A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — TERCEIRA PARTE
A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE
Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza.
A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.
Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".
A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.
Continua no próximo capítulo.
segunda-feira, 17 de maio de 2021
A FARSA NACIONAL
De acordo com a epístola enviada por Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel em abril de 1500, a primeira porção da Terra Brasilis avistada pela trupe de Cabral foi o Monte Pascoal: “(...) Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal (monte da Páscoa) e à terra A Terra de Vera Cruz!”, anotou o escriba ao descrever o “descobrimento do Brasil”.
O detalhe é que àquela altura o espanhol Vicente
Yáñez Pinzón já havia aportado na costa de (hoje) Pernambuco (em 26 de
janeiro de 1500), e sete anos antes o rei português D. João II ameaçara
declarar guerra à Espanha se o papa Alexandre VI não revisasse os
limites estabelecidos pela Bula Inter Coetera — o que originou o Tratado
de Tordesilhas, firmado em junho de 1494.
Tanto a expedição de Pinzón quanto o insurgimento do
monarca são indícios claros do que ficou comprovado documentalmente séculos
depois: Portugal já sabia da existência de terras na porção sul do “novo
continente” descoberto por Cristóvão Colombo. Demais disso, uma
expedição secreta comandada por Duarte Pacheco Pereira aportou
na costa brasileira em 1498, à altura do que hoje corresponde ao litoral do Maranhão — antes, portanto, de Pinzón. Mas o
rei de Portugal determinou que a descoberta fosse mantida em segredo até
que uma nova missão (a de Cabral) “tomasse posse oficialmente”
daquelas terras.
O Brasil foi batizado como tal por conta da abundância da madeira
Caesalpinia Echinata, conhecida popularmente como pau-brasil — da
qual se extraía uma resina cor-de-brasa, que era muito usada para tingir
tecidos. Antes de ganhar esse epíteto, o país foi batizado de Pindorama
(pelos nativos); de Ilha de Vera Cruz (em 1500); de Terra Nova e Terra
dos Papagaios (em 1501); de Terra de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz
(em 1503); de Terra Santa Cruz do Brasil e Terra do Brasil (em
1505), e de Brasil, em 1527.
Alcunhado de Gigante Adormecido e País do Futuro (que
nunca chega), entre outros epítetos, o Brasil, seja como colônia, reino unido,
império ou república, nunca deixou de ser uma banânia que
aspirava a ingressar na seleta confraria das nações do assim chamado “primeiro mundo”.
Segundo uma velha (e filosófica) anedota, o
Senhor das Esferas estava criando o mundo quando um anjo apontou para a
porção que mais adiante corresponderia ao Brasil e disse: “Esta terra
será um verdadeiro paraíso para a humanidade; o clima é agradável, há lindas
florestas e praias, grandes e belos rios, e nada de desertos, geleiras, terremotos,
vulcões ou furacões. Por que tanto protecionismo, Senhor?” E
Deus respondeu: “Ah, meu caro anjo, espera só pra ver o povinho
filho da puta que eu vou colocar aí.”
Como dito linhas acima, a farsa começou com o “descobrimento”
e seguiu pela denominação dos nativos. Os portugueses chamaram os silvícolas de
“índios” porque, ao aportar no novo continente, o genovês Cristóvão Colombo
supôs ter chegado às “Índias Orientais” — daí as Américas ficarem
conhecidas na Europa como “Índias Ocidentais”.
Observação: O expressão “descobrimento da
América” não é aceita universalmente pelos historiadores. Primeiro, porque
a expedição espanhola capitaneada por Colombo não tinha por objetivo
chegar a terras desconhecidas, mas sim ao continente asiático. Segundo, porque
os primeiros europeus a chegar à América foram os Vikings,
no século X (ainda que, diferentemente dos espanhóis e portugueses, eles não
tiveram sucesso na tentativa de se estabelecerem no novo continente). Demais
disso, a América não precisava dos europeus — ou da chegada deles — para
existir. Ela já existia em si muito antes disso e era habitada por milhões de
habitantes que formavam diferentes sociedades, algumas delas com alto grau de
sofisticação.
Ainda sobre o descobrimento e a farsa nacional, os compêndios
de História registram que a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com
destino a Calicute, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo
de quem conta o conto) a desviou da rota e voilà: foi “descoberto” o
Brasil. A “Relação
do Piloto Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e
de Mestre
João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que
sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco
de Ataíde, mas a epístola do escriba oficial da esquadra registra que a
viagem até a costa brasileira transcorreu na mais completa normalidade, “sem
haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser”.
A região do suposto naufrágio era conhecida como “calmas
equatoriais” — já que os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e
as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo
sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max
Justo Guedes anotou que durante a tal calmaria a frota
cabrália teria sido empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente
Equatorial Sul, mas esse deslocamento seria insignificante e não poderia
ter causado o “descobrimento casual do Brasil”. Também como dito
linhas acima, a chegada da expedição portuguesa ao litoral baiano não se
deveu nem a tormentas, nem a calmarias. Portugal soube de sua existência anos
antes desse suposto “descobrimento” e, tecnicamente, já
tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.
A farsa segue pela independência, que os livros
didáticos transformaram numa obra
de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado por D. Pedro
de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael
Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, às
margens do riacho do Ipiranga, só aconteceu porque o príncipe regente foi acometido
de poderosa caganeira e fez alto para esvaziar os intestinos atrás de
uma moita.
Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa,
acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas. A
primeira, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento
que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes; a
segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal; a
terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe
(noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida
como Marquesa
de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está
maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. Impelido pelas circunstâncias, D.
Pedro, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper
os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
A Proclamação da República, também cantada em
verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de
Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira
República começou com um golpe militar e seu primeiro mandatário — marechal
Manuel Deodoro da Fonseca — foi eleito indiretamente e, dois anos
depois, “convidado por seus irmãos de farda” a deixar o cargo.
Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em
novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto
popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o
passado é incerto neste país, esse número varia entre 35 e 44). Destes, oito
foram de alguma forma apeados do cargo antes do fim do mandato.
Dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde o fim
da ditadura militar — Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma
e Bolsonaro —, o primeiro e a penúltima foram expulsos de campo antes do
final do jogo. O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes
do Executivo Federal depostos devido a crimes de responsabilidade —
colecionou 29 pedidos de impeachment. Mas nunca foi chamado de genocida. Itamar, FHC, Lula e Temer foram
agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas
concluíram seus mandatos e jamais foram chamados de genocidas. A
gerentona de araque foi penabundada porque
estava quebrando o país. Madame foi alvo de 68 pedidos
de impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.
Por essas e outras, fosse esta banânia um país que se desse
ao respeito, o mandatário de turno já teria
sido despejado e internado.
Antes mesmo de completar um ano no cargo, o capitão já abria larga
dianteira em relação a seus antecessores. Em fevereiro passado, o réu que
sucedeu a Rodrigo Maia na presidência da Câmara herdou uma pilha com
cerca de 60 pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro.
Hoje, são quase 120.
Embora vivesse às turras com o chefe do Executivo, Maia
não deu andamento a nenhum dos pedidos de impedimento do desafeto. “Houve
erros, mas não crimes de responsabilidade”, disse o ex-presidente da
Câmara, que agora corre o risco de ser contraditado pela CPI da Covid. E
Arthur Lira segue na mesma linha: pressionado, o deputado centrista
cearense disse candidamente que todos
os pedidos que ele analisou são “inúteis”. Quando se põe a raposa para
tomar conta do galinheiro, ela encarrega as outras raposas de investigar o
sumiço das galinhas.
Em março de 2020, quando o Brasil contabilizava 6 mil mortes
pela “gripezinha”,
o jornal norte-americano The Washington Post concedeu a Bolsonaro o
título de pior
líder mundial no combate à pandemia. Hoje, são 435 mil os cadáveres produzidos
pela doença — dois terços das quais se deveram a ações e omissões de um
mandatário negacionista e genocida.
O supremo togado Gilmar
Mendes, o deputado federal Kin
Kataguiri, o abutre vermelho Lula,
seu bonifrate Fernando
Haddad e o youtuber Felipe
Neto são alguns exemplos de autoridades e influencers que já
classificaram Bolsonaro de genocida. Em mensagem
enviada a um grupo de ministros do STF, o então decano da Corte Celso
de Mello comparou
o presidente a Hitler, e uma coalizão que representa mais de um milhão
de trabalhadores da saúde no Brasil, apoiada por entidades internacionais,
denunciou-o ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes
contra a humanidade e genocídio. Semanas atrás, Miguel Urbán
Crespo, integrante do Parlamento Europeu, disse durante um
discurso em plenário que a “necropolítica” do presidente brasileiro
no combate à pandemia constitui um crime de lesa-humanidade, e que Bolsonaro não
é só um perigo para o Brasil, mas para o mundo inteiro.
A despeito de tudo isso, as pesquisas de intenção de voto indicam
que o circo da sucessão terá como protagonistas (de novo) os dois extremos
do espectro político-ideológico. A diferença é que desta vez o extremista
de esquerda poderá dispensar o “poste” e disputar o pleito pessoalmente, uma
vez que o STF lavou sua ficha imunda — criando a bizarra figura do
“ex-corrupto”.
Falando em “postes”, elegê-los tornou-se uma especialidade de
Lula. Certa vez, depois de um jantar regado a “Romanée-Conti” — um
dos vinhos da Borgonha mais caros do mundo, que chega a custar US$ 25 mil a
garrafa —, o então presidente, entre baforadas da cigarrilha cubana acesa
pelo diligente Delúbio Soares, assim se dirigiu a seus asseclas: “Sabem, ‘cumpanhêros’, hoje, sem falsa
modéstia, eu elejo até um poste para governar o Brasil.”
E elegeu mesmo. Só que antes de empalar a nação com Dilma
Rousseff, a gerentona de araque, Lula havia designado José Dirceu
— egresso da DGI
(órgão cubano de espionagem financiado pela KGB) —, que lhe fazia as
vezes de ministro-chefe da Casa Civil. Mas a canoa virou quando o ex-guerrilheiro
de festim foi denunciado pelo deputado Roberto Jefferson como operador-mor do Mensalão.
Outro “poste” que o Parteiro do Brasil Maravilha tentou
conduzir à Presidência foi o “cumpanhêro” médico ribeirão-pretano Antonio
Palocci — coordenador de sua equipe de transição e ministro da Fazenda em seu
ímprobo governo. Mas o barco afundou quando veio a lume o imbróglio envolvendo
o caseiro Francenildo
Costa, testemunha de acusação contra Palocci no “Escândalo
da República de Ribeirão Preto” (cujo cenário era uma mansão de
Brasília onde rolavam negociatas do governo e encontros com prostitutas, agendados
pela cafetina
Jeany Mary Corner).
