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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE



Dos 38 presidentes que governaram o Brasil nos últimos 130 anos, alguns chegaram ao poder pelo voto popular, outros por eleição indireta e outros, ainda, por golpe de Estado ou linha sucessória. Entre todos eles, ao menos 9 deixaram o campo antes que o apito do árbitro sinalizasse o término da partida. E Bolsonaro pode ser o décimo.

A título de contextualização (a audiência do Blog é rotativa), relembro que a proclamação da República não foi propriamente um ato patriótico, mas sim um golpe militar que expeliu D. Pedro II do trono e pôs termo a quase 70 anos de monarquia — contados a partir o famoso “Grito da Independência” (falo, por óbvio, do tal brado heroico retumbante ouvido pelas margens plácidas da Ipiranga, como Osório Duque Estrada poetizou na letra do Hino Nacional Brasileiro). E também carregou nas tintas romanescas o pintor Pedro Américo, no célebre “Independência ou Morte”, que retrata D. Pedro no dorso de venusta montaria, com a espada em riste, no famoso “momento do grito”. 

Como se sabe (ou dever-se-ia saber), a História costuma ser menos poética à luz detergente dos fatos, que expõe quão romanceadas são as versões criadas a partir deles. No que concerne ao "grito do Ipiranga", retornavam da cidade de Santos, no litoral paulista, naquele fatídico 7 de setembro, o então príncipe regente e sua distintíssima comitiva. Para vencer a Serra do Mar, os viajantes não cavalgavam garbosos corcéis, mas montavam prosaicas mulas — animais mais fortes e resistentes que seus primos mais nobres. E tampouco trajavam as vistosas roupas de gala com que foram retratados: sob o forte calor, vinham eles suados, fedidos e com as vestes sujas e amarfanhadas.

Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza. 

A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. 

Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.  

Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".

A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.

Continua no próximo capítulo.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

TRISTE É A NAÇÃO QUE PERDEU A CAPACIDADE DE SE INDIGNAR

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

Não sei se a frase de abertura está mais para sinédoque ou para metonímia, pois há quem considere a sinédoque uma variedade de metonímia em que ora se toma a parte pelo todo, ora o todo pela parte. Mas essa dúvida se torna uma questão de relevância menor diante de nossa incapacidade de reagir com indignação à triste constatação que a frase em questão expressa.

Observação: Sinédoque é uma figura de linguagem similar à metonímia e, às vezes, considerada apenas uma variação desta. A palavra “sinédoque” se origina do termo grego συνεκδοχή, que significa "entendimento simultâneo" e consiste na atribuição da parte pelo todo ou do todo pela parte. Trata-se, em suma, de empregar uma palavra fora de seu contexto semântico normal, dada a sua contiguidade (e não a similaridade) material ou conceitual com outra palavra, ou seja, de uma substituição lógica de um termo por outro, mas mantendo-se uma proximidade entre os sentidos de ambos. Na metonímia, um termo substitui outro não porque nossa sensibilidade estabelece uma relação de semelhança entre eles (que é o caso da metáfora), mas porque existe uma relação de contiguidade entre o sentido de um termo e o daquele que o substitui.

Hoje é 7 de setembro (o "hoje" a que me refiro é "o quando" estou escrevendo este texto), data em que comemoramos a independência do Brasil — proclamada pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, quando, acometido de poderosa caganeira, esvaziava os intestinos atrás de uma moita, às margens do córrego do Ipiranga. Assim, em meio a uma pandemia que impediu a tradicional parada militar comemorativa, lá em Brasilha da Fantasia, mas não evitou que Bolsonaro desfilasse no Rolls, sem essa desagradável focinheira (cujo uso é compulsório, tanto lá quanto cá), e acompanhado de um magote de crianças, muitas delas também sem a focinheira, colho o ensejo para lamentar o cenário que se descortina diante de nossos olhos toda vez que assistimos ao noticiário.

A coisa não vem de hoje, mas de priscas eras, quiçá de quando Cabral (falo do Pedro Álvares, não do Sérgio) aportou no litoral da terra de Caymmi e João Gilberto — e do atual passador-de-pano-geral da República, pois nada é perfeito. Até porque a ideia que nos foi imposta pelos compêndios didáticos sobre os silvícolas que habitavam estas paragem à época do descobrimento não passa de uma versão romanceada da verdade — como quase tudo mais que nos foi ensinado nas aulas de História do Brasil. Duvida? Então dê uma olhada neste clipe:


Outros argumentos que sustentam minha tese recheiam a sequência que batizei como “DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA” e publiquei em 12 capítulos, entre os dias 6 de julho e 14 de agosto passados. Nela, eu faço um breve resumo dos excrementos que espalharam seu bodum pelos palácios do Itamaraty, do Catete e do Planalto desde a Proclamação da República — o primeiro dos muitos golpes de Estado que ocorreriam entre 1889 e 1964 (petistas apedeutas e descerebrados acrescentariam à lista o “golpe” que depôs a anta sacripanta em 2016, mas isso é assunto para outra hora).

A “Nova República” — como ficou conhecida a “era” iniciada com o fim da ditadura militar —, que deveria ser motivo de orgulho, tornou-se uma vergonha nacional, dada a sucessão de incompetências, roubalheiras e ironias do destino ocorridas os últimos 35 anos. A começar pela desditosa trajetória de Tancredo Neves, nosso primeiro presidente civil (eleito indiretamente, mas enfim...) depois que os militares voltaram para os quartéis.

Eleito em janeiro de 1985, o político mineiro baixou ao hospital em 14 março — horas antes da cerimônia de posse — e foi declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois (ironicamente, no feriado de Tiradentes, o “Mártir da Independência”). Assim, Tancredo levou para a tumba a esperança dos brasileiros, mas deixou de herança o donatário ad aeternum da capitania do Maranhão. Depois de uma execrável atuação à frente do Executivo tupiniquim, esse obelisco da velha política de cabresto maranhense (que perdura até hoje nas oligarquias nordestinas) foi sucedido pelo primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960, quando o esclarecidíssmo eleitorado tupiniquim guindou ao recém-inaugurado Palácio do Planalto um populista manguaceiro, que renunciou uma semana antes de completar 7 meses no cargo.

