupá-la, falou em "extirpar" o DEM (atual União Brasil) da política tupiniquim. Na campanha pela reeleição da gerentona de araque, retomou o vomitativo ramerrão do nós contra eles ao rebater as críticas que sua pupila incompetente vinha colecionando. Em 2016, depois que a dita-cuja foi defenestrada do Planalto, afirmou que "quando os jovens rejeitam a política, a direita raivosa cresce". Enquanto isso, o PT classificava o governo de Michel Temer de "golpista" e "de direita". 
 
Em 2018, quando os desembargadores do TRF-4 aumentaram para 12 anos e 1 mês a pena imposta ao camelô de empreiteiras no caso do tríplex, a estrelinha vermelha Gleisi Hoffmann — que o departamento de propinas da Odebrecht alcunhou de 
"Coxa" e "Amante" — vaticinou que "para prender Lula seria preciso matar muita gente". Mas o tempo provou que ela era uma péssima pitonisa: o ex-presidente gozou 580 dias de férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba, mas acabou que togas camaradas anularam os processos sob o pretexto de que a 13º Vara Federal de Curitiba não tinha competência territorial para julgar o réu. 
 
Durante a pré-campanha de 2022, o palanque ambulante desdenhou dos antigos adversários: "Agora quem acabou foi o PSDB". Em resposta, os tucanos disseram que o PT passou anos tentando reescrever a história, semeando o ódio, perseguindo adversários, dividindo a sociedade e montando uma usina de fake news. Mais recentemente
Bolsonaro lamentou a depredação dos prédios públicos de 8 de janeiro, mas disse que os atos foram uma armadilha da esquerda e não configuram tentativa de golpe. Lula disse lamentar que um presidente sem controle emocional, desmoralizado pela quantidade de mentiras contadas durante toda a campanha, inventasse uma coisa como aquela, e que o mais vergonhoso foi "ele ter inventado e fugido, não ter tido coragem de participar".
 
Segundo o cientista político Pedro Marques, há três tipos de polarização. Na ideológica, as pessoas divergem sobre programas políticos; na
 social, as diferenças sócio-econômicas causam a divisão; na afetiva, até mesmo a imagem e o som da voz de quem integra o time adversário provocam reações viscerais. É fácil reconhecer essa lista de sintomas nesta banânia, que teve um momento semelhante de polarização na última gestão Vargas, quando situação e oposição não dialogavam, não se reconheciam nem autorizavam a existência uma da outra. 

Observação: Em 1954, o suposto suicídio" do déspota adiou uma explosão, mas não evitou que a polarização continuasse crescendo até desaguar no golpe de 1964 — que Bolsonaro tentou reprisar em 2022, e só não conseguiu porque faltou o apoio das Forças Armadas. 

Nada de bom pode resultar de um cenário onde desavenças e violência política continuam crescendo. Um passo necessário (embora não suficiente) para recolocar o Brasil nos eixos é drenar a intolerância do discurso político. Quando — e se — isso vai acontecer, só Deus e o diabo sabem.
 
Continua...

sábado, 1 de outubro de 2022

LEIA ISTO ANTES DE VOTAR


Segundo uma antiga e filosófica anedota, Deus estava criando o mundo quando um anjo apontou para a porção continental que seria o Brasil e disse: "Essa terra será um verdadeiro paraíso, pois o clima é agradável, há lindas florestas e praias, grandes e belos rios, e nada de desertos, geleiras, terremotos, vulcões ou furacões". E o Criador respondeu: Ah, meu caro anjo, espera só pra ver o povinho filho da puta que eu vou colocar aí.”

Quando a trupe de Cabral desembarcou em Pindorama, Pero Vaz de Caminha plantou a sementinha da corrupção na carta que enviou a El Rey, pedindo-lhe que intercedesse por seu genro. Trezentos anos depois, o Brasil passou de colônia a reino-unido porque a família real portuguesa se desabalou para o Rio de Janeiro (para fugir de Napoleão). Nossa independência — paga a peso de ouro — foi proclamada por D. Pedro I quando o então príncipe regente esvaziava os intestinos
Despida do glamour que lhe atribuem os livros de História, a "Proclamação da República" foi um golpe de Estado político-militar (o primeiro de muitos, como se viu mais adiante). 