Assim, o único poste que deu certo afora Fernando Haddad
— este somente na disputa
pela prefeitura de São Paulo e apenas em 2012, já que foi
derrotado por João Doria quando tentou se reeleger em 2016, e por
Jair Bolsonaro na disputa pela Presidência em 2018 — foi a prosaica
figura que, antes de se aventurar na política, faliu
duas lojinhas de R$ 1,99 em Porto Alegre (RS); que sem saber
atirar virou modelo de guerrilheira; que sem ter sido vereadora virou
secretária municipal; que sem passar pela Assembleia Legislativa virou
secretária de Estado; que sem estagiar no Congresso virou ministra; que sem ter
inaugurado nada de relevante fez pose de gerente de país; que sem saber juntar
sujeito e predicado virou estrela de palanque; que sem ter tido um único voto
na vida até 2010 foi eleita presidente desta banânia e levou o país à insolvência,
a inflação à casa dos 2 dígitos e o desemprego à das dezenas de milhão.
Depois de um dos maiores estelionatos eleitorais da nossa
história (atrás apenas do que seria promovido pelo então candidato à Presidência
em 2018), a presidanta arroganta e pedanta foi reeleita,
mas acabou afastada do cargo 1 ano e 5 meses depois e devidamente penabundada dali
a pouco mais de 3 meses. No parecer do então PGR Rodrigo Janot, o impeachment
desse “poste” também encampava, no “conjunto da obra”, os crimes de corrupção
ativa e passiva, obstrução da justiça e organização criminosa.
Concluída esta (não tão) breve introdução, passo a tratar do
cenário (lamentável) que se descortina à luz das recentes (e prematuras)
pesquisas de intenção de voto, que, sem exceção, apontam para o embate (de
novo) entre o nhô ruim e o nhô pior — ou por outra,
entre o antilulopetismo e o antibolsonarismo. A se confirmar essa
perspectiva desalentadora, o eleitor consciente (e isso exclui as torcidas organizadas
de ambos os contendores) será novamente forçado a optar pelo “menos pior”.
Mas é preciso ter em mente que, quando se escolhe o menor de dois males,
ainda assim o que se escolhe é um mal.
Quem vaticina que o embate entre Lula e Bolsonaro
é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar
uma profecia autorrealizável. Se aqueles que não querem que essa polarização
se repita virem-na como inevitável, assim será. Portanto, não é hora de crer em
vaticínios e inevitabilidades, mas sim de criar alternativas.
Para concluir (por hora, pois voltar a este tema será
inevitável), cumpre salientar que os números do DataFolha
apontam que 41% dos entrevistados responderam que votarão em Lula (uma
vantagem de 18% em relação a Bolsonaro). Num eventual segundo turno, o
petista atrairia os eleitores de Doria, Ciro e Huck (note
que o apresentador global ainda não confirmou a candidatura) e o capitão sem partido
ficaria com a maior fatia dos eleitores de Moro (o ex-juiz já afirmou
que não participará da disputa). Nesse cenário, Lula venceria Bolsonaro
por 55% a 32%.
Realizada na mesma semana, a enquete do Paraná
Pesquisas aponta 32,7% das intenções de voto em Bolsonaro e
29,3% em Lula — no segundo turno, o capetão venceria o petralha
por 42,5% a 39,8%. Os números do Atlas
Político também favorecem Bolsonaro no primeiro turno(37% a
33,2%) mas dão a vitória a Lula no segundo (45,7% a 41%). O XP/Ipespe
aponta empate no primeiro turno (ambos com 29%) e vitória de Lula no
segundo (42% a 40%). O PoderData
indica empate no primeiro turno (ambos com 32%) e vitória do petralha no segundo
(50% a 35%).
Cenários variados de disputa, datas não coincidentes de
apuração e defasagem de dados oficiais — problema realçado com o adiamento do Censo
— ajudam a explicar resultados divergentes de pesquisas, diz o Valor
Econômico. Mas a questão é que a amplitude dessas divergências vai bem
além das margens de erro, como ficou explícito depois que o Datafolha
deu conta de que Lula precisaria tirar só três pontos dos rivais para
vencer já no primeiro turno, que Bolsonaro vem bem, com 23%, e outros
seis concorrentes têm desempenho de um dígito.
Como se viu, o panorama é diverso segundo dados do Ipespe,
contratado pela XP, e do PoderData, vinculado ao site Poder360
— ambos mostram Lula e Bolsonaro numericamente empatados. As
entrevistas do Ipespe foram concluídas cinco dias antes do Datafolha.
Já o período de coleta do PoderData coincide quase que inteiramente com
o do Datafolha. Há ainda a pesquisa Atlas, iniciada após o Ipespe
e concluída antes do Datafolha, que mostra Bolsonaro líder.
Nos quadros de segundo turno os números também são
divergentes. E uma curiosidade: o PoderData, que tem resultados
distantes do Datafolha no primeiro turno, mostra dados mais próximos do Datafolha
no segundo. No Ipespe os resultados apontam empate técnico. O Atlas
traz Lula com 45,7%, quase cinco pontos acima de Bolsonaro, e
tanto o Datafolha quanto o PoderData mostram Lula com
ampla vantagem.
