quinta-feira, 21 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO


 

O desempregado que deu certo (tão certo que se tornou presidente do Brasil) nasceu em 27 de outubro de 1945. Sétimo filho (noves fora outros quatro que "não vingaram") de um casal de lavradores pobres e analfabetos, o ungido veio ao mundo num casebre depauperado do sítio Várzea Comprida, em Caetés (então município de Garanhuns - PE). A mãe, Eurídice Ferreira de Melo, não foi assistida por uma parteira — a comadre era corpulenta e caiu do jegue a caminho do sítio — nem pelo marido — que havia "retirado" para São Paulo dois meses antes, levando a reboque uma prima adolescente da mulher, que ele havia engravidado.

Aristides Inácio da Silva só conheceu Luiz Inácio em 1950, quando voltou ao agreste para rever a família. Só então dona Lindú soube que o marido vivia com Mocinha e que tinha dois filhos com ela. Dias depois, ao voltar para Santos (SP), onde trabalhava como estivador, o pica-doce deixou a mulher grávida de Tiana (que mais adiante seria registraria como Ruth, porque o cartorário achou que Sebastiana era um nome muito feio) e levou embora o filho Jaime, futuro autor da carta que mudaria o destino da família. 
 
Aristides ditava para o filho alfabetizado as cartas em que dizia à mulher que a vida no litoral paulista estava difícil e que ela devia permanecer em Pernambuco. Numa dessas cartas, Jaime escreveu que era para a mãe e os irmãos virem para São Paulo. Castigada pela seca de 1952 e edulcorada pelas palavras do filhos, dona Lindú vendeu o barraco e os poucos teréns, deixou o cachorro com um parente, juntou a prole e tomou um "pau-de-arara" rumo à capital paulista. 

Após 13 dias espremidos no caminhão com outros retirantes, dona Lindú e os sete filhos chegaram ao bairro do Brás, de onde seguiram de trem para o litoral e foram bater à porta da casa onde Aristides morava com JaimeMocinha e dois filhos do casal. O reencontro se deu na antevéspera do Natal, mas não foi nada caloroso. 
 
Observação: Aristides era um homem rude e ignorante, que bebia muito e tratava melhor seus cachorros (ele tinha mais de 20) do que a mulher e os filhos. Segundo Lula, a primeira coisa que o pai fez ao se deparar com a família foi perguntar por Lobo (o tal cão que havia ficado no nordeste). Embora exercesse as funções de ensacador e ganhasse mais que a maioria dos estivadores, o "homem das sete mulheres" tinha amantes e uma penca de filhos para sustentar. Não espanta, portanto, que nenhuma mulher ou ex-mulher que soube de sua morte em 1978 — aos 65 anos, por cirrose hepática — e nenhum dos mais de 25 filhos espalhados país afora se interessou em tirá-lo da vala comum do cemitério da Consolação, no distrito de Vicente de Carvalho, e lhe dar um túmulo e um epitáfio.
 
Aristides ficava dois dias com uma família e dois dias com a outra, mas tratava dona Lindú e os filhos nas patas do coice. Depois de levar uma surra de mangueira do marido, a mão do predestinado subiu a serra (literalmente) e passou a morar nos fundos de um boteco na Vila Carioca (zona sul da capital paulista). Lula continuou com o pai por mais algum tempo e vendeu muita laranja e amendoim e engraxou muito sapato até finalmente ir morar com a mãe. 

Em São Paulo, o futuro presidente trabalhou como auxiliar de tinturaria, engraxate e office-boy antes de se tornar aprendiz de torneiro mecânico na Fábrica de Parafusos Marte. Em 1964, diplomado pelo Senai, empregou-se na Metalúrgica Independência, onde perdeu o dedinho da mão esquerda num acidente pra lá de esquisito — mas que lhe rendeu uma indenização Cz$ 350 mil. Na sua versão, um companheiro teria cochilado e largado o braço da prensa que lhe esmagou o dedinho. 
 
Observação: Acidentes do trabalho eram comuns naqueles tempos. Vavá (o irmão cuja morte o explorador de cadáveres não pode usar politicamente) quase perdeu uma das mãos numa algodoeira. JaimeZé Cuia também se acidentaram — um teve parte dos dedos decepados numa serralheria e o outro, que era mecânico de caminhão, teve a mão esmagada por uma máquina. Mas as probabilidades de alguém perder o dedo mínimo operando um torno mecânico, que já são remotas, caem para quase zero quando o operador é destro e o dedo em questão é da mão esquerda. 
 
Lula deixou a Independência logo depois do acidente. "Tive uma briga com um chefe. Pedi a conta", disse ele ao site ABC de Luta. Na sequência, ele se empregou como meio-oficial-torneiro na Fris-Moldu-Car, que "se apropriou" da narrativa do acidente para reivindicar relevância histórica e escapar da falência através da recuperação judicial

Observação: A empresa guarda o torno onde jura que o ex-funcionário famoso perdeu o dedo, e exibe sua ficha de empregado na recepção da fábrica. Para justificar a afirmação de que o acidente teria ocorrido em suas dependências, alega que a antiga Independência se transformou na Fris. Mas não há registros dessa aquisição nem coincidência entre as datas de funcionamento das duas empresas (mais detalhes no livro O Brasilianista Natural e o Petismo Era Lula - Volume I, escrito pelo ex-engenheiro sênior de metalurgia da CSN Lewton Verri, que conheceu Lula na década de 70). 

A versão da Fris não orna sequer com a boa recordação que supõe que o ex-empregado tenha dela. Lula foi demitido porque pegou o dinheiro das horas extras que deveria fazer no fim de semana e foi para praia: "Quando cheguei segunda-feira, queimadinho que nem um camarão — porque pobre não se bronzeia, se queima que nem camarão —, o cara: 'Por que não veio trabalhar?' 'Ah, fui pra Santos'. 'Então vai ser mandado embora'". 

Depois de seis meses desempregado, ele foi contratado pela Villares e, estimulado pelo irmão Frei Chico (que não era frei nem se chamava Francisco), iniciou sua trajetória sindicalista. 

Continua...