À desventurada gestão do decrépito maranhense emendou-se a de um populista megalômano de direita que, travestido de caçador de marajás, derrotou o populista megalômano de esquerda que disputaria o Planalto outras 3 vezes até finalmente se eleger e, ato contínuo, cuspir — ou melhor, cagar — no prato em que comeu. O engomadinho emproado, que não passa de um reles aprendiz de batedor de carteiras quando comparado com o que revelariam mais adiante, sob a égide do demiurgo de Garanhuns e seus comparsas, os escândalos do mensalão e do petrolão, teve o desditoso mandato abreviado por um processo de impeachment (embasado nas denúncias de seu próprio irmão).

Às vésperas de completar 3 anos na Presidência, o caça-marajás fajuto foi condenado à perda do cargo (ao qual ele já havia renunciado para evitar a condenação, mas o Senado o condenou mesmo assim) e inabilitado para disputar eleições pelo período de oito anos. Graças à memória curta, à imensurável ignorância e à acachapante incompatibilidade do populacho tupiniquim com as urnas, esse anfisbena se elegeu senador e, a despeito de ser alvo de diversas investigações e réu no âmbito da ora agonizante Operação Lava-Jato, dificilmente será julgado antes de a prescrição fulminar novamente a pretensão punitiva do Estado ou de o Tinhoso chamá-lo para o devido acerto de contas.

Deixando de lado essas “edificantes” passagens da nossa história recente (sob pena de esta postagem ficar maior que apêndice nasal de político), cabe lamentar que a maioria dos quase 150 milhões de eleitores não passe de uma récua de muares, uma patética agremiação de idiotas incapazes de diferenciar o penico em que defecam da panela onde cozinham a macaxeira. 

Devido à desinformação, à ignorância e ao fanatismo dessa confraria de lorpas, a minoria pensante do eleitorado não teve opção, no pleito de 2018, senão apoiar o atual mandatário ou engrossar a respeitável ala dos 42 milhões que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de comparecer às urnas. E o pior que, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, esse mesmo cenário pode se repetir em 2022. Termos de votar em quem não queremos para impedir a vitória de quem queremos menos ainda é regra do jogo, mas apenas quando ocorre em caráter eventual. Quando essa mesma situação se repete a cada eleição, aí já é praga de madrinha, sina de quem cuspiu na Cruz e limpou o rabo com o Santo Sudário.

Ao capitão-cloroquina, que prometeu acabar com a reeleição, mas lançou-se candidato ao segundo mandato dias assim que embarcou no primeiro, contrapõe-se o criminoso de Garanhuns, que era ex-presidiário em Curitiba durante o pleito anterior, mas cuja canonização em vida alguns integrantes das nossas mais altas cortes de injustiça vêm defendendo com inacreditável obstinação. 

Há de aparecer uma terceira via, alguém que valha ao menos a merda que caga e que aglutine os cidadãos de bem, que hoje votariam no próprio Demo para se livrarem do clã Bolsonaro e, se possível, verem Lula marchar de volta para a cadeia — ou para o buraco imundo, no meio do nada, no fiofó do sertão de Pernambuco, de onde ele jamais deveria ter saído (com todo o respeito aos demais pernambucanos, que não têm culpa de nada, mas quem pariu Mateus que embale).

Tanto o pater familias do clã dos Bolsonaro quanto a pimpolhada com mandato parlamentar (01, 02 e 03) estão sob investigação da Justiça. A despeito de suas vergonhosas chicanas e maracutaias, não se descarta a possibilidade de algum deles vir a ser preso. Mesmo assim, os "bolsopetistas" enchem o peito para dizer que "em 20 meses deste governo ainda não surgiu uma única denúncia de corrupção". De que sanatório escapou essa cáfila de alienados?

A situação criminal de Flávio Bolsonaro mudou de patamar, escreveu o jornalista e comentarista político Josias de Souza em sua coluna. Até aqui, o primogênito do presidente vivia um processo de desnudamento progressivo, em camadas, e de repente ficou com as “vergonhas” totalmente expostas ao obter na Justiça a censura à TV Globo.

A pedido dos seus advogados, a juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu a emissora de veicular notícias sobre o inquérito sigiloso que tornou o Zero Um impróprio para menores de 99 anos. A título de justificativa, disse douta julgadora que tomou sua decisão para evitar que a “imagem de homem público” do parlamentar fosse afetada. Em que mundo vive essa gente?

"Acabo de ganhar liminar impedindo a #globolixo de publicar qualquer documento do meu procedimento sigiloso", celebrou Flávio nas redes sociais. Como disse Josias, alguém que chama de ‘meu procedimento’ uma investigação em que é acusado de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa ou é um cínico ou é um tolo. "Não tenho nada a esconder e expliquei tudo nos autos", escreveu Flávio, como que decidido a esclarecer que o seu caso é mesmo de cinismo. "...As narrativas que parte da imprensa inventa para desgastar minha imagem e a do presidente Jair Bolsonaro são criminosas." De que buraco saiu essa matula?

Zero Um demora a notar que não precisa do auxílio da imprensa. Desmoraliza-se sozinho. Há vitórias que envergonham os vitoriosos, dignificando os vencidos. O problema não é a capacidade dos jornalistas de obter dados sigilosos. O que complica é a incapacidade do investigado de prover explicações.

A censura à Globo logo será revogada em instâncias superiores do Judiciário. Mas algumas reações oficiais precisam ser censuradas. Dias atrás, Bolsonaro manifestou o desejo de "encher de porrada" a boca de um repórter por causa de uma pergunta incômoda. Agora, Flávio esmurra a democracia recorrendo ao cerceamento da liberdade de imprensa.

"A Juíza entendeu que isso [o noticiário sobre a investigação] é altamente lesivo à minha defesa", trombeteou Flávio, antes de ameaçar: "Querer atribuir a mim conduta ilícita, sem o devido processo legal, configura ofensa passível, inclusive, de reparação." Ironia suprema: na campanha eleitoral, pai e filho surfaram na lama que escorria do petismo. Uma lama que chegava às manchetes graças ao trabalho da imprensa. Agora, queixam-se das trapaças da sorte.