Responsável pelo Ipespe, o cientista político Antônio
Lavareda divulgou uma nota em que lista “fatores básicos que
teoricamente seriam capazes de explicar as diferenças”. Entre eles,
momentos distintos de apuração e diferenças nos total de entrevistados, mas Lavareda
enfatiza mais o método de abordagem de entrevistados — presencial ou por
telefone — e as variáveis de controle — recursos para verificar a consistência
das informações coletadas.
Mauro Paulino, diretor do DataFolha, defende o
método presencial em casos eleitorais. Para ele, o uso de um cartão circular
com os nomes dos candidatos distribuídos em fatias idênticas é a única forma de
não privilegiar um nome no instante da pergunta, o que contaminaria o estudo. “Para
outras pesquisas, achamos perfeitamente possível o uso do telefone. Para
eleitoral, não. Por telefone, o entrevistador necessariamente terá que citar um
nome antes”, diz ele.
Lavareda destaca o que entende ser desvantagens da
pesquisa presencial: “Na pandemia, em que se recomenda distanciamento
social, é plausível que muito mais pessoas temam ser abordadas nas ruas”.
Ele lembra ainda que não se usa mais esse método na Europa e nos EUA e que o
acesso do eleitorado brasileiro ao celular é universal.
A ideia segundo a qual um certo perfil não seria alcançado
na rua, pois muitos estão isolados ou em home office, é rechaçada por Paulino.
“Só 6% estão totalmente confinados. Mas mesmo essa pessoa que não sai de
casa acaba sendo representada quando entrevistamos outros com perfis parecidos,
como quem só sai para ir à padaria.”
Outro ponto de divergência está na chamada variável de
controle. Andrei Roman, diretor do Atlas, entende ser fundamental
usar a declaração de voto do eleitor em 2018 como informação para “calibrar” a
pesquisa. Isso é feito comparando o resultado apurado com o dado preciso da
urna. Lavareda também é defensor desse recurso. Paulino discorda.
“As pessoas esquecem em quem votou ou, conforme a conjuntura, preferem
esconder qual foi o voto. Quem usa isso como controle está fazendo coisa errada”,
diz.
Durma-se com um barulho desses.
terça-feira, 7 de setembro de 2021
SOB O DOMÍNIO DO (ANOR)MAL
O futuro a Deus pertence, dizem. Não faço ideia de quem foram esses misteriosos sábios a quem atribuímos as famosas "pérolas da sabedoria popular", mas tenho comigo que eles estavam certos na maioria dos casos.
Escrever sobre política, de
véspera, numa conjuntura que muda como as nuvens no céu, exige bola de cristal,
baralho de tarô, búzios e tabuleiro Ouija. Mas não é preciso ser um Nostradamus
para prever que as manifestações programadas para hoje podem acabar mal. Enfim, o resultado será conhecido no final da tarde; até lá, resta-nos apenas torcer pelo
melhor.
Vale lembrar que hoje não é o dia da independência, mas a data em que se comemora o 199º aniversário do "Grito da Independência" (mais detalhes nesta postagem). O fato de as margens do córrego do Ipiranga terem servido de pano de fundo para o "heroico brado" deveu-se a mero acaso:
Passava por lá a comitiva imperial quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma touceira atrás da qual pudesse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza. A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Feita essa breve digressão, passemos ao assunto do dia.
Jair Messias e Luiz Inácio tomam
sol no jardim do hospício. O primeiro mantém a mão esquerda sob o roupão, na
altura do estômago; o segundo mastiga preguiçosamente um raminho de capim. Luiz
pergunta a Jair: "Quem é você?". Jair responde: "Napoleão
Bonaparte". Luiz: "De onde você tirou essa ideia?" Jair:
"Deus me disse." Luiz: "Mentiroso!
Eu jamais falei isso!"
À luz da Teoria das
Probabilidades, um anormal ser eleito presidente da República seria
improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas
não no Brasil. Lula ocupou o Planalto de 2003 a 2010; Dilma, de 2011
a 12
de maio de 2016; Bolsonaro, de 2019 até sabe Deus quando.
O mascador de capim megalomaníaco da anedota — um
desculturado exótico que se orgulha de jamais ter lido um livro — deveria estar
na cadeia, mas posa de pré-candidato a candidato à Presidência; o napoleão de
hospício — um
caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar, como bem o
definiu o general ditador Ernesto Geisel em 1993 —, obcecado pela
reeleição. Nenhum deles é burro ou doido de pedra — mesmo porque doido
de pedra que se preza rasga dinheiro e come merda —, mas uma eventual
vitória de qualquer um dos dois em 2022 será mais um retrocesso na trajetória
do país do futuro que tem um longo passado pela frente.
Sempre existe a alternativa do impeachment, dirão os
mais otimistas. Afinal, esse remédio constitucional produziu bons efeitos nos
casos do caçador
de marajás de festim e da gerentona
de araque. Há também quem diga que esse é um remédio amargo, que pode matar
em vez de curar, mas os tais sábios nos ensinaram que a diferença entre o remédio e o veneno estaria na dosagem.
Na visão do cientista político Carlos Pereira, a recente
conversão de Bolsonaro à política tradicional ao dizer que "sempre
foi Centrão" é uma clara evidência de que o presidente não representa
ameaça crível à democracia, já que "é
preferível ver o governo Bolsonaro domesticado e refém de políticos
profissionais de um Centrão ‘guloso’ do que cercado de militares que não
entendem como o presidencialismo multipartidário funciona.”