De 1889 para cá 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe, e oito deles, a começar do primeiro, foram apeados antes do fim do mandato. A renúncia de Jânio Quadros deu azo ao golpe de 1964 e duas décadas de ditadura militar. A primeira eleição direta para presidente desaguou no primeiro impeachment — de Fernando Collor, e o segundo — de Dilma Rousseff —, veio 24 anos depois (não fosse a pusilanimidade de Rodrigo Maia e a cumplicidade escrachada de Arthur Lira, o terceiro teria ocorrido em algum momento dos últimos 40 meses). 
 
Em 2018, Bolsonaro derrotou o bonifrate de Lula por uma diferença superior a 10,7 milhões de votos. Segundo o empresário Paulo Marinho — que abrigou na própria casa o comitê de campanha —, a vitória do dublê de mau militar e parlamentar medíocre deveu-se ao antipetismo, ao articulador Gustavo Bebianno, ao publicitário Marcos Carvalho e ao esfaqueador Adélio Bispo de Oliveira

Imaginava-se que o ex-capitão jamais seria um presidente como manda o figurino, mas era ele ou a volta do presidiário encarnado em Fernando Haddad. Acabou que Bolsonaro superou as piores expectativas. Para piorar, o candidato que prometeu acabar com a reeleição passou os últimos 3 anos e 9 meses em campanha. E como nada é tão ruim que não possa piorar, faltou à “terceira via” uma narrativa eleitoral que sensibilizasse o eleitorado refratário à polarização e oferecesse propostas consistentes. 

Depois que sucessivos boicotes forçaram Doria a desistir e impediram Moro de seguir adiante, restaram Simone, que patinou na largada, e Ciro, que parece estar fadado a amargar mais uma derrota (a quarta). Mesmo que nenhum dos dois tenha chances reais de passar para segundo turno, os votos que lhes serão dirigidos evitarão que o pleito decidido no primeiro turno.  E tudo aponta para a vitória de Lula — ou, nas palavras do ex-adversário e ora candidato a vice na chapa petista, "a volta do criminoso à cena do crime". 

Graças a uma sequência decisões judiciais teratológicas, o ex-detento mais famoso do país foi convertido em ex-corrupto e o recolocado no tabuleiro da sucessão presidencial. Seus advogados estrelados conseguiram finalmente criminalizar o xerife, a despeito das evidências de que, durante as gestões petistas, um cartel obtinha contratos superfaturados com a Petrobras e pagava propina ao PT, PP e MDB. 
 
Antes de passar o supremo bastão para sua sucessora, o ministro Luiz Fux disse que as anulações dos processos da Lava-Jato ocorreram por razões formais e situações de corrupção no escândalo da Petrobras e do mensalão não podem ser esquecidas. "Aqueles R$ 50 milhões das malas eram verdadeiros, não eram notas americanas falsificadas. O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu 98 milhões de dólares e confessou efetivamente que tinha assim agido", reconheceu o magistrado. Mas o PT publicou uma obra de ficção visando reforçar a narrativa de que "não houve corrupção sistêmica na Petrobras nem superfaturamento em contratos" (contrariando afirmações do TCU e da própria estatal). 

Sempre que é pressionado, Lula relativiza sua participação na megarroubalheira, embora o preposto do do petista na campanha de 2018 tenha reconhecido que faltou controle na Petrobras e que o ex-juiz Sergio Moro fez "um bom trabalho" (menos ao condenar seu chefe). 
 
O sucesso da finada Lava-Jato no combate à corrupção deveu-se a acordos de delação de executivos da Petrobras, da Odebrecht, OAS e de outras empresas. No curso das investigações, foram obtidos documentos e evidências que confirmaram a corrupção na estatal e o pagamento de propinas pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht. Em 2015, a Petrobras divulgou balanço contabilizando uma perda de R$ 6 bilhões com o esquema de corrupção. No início do ano passado, a estatal informou que o total recuperado mediante acordos de colaboração, leniência e repatriações era de R$ 6,17 bilhões.
 
Com a anulação dos processos e a declaração da "suspeição" de Moro, o pajé do PT estufa o peito e, com o dedo indicador em riste qual cauda de escorpião, alardeia que foi "absolvido" e que sua "inocência" foi reconhecida até pela ONU. Mas não é bem assim.
 
Continua...

