Ontem, em depoimento à CPI da Covid, Fábio Wajngarten não só omitiu que o governo federal fez uma campanha de comunicação contrária ao isolamento social como se contradisse em relação à entrevista que ele próprio concedeu à revista Veja no final do mês passado. Os parlamentares solicitaram o áudio e a revista o disponibilizou em seu site.
Aos membros da CPI, Wajngarten elogiou a “coragem” do ex-ministro da Saúde, negou que tenha participado de negociações aprofundadas com representantes da Pfizer sobre a compra de vacinas e disse que as tratativas iniciais envolveram uma quantia “irrisória” de imunizantes. À reportagem, porém, ele havia dito que travou uma disputa com Pazuello sobre a aquisição da vacinas e que esse foi o principal motivos do seu desembarque do governo em março. O texto publicado pela revista cita também a oferta de 70 milhões de doses de vacinas por parte da farmacêutica americanas — o que Wajngarten negou à CPI. O clima foi tenso durante toda a sessão.
Em um dos momentos mais críticos, o relator, senador Renan Calheiros, ameaçou pedir a prisão da testemunha. O presidente da Comissão, senador Omar Aziz, disse que se recusava a ser carcereiro e que a Comissão não é um tribunal de julgamento, mas deixou a decisão de decretar a prisão do depoente a critério de seus pares. O UOL Confere checou as principais declarações de Wajngarten.
Em seu depoimento, Wajngarten foi arrogante, tergiversou e mentiu. Entrou como testemunha, saiu como investigado, com o sigilo quebrado e correndo o risco de ser preso. Que a investigação seria desastrosa para Bolsonaro, ninguém tinha dúvida, mas o desastre vai tomando contornos de catástrofe.
Pazuello, que estava visivelmente preocupado com a perspectiva de depor, agora deve estar em pânico. Se insistir na estratégia de tirar o corpo fora e pôr a culpa no STF, é bem possível que o Brasil assista, ao vivo e em cores, em rede nacional de TV, à prisão um general de três estrelas do Exército Brasileiro.
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Deu na Folha que um relatório de inteligência produzido pela Polícia Civil após a operação na favela do Jacarezinho excluiu dos objetivos da ação o combate ao aliciamento de menores pelo Comando Vermelho. Na nova versão, a Operação Exceptios aponta que o escopo da mobilização policial era o cumprimento de 21 mandados de prisão expedidos pela 19ª Vara Criminal contra acusados por associação ao tráfico de drogas. Tanto em comunicado à imprensa como na entrevista coletiva da quinta-feira (6) a corporação havia dito que o objetivo da incursão na favela era ampliar a apuração sobre aliciamento de menores, homicídios, sequestros de trem e roubo. Procurada, a Polícia Civil afirmou que há outros inquéritos em curso na Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima para apurar a prática de “aliciamento de crianças e adolescentes para integrar a facção que domina a comunidade do Jacarezinho”. Por meio de nota, a corporação salientou ainda que “em operações policiais é comum os agentes aproveitarem para checar denúncias e informações de inteligência”, que “as investigações não necessariamente precisam estar vinculadas a um mesmo inquérito” e que, no caso específico do Jacarezinho, “são várias informações e trabalhos de investigação e inteligência que embasaram a operação”.
O delegado Felipe Cury, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada, asseverou que a apuração prévia à operação mostrou crimes graves “conexos ao tráfico de drogas” como homicídios, aliciamento de menores, sequestros de composições da Supervia e roubos. “A investigação não é o tráfico por si só. Há uma série de crimes conexos ao tráfico de drogas que precisam ser investigados. Investigamos o tráfico, mas no trabalho de inteligência descobrimos uma série de crimes que os traficantes realizam”, disse Cury.
Observação: Essa investigação começou em maio, após dois policiais militares da UPP do Jacarezinho terem informado à 25ª DP sobre informações de perfis de supostos integrantes da quadrilha que atuavam na favela. A partir da informação, 90 perfis foram analisados até se chegar aos 23 indiciados pela DPCA.
Nada muda o fato de que, nas comunidades do Rio de Janeiro, alijadas do Poder Estatal, as pessoas de bem foram abandonadas à própria sorte. Cidadãos que lá residem por falta de opção tornaram-se reféns de traficantes e milicianos que estabelecem suas próprias regras, impondo medo e terror com justiçamento, toque de recolher, fechamento de escolas e comércios e comandando execuções, entre outras barbáries. A morte de 29 pessoas no episódio em questão não era desejável nem tampouco é motivo de comemoração, mas a operação vem sendo criticada por diversos setores da sociedade e pela mídia, que crucificam a polícia sem levar em conta que os agentes foram recebidos a bala por criminosos fortemente armados — como comprova a morte do policial civil André Leonardo de Mello Frias, abatido por um tiro na cabeça ao desembarcar do Caveirão (veículo blindado) num beco onde havia uma estrutura de concreto com buraco para apoiar o cano do fuzil usado pelo criminoso para alvejar o policial.