Na verdade, é preferível ver Bolsonaro defenestrado e
julgado pelos crimes que cometeu durante sua desditosa e lúgubre gestão. A
única saída realmente democrática para o Brasil é o impeachment, que, lamentavelmente,
vem sendo obstruído pelas marafonas do Centrão.
Não passa um santo dia sem que Bolsonaro vitupere o
Estado Democrático de Direito e vomite impropérios contra a democracia, embora essa
mesma democracia — numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, de
angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de
candidaturas que conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e
frustrados com os presidentes recentemente eleitos — lhe deu a chance de chegar
à Presidência após três décadas de inexpressiva
trajetória política.
Bolsonaro vem solapando diuturnamente as bases
democráticas construídas com tanto esforço desde os anos 1980. Incapaz de
elevar a sua estatura, o presidente que reconheceu não
ter sido talhado para o cargo rebaixa o teto da Presidência. Parece não
saber que, por trás da faixa de presidente deve existir uma noção qualquer de
honra. O Brasil não merece ser presidido pela desonra e pela estupidez (embora
o mesmo raciocínio não se aplique necessariamente ao eleitorado tupiniquim, mas
isso é outra conversa).
Sob o título "Um
Projeto para o Brasil", Diogo Mainardi publicou em Crusoé:
"A parcela do eleitorado que opta pela fórmula “nem Lula, nem Bolsonaro” corresponde a 25% do total, segundo a pesquisa encomendada pela Genial Investimentos. Lula tem quase duas vezes mais do que isso, 45%, e o sociopata já foi passado para trás, com seus 23%. Minha turma é nem Lula, nem Bolsonaro, nem Arthur Lira, nem Gilmar Mendes, nem Augusto Aras, nem Dias Toffoli, nem Braga Netto, nem VTC Log, nem Dilma Rousseff, nem Michel Temer, nem João Doria, nem Renan Calheiros, nem Carlos Bolsonaro, nem os funcionários fantasmas de Carlos Bolsonaro, nem o lobista da Covaxin, nem o motoboy, nem Ciro Nogueira, nem Gleisi Hoffmann, nem o PIB do segundo trimestre, nem Joe Biden, nem o FIB Bank, nem a Covid, nem Sete de Setembro, nem Osmar Terra, nem Luciano Hang, nem Onyx Lorenzoni, nem o jabuti da reforma administrativa, nem o golpe do Código Eleitoral, nem o PSDB, nem Paulo Guedes (como foi que ele só entrou agora?), nem a variante Delta, nem Silas Malafaia, nem o PCC, nem Aécio Neves, nem os caminhoneiros, nem os cantores sertanejos, nem Roberto Campos Neto, nem as 28 mil queimadas na selva, nem Ernesto Araújo, nem Rodrigo Pacheco, nem Kassio Nunes, nem cloroquina, nem Fiesp, nem Febraban, nem Paulo Skaf, nem os procuradores de Mossoró. Os nomes foram pescados apenas entre aqueles citados em O Antagonista nas primeiras seis horas da quarta-feira (1º). Se o site cobrisse outros assuntos além da imundice brasiliense, a lista de expurgo seria bem maior. Estupidamente, aliás, acabei ignorando os escroques da imprensa e das redes sociais. Eu deveria ter acrescentado o jornalismo lulista, que nos últimos dias recebeu do próprio Lula promessas públicas de suborno com verbas estatais, num ambiente de censura e de omertà mafiosa, e os blogueiros bolsonaristas, que reproduziram o esquema do PT com a mesma canalhice e com uma pitada a mais de analfabetismo. Por enquanto, ninguém foi capaz de encarnar a candidatura “nem Lula, nem Bolsonaro”, causando uma certa ansiedade naqueles que acompanham as pesquisas de semana em semana. Mas se a fórmula valesse apenas para a escolha de um nome capaz de enfrentar os dois bandoleiros nas urnas, em 2022, ela seria reduzida a um mero lema de campanha presidencial. Para ter algum sentido, ela precisa valer de agora até 2023, 2024, 2025. Trata-se de um programa permanente, que jamais será plenamente realizado, porque é minoritário. O Brasil nunca teve um projeto. Na falta de algo melhor, “nem Lula, nem Bolsonaro” pode cumprir esse papel." Eu assino embaixo.
Se Bolsonaro ainda não partiu para o autogolpe, isso se deve ao STF — embora um acerto em meio a tantos erros não exima as togas da
teratologia explícita de decisões como a que (com o voto de minerva do eminente
ministro Dias Toffoli) derrubou
a prisão após condenação em segunda instância, ou a que (capitaneada
pelo nobilíssimo ministro Gilmar Mendes) converteu
em "ex-corrupto" um ex-presidiário condenado a mais de 25
respaldando-se numa na falaciosa "incompetência
territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba (leia-se do ex-juiz Sergio
Moro).
O historiador e professor Marco Antonio Villa alerta que estamos
nos aproximando da hora decisiva. "O Brasil não aguenta mais tanta
turbulência política, tanta insegurança jurídica, tanta polarização, tanta
incompetência administrativa, tanta falta de projeto de governo e tantas mortes.
Estamos alcançando a macabra marca de 600 mil óbitos. Em um ano e meio de
pandemia e sem nenhum tiro — graças ao planejamento do genocida de um
governante incompetente — tivemos quatro vezes mais mortos do que em vinte anos
de guerra no Afeganistão."
