sábado, 28 de outubro de 2023

QUEM FOI QUE INVENTOU O BRASIL... (PARTE III)

 

Por uma combinação perversa de governos estaduais indiferentes, leis escritas por advogados de criminosos e uma cultura voltada à veneração do tráfico de drogas, o Rio não consegue acordar do pesadelo permanente em que áreas inteiras da cidade e adjacências são governadas pelo crime organizado. A repressão da polícia pelo aparelho judiciário, a corrupção de políticos, as guerras entre quadrilhas e a violência contra os cidadãos são consequências diretas da postura suicida, adotada há mais de 40 anos, na qual o poder público decidiu que a Cidade Maravilhosa deveria conviver com o tráfico de drogas e com outras atividades criminosas. Deu nisso que está aí. Ministros do STF decidem que a polícia deve dar aviso prévio antes de fazer batidas nas favelas, o resto da Alta Justiça brasiliense manda soltar os piores traficantes, o Congresso aprova a criação do “juiz de custódia” — cuja função é soltar bandidos presos em flagrante — e o ministro da Justiça é recebido com festa numa favela carioca controlada pelo crime... Em meio ao pesadelo permanente do Rio, somente os criminosos conseguem dormir em paz.


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No livro Pedro Álvares Cabral e a primeira viagem aos quatro cantos do mundo, o historiador José Manuel Garcia afirma que Cabral não foi incumbido de encontrar um caminho para "as Índias" pelo ocidente, mas, sim, de localizar terras que, de acordo com o Tratado de Tordesilhas, pertenceriam à Coroa Portuguesa. Dito isso, o "achamento" do Brasil — termo que consta de documentos arquivados na Torre do Tombo, entre os quais a célebre Carta de Pero Vaz de Caminha — não foi acidental. 

 
A participação de navegadores como Bartolomeu Dias, Nicolau Coelho e Duarte Pacheco Pereira ressalta a importância
 expedição cabralina e esvazia a ideia do "acaso". Ademais, em 1948, uma frota de oito navios, comandada por Duarte Pacheco percorreu a costa de Pindorama à altura dos atuais Estados do Pará e do Maranhão, como registra o historiador português Jorge Couto em A Construção do Brasil. Mas o rei de Portugal determinou que esse episódio fosse mantido em segredo até que uma nova expedição (a de Cabral) "tomasse posse oficialmente" daquelas terras.
 
Observação: Na região do suposto naufrágio da nau São José (detalhes no capítulo anterior), é comum os ventos alísios pararem de soprar por dias ou semanas, deixando as embarcações à vela ao sabor das correntes marinhas. Segundo
 o historiador naval e almirante brasileiro Max Justo Guedes, a corrente equatorial sul pode ter empurrado a frota de Cabral 90 milhas para oeste, mas esse deslocamento não seria suficiente para ensejar o "descobrimento casual" do Brasil.

"A praia das lágrimas para os que vão. A terra do prazer para os que voltam". É assim que os portugueses se referem ao Porto do Restelo, de onde partiu a esquadra de Cabral, em 9 de abril de 1500, com 13 embarcações e 1500 tripulantes, entre marinheiros, médicos, boticários, religiosos, calafates e até degredados — que, no mais das vezes, eram os primeiros a desembarcar; se fossem atacados por selvagens, não fariam muita falta. A marujada dormia sob o castelo da popa ou no convés, em frágeis colchões de palha, mas os mais graduados tinham direito a um quarto e uma cama. Os capitães, além das mordomias, recebiam um bom salário — Cabral embolsou o valor correspondente a 35 quilos de ouro). 


O cardápio consistia em ½ quilo de carne em banha e peixe salgado, 600 g de biscoito água e sal duro, 1,5 litro de vinho e outro tanto de água por dia. Calcula-se que seriam necessárias 5000 kcal/dia em tais condições, mas essa dieta só fornecia 3500. A falta de vitamina C causava escorbuto e o contato com bichos a bordo, diarreia e piolhos. Como não havia banheiros, todos urinavam no mar e defecavam em baldes ou nos porões infestados por ratos e baratas. A falta de banho contribuía para tornar a higiene a bordo calamitosa e a taxa de mortalidade entre 2% a 10% da tripulação. 

 

Passaram-se 44 dias até os marinheiros avistarem algas boiando nas águas e "fura-bruxos" (pássaros semelhantes a gaivotas) nos céus. Na tarde de 22 de abril, alguém gritou: "Terra à vista!", e a frota lançou ferros a 35 quilômetros da costa. O capitão Nicolau Coelho, que foi encarregado de fazer o reconhecimento do território, presenteou o líder dos nativos (estima-se que havia entre 500 mil a 1 milhão de silvícolas no litoral de Pindorama) com um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto, e ganhou dele um cocar de plumas e um colar de contas.

 

Depois de dez dias em terra brasilis, Cabral e sua trupe partiram rumo à Índia, deixando para trás dois degredados — que foram recolhidos em dezembro do ano seguinte pela primeira expedição enviada por Dom Manuel para explorar a mais nova colônia portuguesa. Além deles, dois grumetes, cansados dos maus-tratos a bordo, roubaram um escaler e fugiram para a praia. Nunca mais se ouviu falar deles. No dia 13 de setembro, a frota cabralina, reduzida a seis navios, chegou a seu destino, onde sofreu novas baixas.


Continua...