Nos próximos dias, o Zero Um, o impoluto, será denunciado pelo Ministério Público. Ou costura meia dúzia de argumentos ou continuará nu em cena.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — TERCEIRA PARTE



Peguemos nossa máquina do tempo e teletransportemo-nos do século XVI — quando os lusitanos botaram as patas na terra do pau-brasil, até o ano de 1808 — quando a Família Real Portuguesa, ameaçada pelo Tratado de Fontainebleau, mudou-se de mala e cuia para sua colônia, que então foi promovida de a Reino Unido. Feita essa breve escala, avancemos até o final de agosto de 1822, semanas antes do célebre “Grito do Independência” — que Pedro Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, cuja reprodução ilustra esta postagem, e que Evaristo da Veiga poetizou, no Hino da Independência, aludindo à ruptura dos grilhões que nos forjava da perfídia astuto ardil.

Em agosto de 1822, o príncipe regente D. Pedro deslocou-se à província de São Paulo para acalmar a situação, depois de uma rebelião contra José Bonifácio. No dia 7 de setembro, voltando de Santos (SP), sua alteza recebeu três cartas. Uma, com ordens de seu pai para que retornasse a Portugal e se submetesse ao rei e às Cortes. Outra, do próprio Bonifácio, que o aconselhava a romper com Portugal, e a terceira, de sua esposa, Maria Leopoldina de Áustria, apoiando a decisão do ministro e advertindo: "O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece." 

Impelido pelas circunstâncias, D. Pedro teria desembainhado a espada e rompido os laços de união política com Portugal com a célebre frase "Independência ou Morte!" (menos de 1 mês depois ele foi aclamado imperador do Brasil, com o título de D. Pedro I, e coroado em 1 de dezembro na Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, no Rio de Janeiro, então capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, mas isso não vem ao caso para o escopo desta abordagem).

A representação dos intrépidos viajantes na obra do ilustre pintor — que poderia ser apreciada ao vivo e em cores se o Museu do Ipiranga não estivesse fechado ao público desde 2013 (para obras de restauro e modernização que certamente estarão datadas quando e se forem concluídas e o museu, reaberto um dia) —, trajando vistoso uniformes de gala e montados em garbosos puros-sangues, não condiz com a realidade. Talvez porque o quadro foi encomendado para retratar a independência do Brasil como um ato heroico, como se a iniciativa tivesse surgido da necessidade de se construir uma nação. Não foi bem isso, mas esses detalhes não vêm ao caso para os efeitos desta análise.

D. Pedro e distinta comitiva (não mais que uma dezena de pessoas) montavam mulas, e não os cavalos, já que a viagem era longa e boa parte dela era feita pela Serra do Mar, o que demandava montarias fortes e resistentes, e não simplesmente elegantes. Também por isso sua alteza e companhia estavam suados, sujos e amarfanhados. O rio Ipiranga não passava de um córrego, e “grito” não se deu exatamente às suas margens, mas numa colina que ficava nas imediações. E o local não foi escolhido por ser bucólico e servir de pano de fundo para a efeméride — o préstito imperial só parou ali para que D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, pudesse aliviar os intestinos. E já que estava “soltando um barro”, sua alteza soltou também o histórico grito da independência.

A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.

Meses após o Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República, o Brasil já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder: o livro Fastos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, que foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares.

Na visão do empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro II e militante do movimento de direita Acorda Brasil "a proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo". Sua tese é esposada pelo historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).

O jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”, mas pondera que o debate sobre a legitimidade da República é sobre "quem legitima o quê", o que está ligado ao processo de consolidação de qualquer regime político. Segundo ele, a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de "proclamação" e não de "golpe". "O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.

Já o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade da USP, assevera que é possível, sim, falar em golpe na fundação da República, mas questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível. "Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas", explica.

Resumo da ópera:

Com o fim do governo provisório e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, o Congresso Nacional guindou o marechal Deodoro da Fonseca à presidência da República Velha — ou República das Oligarquias. Ou seja: a primeira república tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, foi eleito indiretamente e “convidado” a deixar o cargo pelas Forças Armadas cerca de 2 anos depois. 

Ao longo de 130 anos de história republicana, o Brasil teve até hoje 35 presidentes, que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do poder. E como o que começa mal tende a piorar, a possibilidade de o atual inquilino do Palácio do Planalto sofrer uma ação de despejo são reais. E, cá entre nós, já está mais que na hora.

Continua...

terça-feira, 7 de setembro de 2021

SOB O DOMÍNIO DO (ANOR)MAL



O futuro a Deus pertence, dizem. Não faço ideia de quem foram esses misteriosos sábios a quem atribuímos as famosas "pérolas da sabedoria popular", mas tenho comigo que eles estavam certos na maioria dos casos.

Escrever sobre política, de véspera, numa conjuntura que muda como as nuvens no céu, exige bola de cristal, baralho de tarô, búzios e tabuleiro Ouija. Mas não é preciso ser um Nostradamus para prever que as manifestações programadas para hoje podem acabar mal. Enfim, o resultado será conhecido no final da tarde; até lá, resta-nos apenas torcer pelo melhor.

Vale lembrar que hoje não é o dia da independência, mas a data em que se comemora o 199º aniversário do "Grito da Independência" (mais detalhes nesta postagem). O fato de as margens do córrego do Ipiranga terem servido de pano de fundo para o "heroico brado" deveu-se a mero acaso:

Passava por lá a comitiva imperial quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma touceira atrás da qual pudesse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza. A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

Feita essa breve digressão, passemos ao assunto do dia.

Jair Messias e Luiz Inácio tomam sol no jardim do hospício. O primeiro mantém a mão esquerda sob o roupão, na altura do estômago; o segundo mastiga preguiçosamente um raminho de capim. Luiz pergunta a Jair: "Quem é você?". Jair responde: "Napoleão Bonaparte". Luiz: "De onde você tirou essa ideia?" Jair: "Deus me disse." Luiz: "Mentiroso! Eu jamais falei isso!"

À luz da Teoria das Probabilidades, um anormal ser eleito presidente da República seria improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas não no Brasil. Lula ocupou o Planalto de 2003 a 2010; Dilma, de 2011 a 12 de maio de 2016; Bolsonaro, de 2019 até sabe Deus quando.

O mascador de capim megalomaníaco da anedota — um desculturado exótico que se orgulha de jamais ter lido um livro — deveria estar na cadeia, mas posa de pré-candidato a candidato à Presidência; o napoleão de hospício — um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar, como bem o definiu o general ditador Ernesto Geisel em 1993 —, obcecado pela reeleição. Nenhum deles é burro ou doido de pedra — mesmo porque doido de pedra que se preza rasga dinheiro e come merda —, mas uma eventual vitória de qualquer um dos dois em 2022 será mais um retrocesso na trajetória do país do futuro que tem um longo passado pela frente.