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

QUEM FOI QUE INVENTOU O BRASIL... (PARTE V)


Haddad vinha toureando o fogo amigo do PT, até que Lula, a dois meses do Natal, transformou o compromisso de zerar o déficit numa fantasia equiparável a Papai Noel: assim como o bom velhinho, a meta, que já andava desacreditada, passou a frequentar o universo do faz-de-conta. Três dias depois que a merda bateu no ventilador, Haddad  se viu em palpos de aranha para reafirmar sem dizer se a meta será ou não modificada. A certa altura, disse que Lula não expressou descompromisso, apenas constatou que a arrecadação do governo escapa por ralos tributários — os ralos existem, e o ministro guerreia para fechá-los, mas seu chefe não os mencionou na fala do dia 28 p.p. Na melhor das hipóteses, um ministro da Fazenda que precisa manter um olho na arrecadação e outro nas maquinações da Casa Civil é um mau agouro. Na pior, é a abertura de uma trilha que leva diretamente ao desastre.

***

O Homo sapiens surgiu no continente africano há cerca de 300 mil anos e de lá se espalhou pelo mundo. Segundo a revista científica Science, nossos ancestrais ocuparam a América do Norte milhares de anos antes do que se imaginava, como comprovam as pegadas fossilizadas deixadas no Parque Nacional de White Sands, no Novo México (EUA), por volta de 20 mil anos atrás. 
 
Até meados do século XV, quando a queda de Constantinopla marcou o fim da Idade Média, a maioria dos mapas mostrava o mundo dividido em Europa, a Ásia e a África, com dois mares navegáveis — o Índico e o Mediterrâneo 
— e, para além deles, trevas, superstições e monstros marinhos. 
 
A "era das caravelas" foi marcada pelos "achamentos" da América (por Colombo, em 1492) e do Brasil (por Cabral, em 1500) e encerrada em 1770, quando James Cook reivindicou o território da atual Austrália para a coroa britânica. Mas a Austrália já havia sido visitada pelos portugueses Cristóvão de Mendonça (1522), Gomes de Sequeira (1525) e Pedro Fernandes de Queirós (1606) e pelos holandeses Dirk Hartog e Janszoon Tasman (entre 1616 e 1644).  
 
Curiosamente, a primeira grande descoberta não foi um continente, mas uma apavorante península de rochas castigadas por tempestades e ondas gigantes, que foi batizada de Cabo das Tormentas e, mais adiante, renomeada como Cabo da Boa Esperança. Além disso, um mapa cartografado em
 1418 mostra com precisão o contorno das Américas e da Oceania, reforçando a tese de que os chineses estiveram na América quando Colombo ainda não era nascido. 
 
O maior concorrente de Cabral ao título de descobridor de Pindorama foi Duarte Pacheco Pereira, que foi encarregado por D. Manuel, em 1498, de averiguar se as terras encontradas por Colombo do outro lado do Atlântico faziam mesmo parte da Ásia. Pacheco deveria navegar até a linha de Tordesilhas — marco estabelecido pelo papa Alexandre VI, o corrupto, para dividir entre Espanha e Portugal as terras recém-descobertas ou ainda por descobrir — mas ninguém soube por onde andou até 1882, quando foi publicado em Portugal o "Tratado dos Novos Lugares da Terra"
, no qual Pacheco anotou ter achado e navegado "uma vasta terra firme, grandemente povoada por gente parda, mas quase branca" (referindo-se aos aruaques). 

Outro famoso predecessor de Cabral foi o italiano Américo Vespúcio, para quem as terras a oeste do Atlântico não eram parte da Ásia (como pensava Colombo), mas “um novo mundo”. E a viagem dos espanhóis Vicente Pinzón e Diego de Lepe oferece evidências ainda mais sólidas — ambos foram condecorados pelo rei da Espanha por terem "descoberto o Brasil" em janeiro de 1500.
 
Todas essas hipóteses datam a descoberta do Brasil em algum momento do final do século 15, mas o britânico Gavin Menzies afirma que a costa tupiniquim foi mapeada 80 anos antes 
— como veremos em detalhes no próximo capítulo.

sexta-feira, 5 de maio de 2023

A NOVELA DA VEZ

Depois do escândalo da muamba das arábias, os primeiros capítulos da novela da vez têm como roteiro a visita da PF à casa de Jair Bolsonaro na última quarta-feira, durante o cumprimento 16 de mandados de busca e apreensão e seis de prisão preventiva no escopo da Operação Venire, que apura suspeitas de fraude em dados do certificado de vacinação contra a Covid do ex-presidente, da ex-primeira-dama, da filha do casal e de familiares do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do capitão, preso preventivamente nesta quarta-feira. 

