sexta-feira, 27 de outubro de 2023

PISANDO EM OVOS

  
A PEC da reeleição foi aprovada em 1997 graças ao "empenho" do presidente Fernando Henrique Cardosoe praticamente desde então se fala em acabar com ela. Dias atrás, Rodrigo Pacheco, dono da agenda do Senado, desengavetou uma proposta que põe fim ao instituto da reeleição. Se aprovada, ela não será a panaceia que acabará com todos os males, mas toda caminhada começa com o primeiro passo.
 
Muitas foram as decisões acertadas de FHC em seus oito anos na Presidência, mas a instituição da reeleição certamente não se inclui entre elas. Em artigo publicado no Estadão em 6 de setembro de 2020, ele próprio reconheceu que a mudança foi um "erro".  Mas os problemas de nossos arcaicos procedimentos nessa seara não começaram em 1997. 
Há mau uso e defeitos de origem no instrumento em si, mas ajustes podem ser feitos — entre os quais mais rigor na fiscalização dos abusos e proibição de disputar eleição no cargo, por exemplo— antes que se escolha o bode expiatório a quem atribuir as ancestrais mazelas de um sistema totalmente superado. 
 
Mudando de mosca mas continuando na lesma lerda, o Congresso e o STF enfrentaram (aos trancos e barrancos, e cada qual a sua maneira) 4 anos de achaques de um incompetente golpista (vade retro!). Agora, ambos atuam para enfraquecer a democracia que lutaram para fortalecer. 
Atritos são normais entre Poderes independentes, mas fricções ao molde de rusgas pedestres ferem desaguam no rebuliço armado. 

Há que lembrar suas excelências do pressuposto maior da política em seu sentido nobre — que é a construção de consensos a partir de dissensos. Se as togas falham na autocontenção, os parlamentares não se contêm na provocação. A questão é que suas motivações (honrosas e/ou desonrosas) não justificam disputas por protagonismo. 

Existem exageros na corte, como se observa em determinadas decisões, notadamente nas monocráticas e no gritante engajamento político de alguns togados. Os congressistas, por seu turno, ameaçam se imiscuir no funcionamento do tribunal e, para afetar combatividade, extrapolam em propostas sabidamente inconstitucionais. As falas amenas de Pacheco e Barroso são contrariadas pelo desassossego dos atos que a cada dia acrescentam um ponto no atrito. Não há vencedores num horizonte onde viceja a instabilidade sem resultados. Perderemos todos se suas altezas não baixarem a bola em nome do bom andamento dos trabalhos institucionais. 

No cenário internacional, o Brasil se deixou contaminar pela desavença radical a tal ponto que as pessoas perderam de vista o sentido de urgência do combate ao terror que ameaça o mundo. Terrorismo não é de direita nem de esquerda, é selvageria em estado puro  e como tal deve ser repudiado sem relativismos que busquem justificar os meios pelos quais os terroristas procuram alcançar seus fins (no caso, a extinção do outro, seja ele de que nacionalidade for). 

Espraiado para além de fronteiras nacionais, o que se tem é o genocídio mundial. No momento, o cerne está no Oriente Médio. Amanhã, sabe Deus onde. Sob Lula, nossa diplomacia pisa em ovos na condenação à inominável agressão de caráter genocida iniciada no último dia 7. 

Quebrar os ovos e sapatear sobre eles ao som das respectivas convicções ideológicas, reduzindo entre nós essa quadra da história à disputa entre lulismo e bolsonarismo, presta-se ao exercício da barbárie mesquinha desviante da emergência de que se cuida no momento. 

Quando se justifica a ação do Hamas a pretexto de apoiar a causa palestina, incorre-se na crueldade de igualar as aspirações legítimas dos palestinos aos propósitos de sanguinários que os oprimem. Neles, o objetivo é a guerra permanente em detrimento de uma convivência pacífica em busca da qual o mundo terá de se dedicar adiante.

ObservaçãoNa sexta-feira 20, em seu primeiro pronunciamento público desde sua cirurgia no quadril, Lula finalmente reconheceu que o Hamas cometeu uma ato terrorista ao bombardear Israel — ao qual, ainda segundo o petista, Tel Aviv respondeu de “forma insana”.
 
Com Dora Kramer