Com a popularização das redes sociais, a mídia deixou de dominar as massas e passou a ser controlada por elas. As massas são despreparadas, ignorantes, rudes e perniciosas, mas, quando se dá voz a burros, não se pode reclamar dos zurros.
Política e probidade são mutuamente excludentes. Os maus políticos sabem que só permanecerão no poder enquanto a plebe ignara continuar ignara. Mobral? Projeto Minerva? Balela! Em 1986, quando acompanhou José Sarney numa visita oficial a Portugal, Ulysses Guimarães comentou com os anfitriões que o direito ao voto no Brasil havia sido estendido aos analfabetos, e ouviu de um interlocutor que "em Portugal não havia analfabetos".
Durante a mesma viagem, o mandatário imortal (não confundir com o imorrível, imbrochável e incomível) percorreu algumas livrarias, mas não encontrou em nenhuma delas a obra que procurava. Um dos livreiros ficou de encomendá-lo à editora, e o presidente brasileiro perguntou se ele fechava aos sábados. O comerciante disse que não, e Sarney, que voltaria na manhã daquele sábado para buscar o livro. "Mas no sábado estamos fechados, excelência", desculpou-se o lusitano. "Mas o senhor não disse que não fechava aos sábados?", estranhou o luminar maranhense. "Mas é claro que não fechamos", respondeu o livreiro. "Se não abrimos, como vamos fechar?"
Ainda sobre zurros, o mandatário de turno segue empenhado em terminar a execrável obra que o impeachment impediu a igualmente execrável Dilma de concluir. Aliás, para quem achava a estocadora de vento insuperável, a competência da antítese de estadista que ainda ocupa (e conspurca) a poltrona presidencial é surpreendente. Para os indefectíveis engenheiros de obra pronta, a vitória do despirocado era uma tragédia anunciada, mas esquecem-se de mencionar que, dada a sinuca de bico que a maioria apedeuta do eleitorado armou para a minoria medianamente esclarecida, a alternativa ao capetão era o títere do presidiário. E ser governado de dentro da cadeia por um criminoso condenado não era uma opção, mas, sim, um vexame inaceitável, mesmo numa patética republiqueta de bananas.
Agora, porém, a coisa mudou. Se o problema era "o cara" ser um criminoso condenado, por que procurar alguém com reputação ilibada quando bastaria converter o bandido de estimação em "ex-corrupto"? Guardadas as devidas diferenças, é como na anedota do piloto que se recusou a decolar enquanto não substituíssem uma turbina defeituosa. Meia hora depois de deixarem a aeronave, os passageiros foram autorizados a reembarcar. Admirado com a eficiência da empresa, um viajante comentou com a aeromoça: "Já trocaram a turbina? É Espantoso!" E ela respondeu: "A turbina é a mesma. Trocaram o piloto".
Volto a dizer que esperar do sultão do bananistão um bom governo era o mesmo que acreditar no Coelho da Páscoa. No entanto, a passagem de sumidades como Lula e Dilma pelo Planalto impõe a conclusão de que idiota pode governar o país do futuro que nunca chega, desde que se cerque de assessores capacitados. Mas Bolsonaro demonstrou ser um ponto fora da curva.
Merval Pereira — que, como Sarney, ocupa uma cadeira na ABL — atribui parte do problema à visão da máquina estatal amesquinhada do capetão, depois décadas de vida parlamentar à sombra de pequenos desvios, como as “rachadinhas” nos gabinetes próprios e dos filhos, herdeiros de um império eleitoral montado em bases frágeis, do ponto de vista democrático, e conspurcado por relações promíscuas.
A intervenção na Receita Federal é a mais recente decisão nesse sentido, com a saída do secretário José Tostes devido a uma divergência com a Famiglia Bolsonaro, que tem candidato para o cargo de corregedor do órgão, vago desde julho. Por que o clã presidencial tem interesses desse tipo em diversos órgãos fiscalizadores, como a Receita, o Coaf, a PF? A resposta foi dada folclórica reunião ministerial de abril de 2020, na qual Bolsonaro deixou explícito que queria controlar as informações dentro do governo: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, vociferou o presidente que acabou com a Lava-Jato porque não há mais corrupção no governo.
Bolsonaro forçou a saída de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras e colocou em seu lugar um general seu amigo, Joaquim Silva e Luna. Não conseguiu evitar que a estatal aumentasse o preço dos combustíveis de acordo com a variação internacional, mas vem tentando, a todo custo, usá-la para fins eleitoreiros. Tamanha irresponsabilidade fez com que o mandatário seja investigado pela Comissão de Valores Mobiliários por ter anunciado que o preço dos combustíveis começaria a ser reduzido já nos próximos dias — levando a empresa a publicar um “fato relevante” negando que cogitasse dessa redução.
Bolsonaro gosta de dizer que é militar, mas é useiro e vezeiro em desrespeitar a condição básica dessa carreira, que é a hierarquia. Veja-se a maneira nada republicana como sua filha foi admitida num Colégio Militar, sem se submeter às normas legais. Outro exemplo — ainda mais grave — de seu comportamento abusivo aflora da intervenção branca no Alto-Comando do Exército, mediante a qual o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deixou de ser punido por ter subido num palanque para participar de uma manifestação claramente eleitoreira — atendendo ao convite do próprio Bolsonaro, o que colocou o Alto-Comando numa posição delicada, já que a punição ao general teria de ser também a do Presidente.
A falta de modos, o linguajar chulo utilizado em público e o
flagrante desrespeito à liturgia do cargo indica que o "mito" dos
patetas não sabe diferenciar a política partidária no baixo clero parlamentar do
papel que deveria exercer como presidenta da República.
Assim como o ex-deputado Severino Cavalcanti, que ascendeu à presidência
da Câmara, mas continuou extorquindo dinheiro do concessionário do restaurante,
o sultão do Bolsonaristão chegou ao Planalto com a mesma mentalidade tacanha de
deputado do baixo clero, o que reduz o Gigante Adormecido à figura burlesca de
uma republiqueta de bananas. Burlesca, mas condizente com o indigitado que foi
eleito para governá-la — e, pelo andar da carruagem, não será apeado antes de
formalizar sua candidatura à reeleição. Triste Brasil.
Observação: Como disse P. T. Barnum,
"os trouxas nascem à razão de um por minuto". A julgar
pela sequência de sumidades que presidiram Pindorama desde a redemocratização, os
trouxas que nascem aqui por estas bandas já vêm com um título de eleitor
enfiado no rabo".