Segundo a PF, Cid teria conspirado para emitir cartões falsos de vacinação para sua esposa e filhas, e depois para o presidente e sua filha Laura, então com 11 anos. As investigações foram baseadas nas quebras de seu sigilo telefônico e telemático em outro inquérito que investiga uma live em que Bolsonaro associou a vacina contra a Covid à contaminação por AIDS. Durante o depoimento, Cid permaneceu em silêncio.

Ao autorizar a ação, o ministro Alexandre de Moraes escreveu que não há qualquer indicação nos autos que conceda credibilidade à versão de que o ajudante de ordens de Bolsonaro pudesse ter comandado relevante operação criminosa, destinada diretamente ao então mandatário e sua filha sem, no mínimo, conhecimento e aquiescência daquele, circunstância que somente poderá ser apurada mediante a realização da medida de busca e apreensão requerida pela autoridade policial. 

As inserções falsas sob suspeita se deram entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, e tiveram como consequência a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja a condição de imunizado dos beneficiários. O objetivo do grupo seria "manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid".
 
O relatório da PF atribui aos investigados crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores, mas o relatório enviado ao ministro Alexandre atribui especificamente a Bolsonaro os crimes de uso de documento falso e de corrupção de menores, além de dizer que há indícios consistentes de que o então presidente tinha conhecimento da alteração fraudulenta dos dados no sistema do Ministério da Saúde. Bolsonaro seria ouvido pela PF na própria quarta-feira 3, mas se recusou a depor. O advogado Fabio Wajngarten afirmou que seu cliente só se manifestará após a defesa ter acesso aos autos. 
 
Observação: A eventual entrada de Bolsonaro nos EUA com certificado de vacinação falso configuraria crime federal naquele país, com pena de até dez anos de prisão, mas vale lembrar que quando desembarcou na Flórida, no final de dezembro passado, ele ainda era presidente e tinha passaporte diplomático. 
 
Além de jamais ter informado se tomou ou não a vacina, Bolsonaro impôs um sigilo de até cem anos aos dados — um dos mais de mil temas colocados em sigilo durante sua gestão —, mas as suspeitas de que havia algo de podre em Pindorama surgiram depois que um integrante do grupo interdisciplinar Infovid rastreou o cartão de vacinação vazado à imprensa por um funcionário da CGU e descobriu dados estranhíssimos de vacinas aplicadas num posto do município fluminense de Duque de Caxias em datas coincidentes com motociatas realizadas no Rio de Janeiro.

Inicialmente, um médico bolsonarista lotado na prefeitura do município goiano de Cabeceiras teria preenchido os cartões de vacinação que o grupo tentou registrar no sistema eletrônico do SUS em Duque de Caxias. Mas o lote das vacinas tinha sido enviado para Goiás, de modo que o sistema rejeitou as informações, o que ensejou a troca de mensagens entre Cid e seus ajudantes, a partir das quais a PF descobriu que o grupo havia conseguido um outro número de lote, desta vez do Rio, para fazer o registro, imprimir os cartões e remover os arquivos digitais do sistema.
 
O portal Metrópoles informou que Bolsonaro manterá a versão de que desconhecia esquema dos cartões de vacina. Já o g1 publicou que uma servidora do SUS de Duque de Caxias que foi coagida a fornecer a sua senha de acesso ao sistema do Ministério da Saúde. Registros dão conta de que duas doses da vacina da Pfizer foram aplicadas em Bolsonaro e na filha, e a PF apurou que sua inserção no sistema foi feita pelo secretário municipal João Carlos de Sousa Brecha. No dia seguinte, o ConecteSUS emitiu o certificado de vacinação — que, ainda segundo a PF, foi solicitado do Palácio do Planalto. Uma semana depois, novo acesso foi feito a partir do mesmo dispositivo, solicitando a emissão do segundo comprovante de vacinação. 
 
No dia 30 de dezembro próximo passado, horas antes de Bolsonaro embarcar rumo à Flórida, um novo acesso ao ConecteSUS foi feito a partir do celular de Mauro Cid, que obteve um terceiro certificado de vacinação em nome de Bolsonaro no qual constava a dose única da vacina da Janssen. O relatório da PF diz ainda que o email vinculado à conta foi alterado neste período, passando a ser o do assessor Marcelo Costa Camara, que acompanhou o capitão na terra do Pateta.