Sempre existe a alternativa do impeachment, dirão os mais otimistas. Afinal, esse remédio constitucional produziu bons efeitos nos casos do caçador de marajás de festim e da gerentona de araque. Há também quem diga que esse é um remédio amargo, que pode matar em vez de curar, mas os tais sábios nos ensinaram que a diferença entre o remédio e o veneno estaria na dosagem.

Na visão do cientista político Carlos Pereira, a recente conversão de Bolsonaro à política tradicional ao dizer que "sempre foi Centrão" é uma clara evidência de que o presidente não representa ameaça crível à democracia, já que "é preferível ver o governo Bolsonaro domesticado e refém de políticos profissionais de um Centrão ‘guloso’ do que cercado de militares que não entendem como o presidencialismo multipartidário funciona.”

Na verdade, é preferível ver Bolsonaro defenestrado e julgado pelos crimes que cometeu durante sua desditosa e lúgubre gestão. A única saída realmente democrática para o Brasil é o impeachment, que, lamentavelmente, vem sendo obstruído pelas marafonas do Centrão.

Não passa um santo dia sem que Bolsonaro vitupere o Estado Democrático de Direito e vomite impropérios contra a democracia, embora essa mesma democracia — numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, de angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de candidaturas que conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e frustrados com os presidentes recentemente eleitos — lhe deu a chance de chegar à Presidência após três décadas de inexpressiva trajetória política.  

Bolsonaro vem solapando diuturnamente as bases democráticas construídas com tanto esforço desde os anos 1980. Incapaz de elevar a sua estatura, o presidente que reconheceu não ter sido talhado para o cargo rebaixa o teto da Presidência. Parece não saber que, por trás da faixa de presidente deve existir uma noção qualquer de honra. O Brasil não merece ser presidido pela desonra e pela estupidez (embora o mesmo raciocínio não se aplique necessariamente ao eleitorado tupiniquim, mas isso é outra conversa).

Sob o título "Um Projeto para o Brasil", Diogo Mainardi publicou em Crusoé:  

"A parcela do eleitorado que opta pela fórmula “nem Lula, nem Bolsonaro” corresponde a 25% do total, segundo a pesquisa encomendada pela Genial Investimentos. Lula tem quase duas vezes mais do que isso, 45%, e o sociopata já foi passado para trás, com seus 23%. Minha turma é nem Lula, nem Bolsonaro, nem Arthur Lira, nem Gilmar Mendes, nem Augusto Aras, nem Dias Toffoli, nem Braga Netto, nem VTC Log, nem Dilma Rousseff, nem Michel Temer, nem João Doria, nem Renan Calheiros, nem Carlos Bolsonaro, nem os funcionários fantasmas de Carlos Bolsonaro, nem o lobista da Covaxin, nem o motoboy, nem Ciro Nogueira, nem Gleisi Hoffmann, nem o PIB do segundo trimestre, nem Joe Biden, nem o FIB Bank, nem a Covid, nem Sete de Setembro, nem Osmar Terra, nem Luciano Hang, nem Onyx Lorenzoni, nem o jabuti da reforma administrativa, nem o golpe do Código Eleitoral, nem o PSDB, nem Paulo Guedes (como foi que ele só entrou agora?), nem a variante Delta, nem Silas Malafaia, nem o PCC, nem Aécio Neves, nem os caminhoneiros, nem os cantores sertanejos, nem Roberto Campos Neto, nem as 28 mil queimadas na selva, nem Ernesto Araújo, nem Rodrigo Pacheco, nem Kassio Nunes, nem cloroquina, nem Fiesp, nem Febraban, nem Paulo Skaf, nem os procuradores de Mossoró. Os nomes foram pescados apenas entre aqueles citados em O Antagonista nas primeiras seis horas da quarta-feira (1º). Se o site cobrisse outros assuntos além da imundice brasiliense, a lista de expurgo seria bem maior. Estupidamente, aliás, acabei ignorando os escroques da imprensa e das redes sociais. Eu deveria ter acrescentado o jornalismo lulista, que nos últimos dias recebeu do próprio Lula promessas públicas de suborno com verbas estatais, num ambiente de censura e de omertà mafiosa, e os blogueiros bolsonaristas, que reproduziram o esquema do PT com a mesma canalhice e com uma pitada a mais de analfabetismo. Por enquanto, ninguém foi capaz de encarnar a candidatura “nem Lula, nem Bolsonaro”, causando uma certa ansiedade naqueles que acompanham as pesquisas de semana em semana. Mas se a fórmula valesse apenas para a escolha de um nome capaz de enfrentar os dois bandoleiros nas urnas, em 2022, ela seria reduzida a um mero lema de campanha presidencial. Para ter algum sentido, ela precisa valer de agora até 2023, 2024, 2025. Trata-se de um programa permanente, que jamais será plenamente realizado, porque é minoritário. O Brasil nunca teve um projeto. Na falta de algo melhor, “nem Lula, nem Bolsonaro” pode cumprir esse papel." Eu assino embaixo.

Se Bolsonaro ainda não partiu para o autogolpe, isso se deve ao STF — embora um acerto em meio a tantos erros não exima as togas da teratologia explícita de decisões como a que (com o voto de minerva do eminente ministro Dias Toffoli) derrubou a prisão após condenação em segunda instância, ou a que (capitaneada pelo nobilíssimo ministro Gilmar Mendes) converteu em "ex-corrupto" um ex-presidiário condenado a mais de 25 respaldando-se numa na falaciosa "incompetência territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba (leia-se do ex-juiz Sergio Moro).

O historiador e professor Marco Antonio Villa alerta que estamos nos aproximando da hora decisiva. "O Brasil não aguenta mais tanta turbulência política, tanta insegurança jurídica, tanta polarização, tanta incompetência administrativa, tanta falta de projeto de governo e tantas mortes. Estamos alcançando a macabra marca de 600 mil óbitos. Em um ano e meio de pandemia e sem nenhum tiro — graças ao planejamento do genocida de um governante incompetente — tivemos quatro vezes mais mortos do que em vinte anos de guerra no Afeganistão."

