Finais de ano e retrospectivas são indissociáveis. Porém, se o réveillon é, tradicionalmente, um renovar-se de esperanças, as retrospectivas têm demonstrado que o buraco é bem mais embaixo.
O ano de 2020 é mais um dos que já se foram tarde e não deixaram saudades. Mas haja otimismo para achar que tudo será azul com bolinhas cor-de-rosa em 2021.
Bom seria se Bolsonaro
e o Sars-CoV-2 tivessem sido soterrados pelos últimos grãozinhos da ampulheta, à meia-noite de anteontem. Mas parece que ambos continuam fazendo vítimas, cada qual à sua maneira.
A maior potência do mundo livre lidera o ranking da Covid, com quase 20 milhões infectados e mais de 300 mil mortos. Mas lá eles têm Donald Trump, que até recentemente jogava no time do vírus.
Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar (depois da Índia), com quase 8 milhões de casos e 190 mil mortes. E aqui temos Bolsonaro, eleito graças a uma ironia do destino e, segundo ele próprio, alguém que não nasceu para presidente, mas que jamais desceu do palanque, só tem olhos para a reeleição e continua jogando no time adversário.
Nesta republiqueta de almanaque, abençoada por Deus e bonita por natureza, o futuro é duvidoso e o passado, incerto — tanto que até a autoria dessa frase ora é atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
O Brasil seria um grande país se não fosse o povo medonho que, sabe-se lá se por carma, sina, praga de madrinha ou obra do Criador, elege seus representantes a pior das escórias, uma gentalha que se candidata para roubar e rouba para se reeleger.
Ao contrário do que se costuma pensar, Lula não inventou a corrupção, embora tenha sido o grande responsável por sua institucionalização.
Observação: O picareta ainda não percebeu que seu tempo passou, sua luz apagou, seu povo sumiu. O eterno encantador de burros morreu e não sabe, e é justamente aí que mora o problema: enquanto não se der conta disso, esse egun mal despachado continuará a nos assombrar. Mas isso é outra conversa.
A corrupção aportou em terra brasilis em 1.500, travestida de nepotismo. A semente da praga, jogada no solo “onde se plantando, tudo dá”, está no final da carta de Caminha ao rei D. Manuel.
Preocupado com sua única filha, cujo marido, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, o escriba pediu a sua majestade que comutasse a sentença.
Não se sabe ao certo se o pedido foi atendido, mas, supondo que sim, o monarca não teve de recorrer aos atos secretos atualmente em voga,
já que as normas vigentes à época autorizavam-no a fazê-lo abertamente. Bons
tempos.
A rigor, a "farsa nacional" começou com o descobrimento. De acordo com os livros de história (pelo menos os da minha época de estudante), a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, na Índia, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a teria desviado da rota e voilà: foi descoberto o Brasil.
A "Relação do Piloto
Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre
João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que
sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco
de Ataíde, mas epístola do escriba anota que a
viagem até a (hoje) costa da Bahia decorreu na mais completa normalidade,
"sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser".
A região do suposto naufrágio era conhecida como "calmas equatoriais", porque os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes calculou que, durante a tal calmaria, a frota cabrália foi empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul. No entanto, amotou o marítimo, esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual” do Brasil.
A bem da verdade, a chegada da expedição portuguesa à "Ilha de Santa Cruz" não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias.
Portugal tinha conhecimento da existência do que viria a ser
o Brasil quase uma década antes desse suposto “descobrimento”
e, tecnicamente, já
tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.
A Independência do Brasil, da forma como os autores dos livros didáticos a relatam, é outra obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon às margens do córrego do Ipiranga, só aconteceu porque o sua alteza, acometido de poderosa caganeira, fizera alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita. Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas:
A primeira, assinada por seu pai, D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes.
A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal.
A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o embalo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
A Proclamação da República foi o primeiro de muitos
golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República
tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também
militar, eleito indiretamente, foi “convidado” por seus irmãos de farda a deixar o cargo.
Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro último), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é duvidoso em nosso país, esse número pode variar de 35 a 44). Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do cargo.
Como o que começa mal tende a
piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto pode ter o mesmo destino de Dilma,
a inolvidável gerentona de festim, e de Collor, o caçador de marajás de
araque. E, cá entre nós, já está mais que na hora.
Continua.