quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O 8 DE JANEIRO E A POLARIZAÇÃO

A palavra "bíblia do grego "biblion", que significa "livro" ou "conjunto de livros designa uma coleção de histórias fictícias que judeus, cristãos e sectários de outras religiões acreditam ser a "Palavra de Deus". Mas não há, pelo menos até onde eu sei, nenhuma certidão passada em cartório do Céu que dê fé a essa aleivosia.  E Caim pode ter assassinado o irmão devido a uma divergência de opiniões — e não movido por ciúme ou inveja, como afirma o Gênesis. Nesse caso, o primeiro fratricídio da história da Humanidade seria o antepassado mais remoto da "polarização político-ideológica" que tanto mal tem feito a esta banânia nos últimos anos.
 
A dicotomia desembarcou em Pindorama com Pedro Álvares Cabral e sua trupe e teve presença garantida em todos os capítulos da nossa história, mas o quadro se se agravou depois que o lulopetismo plantou a semente do "nós contra eles", a rivalidade entre mortadelas e coxinhas regou quando e o bolsonarismo boçal estrumou e espalhou do Oiapoque ao Chuí. Desde então, o ex-presidiário mais famoso do Brasil e o "mito" dos mentecaptos vêm se esmerando numa repugnante desumanização mútua e se esmerdeando ao estendê-la aos apoiadores dos respectivos rivais. 

Ao final de seu segundo mandato, o xamã petista trombeteou que as eleições de 2010 seriam do nós contra eles, acirrando os eleitores de esquerda contra os de direta. Quando já havia escolhido Dilma para manter aquecida a poltrona presidencial até que ele pudesse voltar a ocupá-la, falou em "extirpar" o DEM (atual União Brasil) da política tupiniquim. Na campanha pela reeleição da gerentona de araque, retomou o vomitativo ramerrão do nós contra eles ao rebater as críticas que sua pupila incompetente vinha colecionando. Em 2016, depois que a dita-cuja foi defenestrada do Planalto, afirmou que "quando os jovens rejeitam a política, a direita raivosa cresce". Enquanto isso, o PT classificava o governo de Michel Temer de "golpista" e "de direita". 
 
Em 2018, quando os desembargadores do TRF-4 aumentaram para 12 anos e 1 mês a pena imposta ao camelô de empreiteiras no caso do tríplex, a estrelinha vermelha Gleisi Hoffmann — que o departamento de propinas da Odebrecht alcunhou de 
"Coxa" e "Amante" — vaticinou que "para prender Lula seria preciso matar muita gente". Mas o tempo provou que ela era uma péssima pitonisa: o ex-presidente gozou 580 dias de férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba, mas acabou que togas camaradas anularam os processos sob o pretexto de que a 13º Vara Federal de Curitiba não tinha competência territorial para julgar o réu. 
 
Durante a pré-campanha de 2022, o palanque ambulante desdenhou dos antigos adversários: "Agora quem acabou foi o PSDB". Em resposta, os tucanos disseram que o PT passou anos tentando reescrever a história, semeando o ódio, perseguindo adversários, dividindo a sociedade e montando uma usina de fake news. Mais recentemente
Bolsonaro lamentou a depredação dos prédios públicos de 8 de janeiro, mas disse que os atos foram uma armadilha da esquerda e não configuram tentativa de golpe. Lula disse lamentar que um presidente sem controle emocional, desmoralizado pela quantidade de mentiras contadas durante toda a campanha, inventasse uma coisa como aquela, e que o mais vergonhoso foi "ele ter inventado e fugido, não ter tido coragem de participar".
 
Segundo o cientista político Pedro Marques, há três tipos de polarização. Na ideológica, as pessoas divergem sobre programas políticos; na
 social, as diferenças sócio-econômicas causam a divisão; na afetiva, até mesmo a imagem e o som da voz de quem integra o time adversário provocam reações viscerais. É fácil reconhecer essa lista de sintomas nesta banânia, que teve um momento semelhante de polarização na última gestão Vargas, quando situação e oposição não dialogavam, não se reconheciam nem autorizavam a existência uma da outra. 

Observação: Em 1954, o suposto suicídio" do déspota adiou uma explosão, mas não evitou que a polarização continuasse crescendo até desaguar no golpe de 1964 — que Bolsonaro tentou reprisar em 2022, e só não conseguiu porque faltou o apoio das Forças Armadas. 

Nada de bom pode resultar de um cenário onde desavenças e violência política continuam crescendo. Um passo necessário (embora não suficiente) para recolocar o Brasil nos eixos é drenar a intolerância do discurso político. Quando — e se — isso vai acontecer, só Deus e o diabo sabem.
 
Continua...