A popularidade do capitão entrou em parafuso, mas a caterva que apoia ainda é suficiente numerosa para levá-lo ao segundo turno. A menos que surja uma "terceira via" — ou que uma batalha campal entre as torcidas adversárias evolua para guerra civil e culmine no golpe de estado com que sonham Bolsonaro e seus asseclas —, teremos no ano que vem um repeteco do pleito plebiscitário de 2018. A diferença, ao que tudo indica, é que o lulopetismo corrupto derrotará o bolsonarismo boçal. E é aí que mora o perigo.

Sem a mão firme de um timoneiro experiente, a Nau de Insensatos seguirá em rota de colisão com o iceberg e irá a pique. O senador Rodrigo Pacheco, com sua indefectível mineirice moderadora, fala em "respeito à democracia", em "obediência à vontade soberana do provo expressa pelo resultado das urnas" e blá, blá, blá. Luiz Fux até sobe o tom, mas não junta ação ao palavrório. Barroso aposta na sutileza, mas Bolsonaro é tão refratário a ironias quando cabeça de militante a noções de razoabilidade.

Bolsonaro está fazendo para os presidentes do Congresso, do Supremo e do TSE o mesmo que disse ter feito para a CPI do Genocídio.

Observação: Com Alexandre de Moraes é diferente: em vez de cagar para ele, Bolsonaro borra de medo dele. Comenta-se, inclusive, que o capitão só armou circo marambaia que Pacheco desarmou em tempo recorde por temer que o filho Zero Dois fosse escalado para fazer companhia a Roberto Jefferson no xilindró.

Faltam treze meses para as eleições. Muita coisa pode acontecer em treze meses, mas precisamos salvar o Brasil o quanto antes dessa sanha nazifascista chamada bolsonarismo. O país dificilmente resistirá a um processo eleitoral sob o descomando de um incompetente que almeja completar a sua obra feral ensanguentando a nação.

É de James Carville a frase “It’s the economy, stupid!” (é a economia, estúpido!), dita há quase três décadas (quando Bill Clinton e George W. Bush disputavam a presidência dos EUA). É provável que Bolsonaro não conheça a máxima de Carville — ou simplesmente acredite estar imune ao fenômeno que ela representa. Ele parece não ter percebido que perigosas nuvens se alinham no horizonte a cada ataque que faz à estabilidade democrática do país, aos demais poderes constituídos e à ordem institucional. Sob o júbilo da horda de ultrarradicais que o seguem e idolatram — a turba que vai sair às ruas daqui a algumas horas —, a crescente turbulência ele provoca tem solapado a economia do país, em um surpreendente processo de autossabotagem jamais visto em um ocupante do Palácio do Planalto. É como se tivéssemos um presidente de oposição — uma inovação esdrúxula, ridícula e altamente prejudicial ao Brasil.

Pouco afeito às questões técnicas de gestão pública ou aos fundamentos econômicos, Bolsonaro, ao subir continuamente o tom de seus arroubos autoritários, está pulverizando a confiança dos investidores potenciais no país — e, consequentemente, piorando a vida da população brasileira. Reportagem na edição de Veja desta semana mostra como e por que, impulsionados pelo destempero da autoridade máxima da nação, o dólar se mantém em patamares muito mais elevados que o esperado, e o investimento estrangeiro despencou a um volume que equivale a menos de um quarto do registrado em janeiro.

Em suma: o Brasil, que poderia estar se aproveitando da alta liquidez internacional e do novo ciclo de commodities, na verdade se vê acuado diante do fantasma da inflação, dos preços astronômicos dos combustíveis e da ameaça de uma grave crise energética.

Ao promover o caos, Bolsonaro trai a maioria daqueles que o elegeram para governar o país e implantar um sistema econômico liberal. Empossado, porém, o candidato descumpridor de promessas (maior estelionato eleitoral da história do Brasil, deixando no chinelo a própria Dilma) prefere promover uma confusão, sem pesar as consequências de seus atos. Na realidade paralela em que habita, as adversidades são sempre parte de um complô armado por adversários e inimigos imaginários. Em seus devaneios, acredita que passeios de moto e manifestações, associados a um pacote de obras eleitoreiras, impulsionarão sua popularidade (obviamente, em queda vertiginosa no momento). Iludido, não percebe que tais medidas podem até lhe trazer fotos e votos, mas dificilmente conseguirão impulsionar a recuperação econômica de que o país tanto precisa e que poderia representar a sua própria reeleição.

Amante de armas, Bolsonaro está dando um verdadeiro tiro no pé. Em agosto de , Getúlio atirou contra o próprio peito. Mas isso é outra conversa. 

Bom 7 de setembro a todos. 

sábado, 2 de janeiro de 2021

O QUE COMEÇA MAL...


Finais de ano e retrospectivas são indissociáveis. Porém, se o réveillon é, tradicionalmente, um renovar-se de esperanças, as retrospectivas têm demonstrado que o buraco é bem mais embaixo.

O ano de 2020 é mais um dos que já se foram tarde e não deixaram saudades. Mas haja otimismo para achar que tudo será azul com bolinhas cor-de-rosa em 2021. 

Bom seria se Bolsonaro e o Sars-CoV-2 tivessem sido soterrados pelos últimos grãozinhos da ampulheta, à meia-noite de anteontem. Mas parece que ambos continuam fazendo vítimas, cada qual à sua maneira.

A maior potência do mundo livre lidera o ranking da Covid, com quase 20 milhões infectados e mais de 300 mil mortos. Mas lá eles têm Donald Trump, que até recentemente jogava no time do vírus. 

Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar (depois da Índia), com quase 8 milhões de casos e 190 mil mortes. E aqui temos Bolsonaro, eleito graças a uma ironia do destino e, segundo ele próprio, alguém que não nasceu para presidente, mas que jamais desceu do palanque, só tem olhos para a reeleição e continua jogando no time adversário.

Nesta republiqueta de almanaque, abençoada por Deus e bonita por natureza, o futuro é duvidoso e o passado, incerto — tanto que até a autoria dessa frase ora é atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola

O Brasil seria um grande país se não fosse o povo medonho que, sabe-se lá se por carma, sina, praga de madrinha ou obra do Criador, elege seus representantes a pior das escórias, uma gentalha que se candidata para roubar e rouba para se reeleger. 

Ao contrário do que se costuma pensar, Lula não inventou a corrupção, embora tenha sido o grande responsável por sua institucionalização. 

