Por uma ironia do destino, a outrora pujante Lava-Jato teve início em 2008, quando o mandatário de turno era o futuro presidiário mais famoso do Brasil. Mas a operação só ganhou notoriedade em 2014, com a prisão do empresário Hermes Magnus, que cantou como um rouxinol. Suas informações levaram os investigadores até o doleiro Alberto Youssef e ao ex-diretor de abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que fora presenteado com um Range Rover Evoque zero quilômetro.
Youssef vinha sendo investigado pela PF por ligações
com um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o ex-deputado federal José Janene e Carlos Habib Chater, dono do Posto
da Torre, que inspirou o nome da operação. O doleiro já havia sido
julgado por Sergio Moro no caso Banestado, que investigou um
esquema de evasão de divisas envolvendo a instituição que lhe emprestou o nome.
Observação: O longa Polícia
Federal — A Lei é para todos retrata bem o início da Lava-Jato,
embora a série O
Mecanismo seja mais rica em detalhes, a despeito de trocar
os nomes dos envolvidos (inclusive a própria Polícia Federal, que, na série,
foi batizada de Polícia Federativa) e apresentar os fatos de forma romanceada.
Inspirado pela Operação Mani Pulite, o então juiz da 13ª Vara Federal Penal de Curitiba ajudou a conduzir a força-tarefa e a desbaratar o que viria a ser o maior esquema de corrupção desde a chegada de Cabral, há 522 anos. Mas vamos por partes.
O Posto da Torre (da bandeira ALE), que tinha 16 bombas e 85 funcionários, vendia 50 mil litros de combustível por dia — e, como se descobriu mais adiante, cobrava por uma quantidade maior do que a efetivamente colocada no tanque dos clientes. O estabelecimento também dispunha de lojas de conveniência e alimentação, borracharia, oficina mecânica, lavanderia e, claro, a famosa casa de câmbio ValorTur, pivô da investigação que exporia as entranhas do Petrolão. Curiosamente, não havia um lava-rápido em suas instalações.
A partir das delações, os feitos da Lava-Jato se tornaram públicos e notórios — a exemplo dos ataques desfechados contra a operação por políticos corruptos. Entre vários episódios dignos de nota, relembro que em 2016, numa conversa com ex-presidente da Transpetro que foi interceptada pela PF, o ex-senador Romero Jucá sugeriu que uma mudança no governo "estancaria a sangria" representada pela Lava-Jato — vale destacar que ambos eram investigados pelo força-tarefa.
Jucá
defendia um pacto nacional "com o Supremo, com tudo". Segundo
ele, togados (que ele não citou nominalmente) lhe haviam
assegurado que a saída de Dilma propiciaria o fim das pressões da
imprensa e de outros setores pela continuidade das investigações.
“Tem poucos caras ali [no STF] aos quais não tenho acesso e um deles é
Zavascki” (referindo-se ao relator da Lava-Jato, que Jucá disse
ser "um cara fechado").
Machado presidiu a Transpetro de 2003 a 2014 e foi indicado "pelo PMDB nacional", como admitiu em depoimento à PF. Em um dos trechos da gravação, ele disse a Jucá: "O Janot está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho. [...] Ele acha que eu sou o caixa de vocês". Segundo Machado, o envio de seu caso para Curitiba seria uma estratégia para levá-lo a delatar líderes do PMDB. "Aí fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu 'desça'? Se eu 'descer'... Então eu estou preocupado com o quê? Comigo e com vocês. A gente tem que encontrar uma saída". Disse ainda que novas delações na Lava-Jato não deixariam "pedra sobre pedra", e Jucá concordou que o caso do comparsa "não podia ficar na mão de Moro".
Em 2016, a Odebrecht firmou acordo de leniência com a PGR. A “Delação do Fim do Mundo”, como ficou conhecido o acordo, atingiu o alto escalão do governo federal. Marcelo Odebrecht reconheceu que havia disponibilizado R$ 300 milhões para Lula e o PT (o ex-presidente e sua sucessora já haviam sido acusados por Delcídio do Amaral de envolvimento com o esquema de corrupção na Petrobras).
Em 16 de março de 2016, Moro retirou o
sigilo das interceptações telefônicas do ex-presidente com a gerentona de
araque, que o nomeou ministro da Casa Civil para que ele voltasse a ter foro
privilegiado. A nomeação foi suspensa no dia seguinte.
Liderada pelo procurador Deltan Dallagnol, a Lava-Jato apontou Lula como figura central nos esquemas de lavagem de dinheiro investigados pela operação. Em julho de 2017, Moro condenou o petralha a 9 anos e 6 meses de prisão no processo envolvendo o tríplex do Guarujá. A pena foi aumentada para 12 anos e 1 mês pelo TRF-4 e posteriormente reduzida para 8 anos e 10 meses pelo STJ. No caso do sítio de Atibaia, a juíza substituta Gabriela Hardt condenou o ex-presidente corrupto a mais 12 anos e 11 meses, e o TRF-4 aumentou sua pena para 17 anos, 1 mês.
Lula foi preso em 7 de abril de 2018, depois
de um espetáculo midiático que seria vexatório em qualquer democracia que se
desse ao respeito — vale destacar que esta republiqueta de bananas não
é exatamente uma democracia que se dá ao respeito, tanto que o ex-presidente
corrupto deixou sua cela VIP pela porta da frente, depois de míseros 580 dias,
graças a uma decisão teratológica do STF, que derrubou a prisão em segunda instância.
Como será detalhado mais adiante, passaram-se mais de 5 anos até que o ministro Luís Edson Fachin chegasse à brilhante conclusão de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar Lula, e anulou tanto as condenações quanto as provas. Sete dos 11 togados acompanharam a decisão do relator, e os quatro processos que tramitavam contra o picareta em Curitiba voltaram à estaca zero e foram enviados à JF do DF — onde, ao que tudo indica, descansarão em paz até o final dos tempos.
Dito de outra maneira, nossa mais alta corte de justiça transformou em “ex-corrupto” e candidato à
Presidência um ex-presidiário condenado por uma dezena de magistrados, em três instâncias do Judiciário, e
que teve mais de uma centena de recursos negados, inclusive pelo próprio STF.
Dados do MPF (desatualizados, como tudo mais neste país, mas enfim...) apontam que a Lava-Jato foi responsável pela condenação de 278 criminosos a penas que, somadas, totalizam 2.611 anos de prisão, além de ter recuperado mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. A expectativa era de que, entre multas e acordos de leniência, o total recuperado chegasse a R$ 14 bilhões), mas a força-tarefa foi desbaratada pelo presidente Jair Bolsonaro, que, quando candidato, declarou que seria implacável com a corrupção e os políticos corruptos.
Triste Brasil!