Ao classificar o lamentável episódio de “invasão” e falar em “chacina” e “banho de sangue”, a imprensa (tanto local quanto internacional) insinua de maneira subliminar que houve ilegalidade na entrada da polícia na favela, quando na verdade a operação — fortemente armada, dada a periculosidade da região — foi deflagrada em cumprimento a uma ordem judicial. Os agentes não entraram atirando a esmo — havia barreiras para dificultar o ingresso dos veículos blindados. Os policiais adentraram a pé por ruas e vielas e foram recebidos a tiros de pistolas e fuzis, não lhes restando alternativa, portanto, senão revidar para proteger a própria vida.
Diante da apreensão de 16 pistolas, 12 granadas, uma submetralhadora, uma escopeta e quantidade enorme de entorpecentes, pondera o advogado e professor Bady Curi Neto em artigo transcrito por Fausto Macedo em seu blog no Estadão: “Será que alguém, em sã consciência e sem a visão distorcida dos direitos humanos acredita que os policiais não deveriam revidar ou, na expressão popular, colocar o ‘rabinho entre as pernas’, fugindo do enfrentamento?” Quando um criminoso atira contra um policial, ele está atingindo o Estado, e o Estado não pode se apequenar diante da bandidagem. A ausência da atuação policial nas favelas, seja através de policiamento ostensivo, seja através de incursões, deixa a comunidade à mercê da criminalidade, dando, por vias inversas, um salvo conduto para o tráfico e a milícia. Ademais, a proibição decretada pelo STF não é absoluta, devendo ocorrer em situações excepcionais, justificadas por escrito e comunicadas ao Ministério Público.
Por fim e com todas as vênias, criticar a atuação da polícia no revide de um tiroteio ou decidir coibindo operações em comunidades é bonito e de certa forma fácil para a classe média/alta, mas indica uma retórica falaciosa. A verdade é que a ausência do policiamento para a proteção da sociedade tem consequências dramáticas. Basta lembrar da greve dos Policiais Militares no Espírito Santo, em fevereiro de 2017, que culminou em violência extrema — em três semanas, mais de 200 pessoas foram assassinadas, e houve um aumento exponencial de saques, roubos e outros crimes. Onde o Estado não ocupa seu espaço, a criminalidade toma conta.
Para não ficar somente nesse assunto, dedico mais algumas
linhas a outro episódio lamentável,
Após realizar um passeio de motocicleta por Brasília e provocar aglomeração de apoiadores defronte ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro recebeu um grupo de amigos para um churrasco de Dia das Mães. Entre as carnes oferecidas aos convidados estava uma picanha de boi da raça wagyu, de origem japonesa, vendida a R$ 1.799,99 o quilo. A informação é do blog Cozinha Bruta, da Folha.
O Churrasqueiro Tchê — que se define como “churrasqueiro dos artistas” e tem fotos ao lado do ator Eri Johnson, do cantor Gustavo Lima, da ministra Damares Alves e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro — levou peças de carne com embalagem personalizada com o slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Na foto compartilhada por ele a embalagem estampa o endereço do perfil de Instagram do Frigorífico Goiás, em Goiânia — que também postou a imagem, chamando a carne de “picanha mito”. Em contato com o frigorífico, a Folha apurou que a “picanha mito” está em falta, mas é possível comprar a mesma carne com outra embalagem. Uma peça, com cerca de 350g, custa aproximadamente R$ 600. Na foto publicada por Tchê, veem-se duas peças da picanha. Ou seja, R$ 1.200 por 700g de carne. O preço é divulgado no site do frigorífico como promocional. O valor normal da peça é anunciado como R$ 1.200,99.
Observação: Fotos do evento foram postadas nas redes sociais pela primeira-dama e por outros participantes. Numa delas, parte do grupo — entre eles Michelle e a filha do primeiro-casal, Laura — aparece na área da churrasqueira do Alvorada. Ninguém usava máscara nem parecia preocupado com as recomendações sanitárias para a contenção da Covid, que já matou mais de 420 mil brasileiros.
Além dos discursos, sua excelência assinou decretos para
driblar decisões estaduais e municipais, manteve contato com pessoas nas ruas e
vetou o uso obrigatório de máscaras em escolas, igrejas e presídios — medida que
acabou derrubada pelo Congresso. No começo deste ano, quando os números já
apontavam para novo avanço da Covid no país, o capitão afirmou
que o Brasil estava vivendo “um finalzinho de pandemia”. Isso sem
mencionar que defendeu o uso de remédios ineficazes contra a doença, incentivou
aglomerações, atuou contra a compra de vacinas, espalhou informações falsas
sobre a Covid e fez campanhas de desobediência a medidas de proteção,
como o uso de máscaras.
Semana passada, discursando a apoiadores ao lado do general Braga Netto, ministro da Defesa, Bolsonaro disse: “Tivemos problema gravíssimo no passado, algo que ninguém esperava, a pandemia. Mas aos poucos vamos vencendo. Podem ter certeza, como chefe supremo das Forças Armadas, jamais o meu Exército irá às ruas para mantê-los dentro de casa”.