Observação: O picareta ainda não percebeu que seu tempo passou, sua luz apagou, seu povo sumiu. O eterno encantador de burros morreu e não sabe, e é justamente aí que mora o problema: enquanto não se der conta disso, esse egun mal despachado continuará a nos assombrar. Mas isso é outra conversa.

A corrupção aportou em terra brasilis em 1.500, travestida de nepotismo. A semente da praga, jogada no solo “onde se plantando, tudo dá”, está no final da carta de Caminha ao rei D. Manuel

Preocupado com sua única filha, cujo marido, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, o escriba pediu a sua majestade que comutasse a sentença. 

Não se sabe ao certo se o pedido foi atendido, mas, supondo que sim, o monarca não teve de recorrer aos atos secretos atualmente em voga, já que as normas vigentes à época autorizavam-no a fazê-lo abertamente. Bons tempos.

A rigor, a "farsa nacional" começou com o descobrimento. De acordo com os livros de história (pelo menos os da minha época de estudante), a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, na Índia, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a teria desviado da rota e voilà: foi descoberto o Brasil. 

A "Relação do Piloto Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco de Ataíde, mas epístola do escriba anota que a viagem até a (hoje) costa da Bahia decorreu na mais completa normalidade, "sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser".

A região do suposto naufrágio era conhecida como "calmas equatoriais", porque os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes calculou que, durante a tal calmaria, a frota cabrália foi empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul. No entanto, amotou o marítimo, esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual” do Brasil. 

A bem da verdade, a chegada da expedição portuguesa à "Ilha de Santa Cruz" não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias. Portugal tinha conhecimento da existência do que viria a ser o Brasil quase uma década antes desse suposto “descobrimento” e, tecnicamente, já tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.

A Independência do Brasil, da forma como os autores dos livros didáticos a relatam, é outra obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon às margens do córrego do Ipiranga, só aconteceu porque o sua alteza, acometido de poderosa caganeira, fizera alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita. Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas:

A primeira, assinada por seu pai, D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. 

A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. 

A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.

Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o embalo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

A Proclamação da República foi o primeiro de muitos golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, eleito indiretamente, foi “convidado” por seus irmãos de farda a deixar o cargo

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro último), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é duvidoso em nosso país, esse número pode variar de 35 a 44). Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do cargo. 

Como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto pode ter o mesmo destino de Dilma, a inolvidável gerentona de festim, e de Collor, o caçador de marajás de araque. E, cá entre nós, já está mais que na hora.

Continua.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

A FARSA NACIONAL


De acordo com a epístola enviada por Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel em abril de 1500, a primeira porção da Terra Brasilis avistada pela trupe de Cabral foi o Monte Pascoal: “(...) Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal (monte da Páscoa) e à terra A Terra de Vera Cruz!”, anotou o escriba ao descrever o “descobrimento do Brasil”.

O detalhe é que àquela altura o espanhol Vicente Yáñez Pinzón já havia aportado na costa de (hoje) Pernambuco (em 26 de janeiro de 1500), e sete anos antes o rei português D. João II ameaçara declarar guerra à Espanha se o papa Alexandre VI não revisasse os limites estabelecidos pela Bula Inter Coetera — o que originou o Tratado de Tordesilhas, firmado em junho de 1494.

Tanto a expedição de Pinzón quanto o insurgimento do monarca são indícios claros do que ficou comprovado documentalmente séculos depois: Portugal já sabia da existência de terras na porção sul do “novo continente” descoberto por Cristóvão Colombo. Demais disso, uma expedição secreta comandada por Duarte Pacheco Pereira aportou na costa brasileira em 1498, à altura do que hoje corresponde ao litoral do Maranhão — antes, portanto, de Pinzón. Mas o rei de Portugal determinou que a descoberta fosse mantida em segredo até que uma nova missão (a de Cabral) “tomasse posse oficialmente” daquelas terras.

O Brasil foi batizado como tal por conta da abundância da madeira Caesalpinia Echinata, conhecida popularmente como pau-brasil — da qual se extraía uma resina cor-de-brasa, que era muito usada para tingir tecidos. Antes de ganhar esse epíteto, o país foi batizado de Pindorama (pelos nativos); de Ilha de Vera Cruz (em 1500); de Terra Nova e Terra dos Papagaios (em 1501); de Terra de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz (em 1503); de Terra Santa Cruz do Brasil e Terra do Brasil (em 1505), e de Brasil, em 1527.

Alcunhado de Gigante Adormecido e País do Futuro (que nunca chega), entre outros epítetos, o Brasil, seja como colônia, reino unido, império ou república, nunca deixou de ser uma banânia que aspirava a ingressar na seleta confraria das nações do assim chamado “primeiro mundo”. Segundo uma velha (e filosófica) anedota, o Senhor das Esferas estava criando o mundo quando um anjo apontou para a porção que mais adiante corresponderia ao Brasil e disse: “Esta terra será um verdadeiro paraíso para a humanidade; o clima é agradável, há lindas florestas e praias, grandes e belos rios, e nada de desertos, geleiras, terremotos, vulcões ou furacões. Por que tanto protecionismo, Senhor? E Deus respondeu: Ah, meu caro anjo, espera só pra ver o povinho filho da puta que eu vou colocar aí.”

Como dito linhas acima, a farsa começou com o “descobrimento” e seguiu pela denominação dos nativos. Os portugueses chamaram os silvícolas de “índios” porque, ao aportar no novo continente, o genovês Cristóvão Colombo supôs ter chegado às “Índias Orientais” — daí as Américas ficarem conhecidas na Europa como “Índias Ocidentais”.

Observação: O expressão “descobrimento da América” não é aceita universalmente pelos historiadores. Primeiro, porque a expedição espanhola capitaneada por Colombo não tinha por objetivo chegar a terras desconhecidas, mas sim ao continente asiático. Segundo, porque os primeiros europeus a chegar à América foram os Vikings, no século X (ainda que, diferentemente dos espanhóis e portugueses, eles não tiveram sucesso na tentativa de se estabelecerem no novo continente). Demais disso, a América não precisava dos europeus — ou da chegada deles — para existir. Ela já existia em si muito antes disso e era habitada por milhões de habitantes que formavam diferentes sociedades, algumas delas com alto grau de sofisticação.