A PF prendeu Mauro Cid, Max Guilherme e Sérgio Cordeiro, que acompanharam Bolsonaro em seu autoexílio na Flórida, e João Carlos de Sousa Brecha, secretário de Governo em Duque de Caxias. Marcelo Câmara — outro que viajou para os EUA com o ex-presidente — foi alvo de busca e apreensão. O deputado Gutemberg Reis, irmão do ex-prefeito de Caxias, e o ex-vereador carioca Marcello Siciliano são investigados por suposta participação no esquema. De acordo com o g1, todos os detidos optaram pelo silêncio no primeiro depoimento tomado após suas prisões. Bolsonaro e Michelle tiveram seus celulares apreendidos, mas o ex-presidente não informou a senha do seu aparelho.
 
Quanto ao restante do Clã, a ex-primeira-dama teria sido vacinada em setembro de 2021, em Nova Iorque (EUA). Segundo a Secom informou à época, quando fez o teste PCR ela foi indagada pelo médico se gostaria de aproveitar a oportunidade para ser vacinada e aceitou a oferta. Flávio Bolsonaro publicou em meados de 2021 um vídeo em que ele aparece sendo vacinado pelo então ministro da Saúde Marcelo Queiroga. No mês seguinte foi a vez de Eduardo Bolsonaro, que também postou um vídeo dando conta do fato.
 
Observação: Em dezembro de 2021, Bolsonaro afirmou categoricamente que sua filha, então com 11 anos, não tomaria a vacina, a despeito da resolução da Anvisa que autorizava a imunização de crianças de 5 a 11 anos. "Eu espero que não haja interferência do Judiciário. Espero, porque minha filha não vai se vacinar, estou deixando bem claro."

Diante da informação de que teria furado a fila para se vacinar, Carlos Bolsonaro disse: "A única coisa que devo ter furado deve ter sido a mãe de quem divulga mais uma fake news de nível global e diária! A escória não vive sem mentir e manipular! Não tomei vacina alguma!". Jair Renan teve Covid em 2020; na ocasião, ele disse que foi só uma "gripezinha" e que tomou cloroquina durante o período em que apresentou os sintomas (não há registros de que ele tenha sido vacinado).
 
Moraes determinou a apreensão do passaporte do ex-presidente que se mostrou desgostoso com a ação policial e questionou o motivo de os agentes terem ido a sua casa quando poderiam ter feito as perguntas diretamente a ele, além de destacar que a pressão sofrida por sua família é “desumana”. Na sua avaliação, tudo está sendo feito para criar fatos contra sua pessoa e prejudicá-lo politicamente.
 
Novos desdobramentos dessa tragicomédia surgem a cada minuto, mas eu preciso concluir este texto em algum momento. Antes, porém, vale acrescentar que a CNN Brasil noticiou no final da tarde de ontem que o ex-major Ailton Barros (mais um que foi preso na última quarta-feira) discutiu em dezembro último um golpe de Estado com Mauro Cid. De acordo com a PF, ele também integrou o grupo que teria forjado os registros de vacina.
 
CNN teve acesso a três áudios nos quais o ex-major descreve o "conceito da operação". No dia 15 de dezembro, ele diz: “É o seguinte, entre hoje e amanhã, sexta-feira, tem que continuar pressionando o Freire Gomes [comandante do Exército] para que ele faça o que tem que fazer". Até amanhã à tarde, ele aderindo… bem, ele faça um pronunciamento, então, se posicionando dessa maneira, para defesa do povo brasileiro. Se ele não aderir, quem tem que fazer esse pronunciamento é o Bolsonaro, para levantar a moral da tropa. Que você viu, né? Eu não preciso falar. Está abalada em todo o Brasil".
 
Barros ressalta a necessidade de Gomes ou Bolsonaro realizarem o pronunciamento comentado no áudio, dando preferência ao comandante do Exército, de modo que fique "tudo dentro das quatro linhas". A CNN entrou em contato com Bolsonaro, Cid, Barros e Gomes, mas ainda ainda aguardava retorno quando eu concluí este texto.
 
Detalhe: Um longo histórico de transgressões levou à expulsão de Ailton da corporação. Documentos do Superior Tribunal Militar obtidos pela CNN revelam que ele foi preso pelo menos sete vezes entre 1997 e 2006. Naquele ano, reportagens mostraram sua participação em um caso de desvio de armas do Exército para traficantes do Rio de Janeiro. O ex-major se identificava como "o 01 do Bolsonaro" em sua campanha para deputado federal em 2022, e teve quase 7 mil votos.

Triste o país onde o povo não tem capacidade para votar.