A popularidade do capitão entrou em parafuso, mas a caterva
que apoia ainda é suficiente numerosa para levá-lo ao segundo turno. A menos
que surja uma "terceira via" — ou que uma batalha campal entre as torcidas
adversárias evolua para guerra civil e culmine no golpe de estado com que
sonham Bolsonaro e seus asseclas —, teremos no ano que vem um repeteco
do pleito plebiscitário de 2018. A diferença, ao que tudo indica, é que o
lulopetismo corrupto derrotará o bolsonarismo boçal. E é aí que mora o
perigo.
Sem a mão firme de um timoneiro experiente, a Nau de
Insensatos seguirá em rota de colisão com o iceberg e irá a pique. O
senador Rodrigo Pacheco, com sua indefectível
mineirice moderadora, fala em "respeito à democracia",
em "obediência à vontade soberana do provo expressa pelo resultado das
urnas" e blá, blá, blá. Luiz Fux até
sobe o tom, mas não junta ação ao palavrório. Barroso aposta
na sutileza, mas Bolsonaro é tão refratário a ironias quando
cabeça de militante a noções de razoabilidade.
Bolsonaro está fazendo para os presidentes do Congresso,
do Supremo e do TSE o
mesmo que disse ter feito para a CPI do Genocídio.
Observação: Com Alexandre de Moraes é
diferente: em vez de cagar para ele, Bolsonaro borra de medo dele.
Comenta-se, inclusive, que o capitão só armou circo marambaia que Pacheco
desarmou
em tempo recorde por temer que o filho Zero
Dois fosse escalado para fazer
companhia a Roberto Jefferson no xilindró.
Faltam treze meses para as eleições. Muita coisa pode
acontecer em treze meses, mas precisamos salvar o Brasil o quanto antes dessa
sanha nazifascista chamada bolsonarismo. O país dificilmente resistirá a um
processo eleitoral sob o descomando de um incompetente que almeja completar a
sua obra feral ensanguentando a nação.
É de James Carville a frase “It’s
the economy, stupid!” (é a economia, estúpido!), dita há quase três
décadas (quando Bill Clinton e George W. Bush disputavam a
presidência dos EUA). É provável que Bolsonaro não
conheça a máxima de Carville — ou simplesmente acredite estar imune ao
fenômeno que ela representa. Ele parece não ter percebido que perigosas nuvens
se alinham no horizonte a cada ataque que faz à estabilidade democrática do
país, aos demais poderes constituídos e à ordem institucional. Sob o júbilo da
horda de ultrarradicais que o seguem e idolatram — a turba que vai sair às ruas
daqui a algumas horas —, a crescente turbulência ele provoca tem solapado a
economia do país, em um surpreendente processo de autossabotagem jamais visto em
um ocupante do Palácio do Planalto. É como se tivéssemos um presidente de
oposição — uma inovação esdrúxula, ridícula e altamente prejudicial ao Brasil.
Pouco afeito às questões técnicas de gestão pública ou aos
fundamentos econômicos, Bolsonaro, ao subir continuamente o tom de seus
arroubos autoritários, está pulverizando a confiança dos investidores
potenciais no país — e, consequentemente, piorando a vida da população
brasileira. Reportagem na edição de Veja desta semana mostra como e por que,
impulsionados pelo destempero da autoridade máxima da nação, o dólar se mantém
em patamares muito mais elevados que o esperado, e o investimento estrangeiro
despencou a um volume que equivale a menos de um quarto do registrado em
janeiro.
Em suma: o Brasil, que poderia estar se aproveitando da
alta liquidez internacional e do novo ciclo de commodities, na verdade se vê
acuado diante do fantasma da inflação, dos preços astronômicos dos combustíveis
e da ameaça de uma grave crise energética.
Ao promover o caos, Bolsonaro trai a maioria daqueles
que o elegeram para governar o país e implantar um sistema econômico liberal.
Empossado, porém, o candidato descumpridor de promessas (maior estelionato
eleitoral da história do Brasil, deixando no chinelo a própria Dilma)
prefere promover uma confusão, sem pesar as consequências de seus atos. Na
realidade paralela em que habita, as adversidades são sempre parte de um complô
armado por adversários e inimigos imaginários. Em seus devaneios, acredita que
passeios de moto e manifestações, associados a um pacote de obras eleitoreiras,
impulsionarão sua popularidade (obviamente, em queda vertiginosa no momento).
Iludido, não percebe que tais medidas podem até lhe trazer fotos e votos, mas
dificilmente conseguirão impulsionar a recuperação econômica de que o país
tanto precisa e que poderia representar a sua própria reeleição.
Amante de armas, Bolsonaro está dando um verdadeiro tiro no pé. Em agosto de , Getúlio atirou contra o próprio peito. Mas isso é outra conversa.
Bom 7 de setembro a todos.
domingo, 16 de maio de 2021
COISAS DO BRASIL
Começo a postagem deste domingo (que redigi de véspera) com algumas perguntas retóricas: Quem imaginaria que o candidato vitorioso à prefeitura de São Paulo em 2020, que mal ingressou na confraria dos quarentões, estaria, dali a seis meses, desenganado pelos médicos e aguardando o minuto fatal de sua passagem por este vale de lágrimas? (Me ocorreu escrever “com o pé na cova”, mas achei a expressão desrespeitosa, sem mencionar que resultaria num trocadilho infeliz e de muito mau gosto).