Ainda sobre o descobrimento e a farsa nacional, os compêndios de História registram que a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a desviou da rota e voilà: foi “descoberto” o Brasil. A “Relação do Piloto Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco de Ataíde, mas a epístola do escriba oficial da esquadra registra que a viagem até a costa brasileira transcorreu na mais completa normalidade, “sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser”.

A região do suposto naufrágio era conhecida como “calmas equatoriais” — já que os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes anotou que durante a tal calmaria a frota cabrália teria sido empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul, mas esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual do Brasil”. Também como dito linhas acima, a chegada da expedição portuguesa ao litoral baiano não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias. Portugal soube de sua existência anos antes desse suposto “descobrimento” e, tecnicamente, já tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.

A farsa segue pela independência, que os livros didáticos transformaram numa obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado por D. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, às margens do riacho do Ipiranga, só aconteceu porque o príncipe regente foi acometido de poderosa caganeira e fez alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita.

Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas. A primeira, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes; a segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal; a terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. Impelido pelas circunstâncias, D. Pedro, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

Proclamação da República, também cantada em verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República começou com um golpe militar e seu primeiro mandatário — marechal Manuel Deodoro da Fonseca — foi eleito indiretamente e, dois anos depois, “convidado por seus irmãos de farda” a deixar o cargo. 

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é incerto neste país, esse número varia entre 35 e 44). Destes, oito foram de alguma forma apeados do cargo antes do fim do mandato.

Dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar — Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Bolsonaro —, o primeiro e a penúltima foram expulsos de campo antes do final do jogo. O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos devido a crimes de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment. Mas nunca foi chamado de genocidaItamarFHCLula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos e jamais foram chamados de genocidas. A gerentona de araque foi penabundada porque estava quebrando o país. Madame foi alvo de 68 pedidos de impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Por essas e outras, fosse esta banânia um país que se desse ao respeito, o mandatário de turno já teria sido despejado e internado. Antes mesmo de completar um ano no cargo, o capitão já abria larga dianteira em relação a seus antecessores. Em fevereiro passado, o réu que sucedeu a Rodrigo Maia na presidência da Câmara herdou uma pilha com cerca de 60 pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro. Hoje, são quase 120

Embora vivesse às turras com o chefe do Executivo, Maia não deu andamento a nenhum dos pedidos de impedimento do desafeto. “Houve erros, mas não crimes de responsabilidade”, disse o ex-presidente da Câmara, que agora corre o risco de ser contraditado pela CPI da Covid. E Arthur Lira segue na mesma linha: pressionado, o deputado centrista cearense disse candidamente que todos os pedidos que ele analisou são “inúteis”. Quando se põe a raposa para tomar conta do galinheiro, ela encarrega as outras raposas de investigar o sumiço das galinhas.

Em março de 2020, quando o Brasil contabilizava 6 mil mortes pela “gripezinha”, o jornal norte-americano The Washington Post concedeu a Bolsonaro o título de pior líder mundial no combate à pandemia. Hoje, são 435 mil os cadáveres produzidos pela doença — dois terços das quais se deveram a ações e omissões de um mandatário negacionista e genocida

O supremo togado Gilmar Mendes, o deputado federal Kin Kataguiri, o abutre vermelho Lula, seu bonifrate Fernando Haddad e o youtuber Felipe Neto são alguns exemplos de autoridades e influencers que já classificaram Bolsonaro de genocida. Em mensagem enviada a um grupo de ministros do STF, o então decano da Corte Celso de Mello comparou o presidente a Hitler, e uma coalizão que representa mais de um milhão de trabalhadores da saúde no Brasil, apoiada por entidades internacionais, denunciou-o ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes contra a humanidade e genocídio. Semanas atrás, Miguel Urbán Crespo, integrante do Parlamento Europeu, disse durante um discurso em plenário que a “necropolítica” do presidente brasileiro no combate à pandemia constitui um crime de lesa-humanidade, e que Bolsonaro não é só um perigo para o Brasil, mas para o mundo inteiro.

A despeito de tudo isso, as pesquisas de intenção de voto indicam que o circo da sucessão terá como protagonistas (de novo) os dois extremos do espectro político-ideológico. A diferença é que desta vez o extremista de esquerda poderá dispensar o “poste” e disputar o pleito pessoalmente, uma vez que o STF lavou sua ficha imunda — criando a bizarra figura do “ex-corrupto”.

Falando em “postes”, elegê-los tornou-se uma especialidade de Lula. Certa vez, depois de um jantar regado a “Romanée-Conti” — um dos vinhos da Borgonha mais caros do mundo, que chega a custar US$ 25 mil a garrafa —, o então presidente, entre baforadas da cigarrilha cubana acesa pelo diligente Delúbio Soares, assim se dirigiu a seus asseclas:  Sabem, ‘cumpanhêros’, hoje, sem falsa modéstia, eu elejo até um poste para governar o Brasil.”

E elegeu mesmo. Só que antes de empalar a nação com Dilma Rousseff, a gerentona de araque, Lula havia designado José Dirceu — egresso da DGI (órgão cubano de espionagem financiado pela KGB) —, que lhe fazia as vezes de ministro-chefe da Casa Civil. Mas a canoa virou quando o ex-guerrilheiro de festim foi denunciado pelo deputado Roberto Jefferson como operador-mor do Mensalão.  

Outro “poste” que o Parteiro do Brasil Maravilha tentou conduzir à Presidência foi o “cumpanhêro” médico ribeirão-pretano Antonio Palocci — coordenador de sua equipe de transição e ministro da Fazenda em seu ímprobo governo. Mas o barco afundou quando veio a lume o imbróglio envolvendo o caseiro Francenildo Costa, testemunha de acusação contra Palocci no “Escândalo da República de Ribeirão Preto” (cujo cenário era uma mansão de Brasília onde rolavam negociatas do governo e encontros com prostitutas, agendados pela cafetina Jeany Mary Corner).

Assim, o único poste que deu certo afora Fernando Haddad — este somente na disputa pela prefeitura de São Paulo e apenas em 2012, já que foi derrotado por João Doria quando tentou se reeleger em 2016, e por Jair Bolsonaro na disputa pela Presidência em 2018 — foi a prosaica figura que, antes de se aventurar na política, faliu duas lojinhas de R$ 1,99 em Porto Alegre (RS); que sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; que sem ter sido vereadora virou secretária municipal; que sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado; que sem estagiar no Congresso virou ministra; que sem ter inaugurado nada de relevante fez pose de gerente de país; que sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque; que sem ter tido um único voto na vida até 2010 foi eleita presidente desta banânia e levou o país à insolvência, a inflação à casa dos 2 dígitos e o desemprego à das dezenas de milhão.