Observação: Bruno Covas morreu às 8h20 deste domingo (16) aos 41 anos. Ele foi diagnosticado com a Covid em julho do ano passado, quando a doença já havia matado quase 5.600 pessoas no estado de São Paulo, mas não resistiu a câncer no sistema digestivo com metástase no fígado, contra o qual vinha lutando desde 2019. Minhas condolências à família do falecido.
Ou que um ex-presidente condenado a mais de 20 anos de cadeia (da qual saiu pela porta da frente graças a uma manobra espúria de seus sectários no STF) seria guindado à bizarra situação de “ex-corrupto” e reabilitado politicamente a tempo de disputar em carne e osso a próxima eleição presidencial? Ou quão desastrosa seria para esta republiqueta de bananas a vitória do dublê de mau militar e parlamentar medíocre (com pitadas de psicopatia, se me permitem parafrasear o ministro Luiz Roberto Barroso, um dos poucos que se salvam no supremo ninho de urubus) sobre o bonifrate do ex-presidiário no pleito de 2018? Ou, ainda, que um vírus genocida (falo do Sars-CoV-2, porque há outros por aí, com nome, endereço e CPF) dizimaria quase 0,2% da população tupiniquim em “apenas” 15 meses de pandemia?
Todas elas levam a situações em que o imprevisto teve voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Aliás, sempre que imagino ter visto de tudo neste caldeirão de merda que atende por cenário político nacional, surge um episódio ainda mais surreal, como que para me dizer que eu ainda não vi nada.
Não bastasse o cheiro pútrido que emana dos fatos revelados pela CPI da Covid — sem mencionar os que ainda virão à luz, considerando que o ex-ministro Eduardo Pesadelo prestará depoimento na próxima quarta-feira, a não ser que consiga arrumar outra desculpa para não dar o ar de sua graça (quem sabe uma caganeira como a que acometeu D. Pedro I há quase 200 anos) —, aflorou do mar de lama do Planalto, graças a um trabalho exaustivo e minucioso do jornal O Estado de S. Paulo, a monumental maracutaia vem sendo chamada de Tratoraço das Emendas Secretas.
A matéria apresenta fortes indícios de que o governo montou
um esquema paralelo para o manejo das emendas parlamentares ao Orçamento da
União a fim de assegurar apoio no Congresso. Pouco antes disso surgiram na CPI
evidências sobre o uso do mesmo tipo de recurso obscuro no Ministério da Saúde,
onde a gestão da pandemia conta com um grupo de aconselhamento do presidente da
República que atua à margem das orientações da estrutura oficial.
Muito antes, mais exatamente em maio do ano passado, o país tomou conhecimento de que numa reunião ministerial ocorrida no mês anterior (22 de abril de 2020) o presidente da República revelara contar com um “sistema particular de informações” por não se sentir atendido pelas instâncias formais da área, tais como a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e até o setor de inteligência das Forças Armadas.
Voltando ainda mais no tempo, desde o início do mandato de Jair Bolsonaro sabemos da atuação, digamos, informal, de filhos e correligionários do presidente na comunicação governamental, motivo, inclusive, de atritos com aqueles oficialmente nomeados para funções nesse setor. Alguns saíram, outros preferiram ficar, simulando não perceber a impropriedade — quando não o risco do flerte com a ilegalidade — dessa maneira oficiosa de lidar com assuntos oficiais. Ali viceja o chamado gabinete de ódio, de composição e atuação envoltas em sombras.
Isso é o que por ora conhecemos sobre o conjunto de sujeitos
ocultos em ação no que poderíamos chamar de Planalto profundo. Ainda que não se
estabeleça com isso a existência de um governo paralelo como algo extensivo a
todas as áreas, é o suficiente para constatar a predileção do presidente Bolsonaro
por trabalhar, desorganizada e indisciplinadamente, com instâncias montadas à
margem da máquina do Estado.
Se confirmados os indícios de uma reserva de bilhões de
reais do Orçamento da União para o atendimento privilegiado (e sem
transparência) de deputados e senadores, teremos a ocorrência de um crime de
responsabilidade. Isso, no máximo. No mínimo, ficará demonstrada a adesão do
governo aos costumes da velhíssima política.
Vestidas com roupa nova, as mesmas práticas que há quase
trinta anos ensejaram uma CPI cujo resultado foi a cassação de seis deputados e
a renúncia de outros quatro entre os 37 investigados, conhecidos como “anões do
Orçamento”. Na gestão da crise sanitária, as posições do presidente contrárias
às orientações da ciência pareciam ser fruto exclusivo da cabeça dele. A CPI da
Covid vem nos mostrando que Bolsonaro bebia também em outras fontes, buscando
respaldo em gente que nada tinha a ver com a equipe presidencial. Pessoas que
desconheciam procedimentos normativos, como ocorreu no caso do preparo daquela
minuta de decreto para incluir na bula da hidroxicloroquina o tratamento para a
Covid, ao arrepio das exigências legais.
O episódio da notória reunião do fatídico 22 de abril foi o
mais explícito sobre os métodos presidenciais de operação, fundados no
aconselhamento de uma rede de conhecidos que compartilham das posições dele.
Ali o presidente, sem imaginar que a gravação viria a ser de conhecimento
público, criticou fortemente a Polícia Federal (“não me dá
informações”), “as inteligências das Forças Armadas” e a Abin.
Todas por não o atenderem de acordo com seus desejos e poderes que ele acredita
ter.
Daí foi que revelou a existência de um “sistema
particular de informações”. Ele mesmo tratou de descrever o perfil e o
funcionamento do tal sistema. “É o sargento do batalhão do Bope do Rio de
Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil
que tá em Manaus, é meu amigo que tá na reserva e me traz informação da
fronteira”, disse ele, ressaltando a eficácia do assessoramento e ao mesmo
tempo atribuindo a ineficiência das instâncias formais ao “aparelhamento das
instituições”.
A solução encontrada pelo presidente, ao que se viu e se vê agora de maneira ampliada, foi montar aparelhos paralelos para exercer a chefia da administração federal como quem toca uma reforma em casa sob critérios de vontade e de conveniências pessoais. Um indubitável desvio dos ditames a que está submetido o exercício da Presidência da República.
Com Dora Kramer
sábado, 2 de janeiro de 2021
O QUE COMEÇA MAL...
Finais de ano e retrospectivas são indissociáveis. Porém, se o réveillon é, tradicionalmente, um renovar-se de esperanças, as retrospectivas têm demonstrado que o buraco é bem mais embaixo.
O ano de 2020 é mais um dos que já se foram tarde e não deixaram saudades. Mas haja otimismo para achar que tudo será azul com bolinhas cor-de-rosa em 2021.
Bom seria se Bolsonaro
e o Sars-CoV-2 tivessem sido soterrados pelos últimos grãozinhos da ampulheta, à meia-noite de anteontem. Mas parece que ambos continuam fazendo vítimas, cada qual à sua maneira.
A maior potência do mundo livre lidera o ranking da Covid, com quase 20 milhões infectados e mais de 300 mil mortos. Mas lá eles têm Donald Trump, que até recentemente jogava no time do vírus.
Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar (depois da Índia), com quase 8 milhões de casos e 190 mil mortes. E aqui temos Bolsonaro, eleito graças a uma ironia do destino e, segundo ele próprio, alguém que não nasceu para presidente, mas que jamais desceu do palanque, só tem olhos para a reeleição e continua jogando no time adversário.
Nesta republiqueta de almanaque, abençoada por Deus e bonita por natureza, o futuro é duvidoso e o passado, incerto — tanto que até a autoria dessa frase ora é atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
O Brasil seria um grande país se não fosse o povo medonho que, sabe-se lá se por carma, sina, praga de madrinha ou obra do Criador, elege seus representantes a pior das escórias, uma gentalha que se candidata para roubar e rouba para se reeleger.
Ao contrário do que se costuma pensar, Lula não inventou a corrupção, embora tenha sido o grande responsável por sua institucionalização.
Observação: O picareta ainda não percebeu que seu tempo passou, sua luz apagou, seu povo sumiu. O eterno encantador de burros morreu e não sabe, e é justamente aí que mora o problema: enquanto não se der conta disso, esse egun mal despachado continuará a nos assombrar. Mas isso é outra conversa.
A corrupção aportou em terra brasilis em 1.500, travestida de nepotismo. A semente da praga, jogada no solo “onde se plantando, tudo dá”, está no final da carta de Caminha ao rei D. Manuel.
Preocupado com sua única filha, cujo marido, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, o escriba pediu a sua majestade que comutasse a sentença.
Não se sabe ao certo se o pedido foi atendido, mas, supondo que sim, o monarca não teve de recorrer aos atos secretos atualmente em voga,
já que as normas vigentes à época autorizavam-no a fazê-lo abertamente. Bons
tempos.
A rigor, a "farsa nacional" começou com o descobrimento. De acordo com os livros de história (pelo menos os da minha época de estudante), a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, na Índia, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a teria desviado da rota e voilà: foi descoberto o Brasil.
A "Relação do Piloto
Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre
João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que
sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco
de Ataíde, mas epístola do escriba anota que a
viagem até a (hoje) costa da Bahia decorreu na mais completa normalidade,
"sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser".
A região do suposto naufrágio era conhecida como "calmas equatoriais", porque os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes calculou que, durante a tal calmaria, a frota cabrália foi empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul. No entanto, amotou o marítimo, esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual” do Brasil.
A bem da verdade, a chegada da expedição portuguesa à "Ilha de Santa Cruz" não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias.
Portugal tinha conhecimento da existência do que viria a ser
o Brasil quase uma década antes desse suposto “descobrimento”
e, tecnicamente, já
tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.
A Independência do Brasil, da forma como os autores dos livros didáticos a relatam, é outra obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon às margens do córrego do Ipiranga, só aconteceu porque o sua alteza, acometido de poderosa caganeira, fizera alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita. Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas:
A primeira, assinada por seu pai, D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes.
A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal.
A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o embalo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
A Proclamação da República foi o primeiro de muitos
golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República
tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também
militar, eleito indiretamente, foi “convidado” por seus irmãos de farda a deixar o cargo.
Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro último), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é duvidoso em nosso país, esse número pode variar de 35 a 44). Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do cargo.
Como o que começa mal tende a
piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto pode ter o mesmo destino de Dilma,
a inolvidável gerentona de festim, e de Collor, o caçador de marajás de
araque. E, cá entre nós, já está mais que na hora.
Continua.