Depois de um dos maiores estelionatos eleitorais da nossa história (atrás apenas do que seria promovido pelo então candidato à Presidência em 2018), a presidanta arroganta e pedanta foi reeleita, mas acabou afastada do cargo 1 ano e 5 meses depois e devidamente penabundada dali a pouco mais de 3 meses. No parecer do então PGR Rodrigo Janot, o impeachment desse “poste” também encampava, no “conjunto da obra”, os crimes de corrupção ativa e passiva, obstrução da justiça e organização criminosa.

Concluída esta (não tão) breve introdução, passo a tratar do cenário (lamentável) que se descortina à luz das recentes (e prematuras) pesquisas de intenção de voto, que, sem exceção, apontam para o embate (de novo) entre o nhô ruim e o nhô pior — ou por outra, entre o antilulopetismo e o antibolsonarismo. A se confirmar essa perspectiva desalentadora, o eleitor consciente (e isso exclui as torcidas organizadas de ambos os contendores) será novamente forçado a optar pelo “menos pior”. Mas é preciso ter em mente que, quando se escolhe o menor de dois males, ainda assim o que se escolhe é um mal.

Quem vaticina que o embate entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável. Se aqueles que não querem que essa polarização se repita virem-na como inevitável, assim será. Portanto, não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, mas sim de criar alternativas.

Para concluir (por hora, pois voltar a este tema será inevitável), cumpre salientar que os números do DataFolha apontam que 41% dos entrevistados responderam que votarão em Lula (uma vantagem de 18% em relação a Bolsonaro). Num eventual segundo turno, o petista atrairia os eleitores de Doria, Ciro e Huck (note que o apresentador global ainda não confirmou a candidatura) e o capitão sem partido ficaria com a maior fatia dos eleitores de Moro (o ex-juiz já afirmou que não participará da disputa). Nesse cenário, Lula venceria Bolsonaro por 55% a 32%.

Realizada na mesma semana, a enquete do Paraná Pesquisas aponta 32,7% das intenções de voto em Bolsonaro e 29,3% em Lula — no segundo turno, o capetão venceria o petralha por 42,5% a 39,8%. Os números do Atlas Político também favorecem Bolsonaro no primeiro turno(37% a 33,2%) mas dão a vitória a Lula no segundo (45,7% a 41%). O XP/Ipespe aponta empate no primeiro turno (ambos com 29%) e vitória de Lula no segundo (42% a 40%). O PoderData indica empate no primeiro turno (ambos com 32%) e vitória do petralha no segundo (50% a 35%).

Cenários variados de disputa, datas não coincidentes de apuração e defasagem de dados oficiais — problema realçado com o adiamento do Censo — ajudam a explicar resultados divergentes de pesquisas, diz o Valor Econômico. Mas a questão é que a amplitude dessas divergências vai bem além das margens de erro, como ficou explícito depois que o Datafolha deu conta de que Lula precisaria tirar só três pontos dos rivais para vencer já no primeiro turno, que Bolsonaro vem bem, com 23%, e outros seis concorrentes têm desempenho de um dígito.

Como se viu, o panorama é diverso segundo dados do Ipespe, contratado pela XP, e do PoderData, vinculado ao site Poder360 — ambos mostram Lula e Bolsonaro numericamente empatados. As entrevistas do Ipespe foram concluídas cinco dias antes do Datafolha. Já o período de coleta do PoderData coincide quase que inteiramente com o do Datafolha. Há ainda a pesquisa Atlas, iniciada após o Ipespe e concluída antes do Datafolha, que mostra Bolsonaro líder.

Nos quadros de segundo turno os números também são divergentes. E uma curiosidade: o PoderData, que tem resultados distantes do Datafolha no primeiro turno, mostra dados mais próximos do Datafolha no segundo. No Ipespe os resultados apontam empate técnico. O Atlas traz Lula com 45,7%, quase cinco pontos acima de Bolsonaro, e tanto o Datafolha quanto o PoderData mostram Lula com ampla vantagem.

Responsável pelo Ipespe, o cientista político Antônio Lavareda divulgou uma nota em que lista “fatores básicos que teoricamente seriam capazes de explicar as diferenças”. Entre eles, momentos distintos de apuração e diferenças nos total de entrevistados, mas Lavareda enfatiza mais o método de abordagem de entrevistados — presencial ou por telefone — e as variáveis de controle — recursos para verificar a consistência das informações coletadas.

Mauro Paulino, diretor do DataFolha, defende o método presencial em casos eleitorais. Para ele, o uso de um cartão circular com os nomes dos candidatos distribuídos em fatias idênticas é a única forma de não privilegiar um nome no instante da pergunta, o que contaminaria o estudo. “Para outras pesquisas, achamos perfeitamente possível o uso do telefone. Para eleitoral, não. Por telefone, o entrevistador necessariamente terá que citar um nome antes”, diz ele.

Lavareda destaca o que entende ser desvantagens da pesquisa presencial: “Na pandemia, em que se recomenda distanciamento social, é plausível que muito mais pessoas temam ser abordadas nas ruas”. Ele lembra ainda que não se usa mais esse método na Europa e nos EUA e que o acesso do eleitorado brasileiro ao celular é universal.

A ideia segundo a qual um certo perfil não seria alcançado na rua, pois muitos estão isolados ou em home office, é rechaçada por Paulino. “Só 6% estão totalmente confinados. Mas mesmo essa pessoa que não sai de casa acaba sendo representada quando entrevistamos outros com perfis parecidos, como quem só sai para ir à padaria.”

Outro ponto de divergência está na chamada variável de controle. Andrei Roman, diretor do Atlas, entende ser fundamental usar a declaração de voto do eleitor em 2018 como informação para “calibrar” a pesquisa. Isso é feito comparando o resultado apurado com o dado preciso da urna. Lavareda também é defensor desse recurso. Paulino discorda. “As pessoas esquecem em quem votou ou, conforme a conjuntura, preferem esconder qual foi o voto. Quem usa isso como controle está fazendo coisa errada”, diz.

Durma-se com um barulho desses.